O Ministério Público Federal (MPF) obteve a condenação de Jairo Ataíde Vieira, ex-prefeito do município mineiro de Montes Claros, e de seu ex-secretário municipal de Saúde, Eduardo Avelino Pereira, por improbidade administrativa. Os réus tiveram os direitos políticos suspensos pelo prazo de três anos e foram proibidos de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo mesmo prazo. Eles ainda terão de pagar, cada um, multa civil no valor de 50 mil reais.
As sanções foram impostas por sentença proferida pela 2ª Vara da Subseção Judiciária Federal de Montes Claros/MG na Ação Civil Pública nº 3241-32.2006.4.01.3807, em que o MPF acusou o ex-prefeito e o ex-secretário municipal da prática de irregularidades na aplicação de verbas repassadas ao município pelo Ministério da Saúde.
Os fatos aconteceram entre os anos de 1998 e 2000. A Prefeitura de Montes Claros recebera cerca de R$ 2,3 milhões em verbas vinculadas ao Programa de Atenção Básica (PAB) à Saúde, mas, ao invés de utilizar os recursos na execução de ações de assistência, os réus depositaram-nos em contas correntes que, embora fossem do município, não se destinavam ao Fundo Municipal de Saúde. A verba ficou transitando entre contas da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil por dois anos, em aplicações no mercado financeiro e em contas bancárias sem rendimento, deixando de ser utilizada em serviços de saúde prestados à população.
Posteriormente, investigações efetuadas por uma CPI do Legislativo municipal e por auditorias da Secretaria Estadual de Saúde constataram que apenas R$ 581.101,71 foram efetivamente aplicados nas ações básicas de saúde, o que significa menos de 15% do total das verbas repassadas ao município.
Na ação, o MPF defendeu que a não-aplicação dos recursos do PAB representou grave violação à legislação regente do Sistema Único de Saúde (SUS), já que vantagens financeiras não repercutem necessariamente na melhora do nível de saúde da população. Segundo relatório da auditoria estadual, mais de 180.000 consultas médicas e 500.000 procedimentos odontológicos deixaram de ser realizados no período em que o dinheiro esteve aplicado.
Para o MPF, o arcabouço jurídico brasileiro demonstra “que não há nenhuma discricionariedade quanto ao momento em que o Poder Público deve implementar as ações para atenção básica à saúde da população. Não por acaso os repasses são contínuos, mensais, pois a atenção à saúde dos cidadãos, mormente em se tratando do SUS, é algo contínuo, que não admite interrupções e nem demoras”.
Ilegalidade – Durante o trâmite da ação, proposta em 2004, os réus se defenderam alegando que aplicaram o dinheiro para que ele não ficasse parado enquanto faziam o planejamento das ações em que a verba seria empregada e realizavam as necessárias licitações.
O juízo federal, no entanto, não acolheu a tese da defesa, por considerar que aplicação financeira de verba vinculada ao SUS não encontra respaldo em lei.
Lembrando que, no Direito Público, o administrador está obrigatoriamente vinculado à existência de autorização legal para seus atos, a sentença registra que “Não há na legislação inerente à administração dos recursos do SUS autorização para débitos de valores do fundo sem que essa retirada seja destinada ao atendimento dos custos com ações de saúde, o que já demonstra que a conduta dos requeridos afastou-se do princípio da legalidade”.
E mesmo que tal aplicação fosse possível, pesa ainda contra o ex-prefeito e o ex-secretário municipal o fato de que a movimentação financeira não constou do relatório de gestão, para aprovação pelo Conselho Municipal de Saúde, conforme exigem tanto a legislação estadual e federal quanto a própria Lei Orgânica Municipal de Montes Claros.
A conduta dos réus também feriu os princípios da moralidade e da eficiência, porque, segundo a sentença, “a população do Município se viu privada de melhorias em sua qualidade de vida ante a falta de investimento, do valor em discussão, em ações de saúde, não constituindo justificativa plausível a inexistência de projetos para sua implantação e/ou a demora na conclusão de eventuais processos de licitação que, aliás, deveriam ter sido providenciados de antemão pela Administração Pública”.
Para o juízo federal, “É inegável que, existindo verbas disponíveis para a aplicação em saúde da comunidade, não poderiam, em hipótese alguma, ficar engessadas. A manutenção de tamanha quantia de verba pública, por quase dois anos, em contas de investimento, em vez de ser aplicada em prol da coletividade, não encerra razoabilidade alguma”.
A sentença ainda chamou atenção para as atas das reuniões do Conselho Municipal de Saúde, que apontaram falta de qualidade dos serviços de saúde municipais. “Por isso, mesmo que não fosse possível a execução de novas ações ou de projetos inovadores, ante a ausência de planejamento, seria perfeitamente cabível o reforço do financiamento nas ações que já estavam sendo executadas, muitas com precariedade”, afirma o magistrado.
Até porque, como lembrou a sentença, “o conceito amplo de saúde fornecido pela Portaria 1.742/96 do Ministério da Saúde inclui na área da saúde básica inclusive intervenções ambientais, como relações e condições sanitárias nos ambientes de vida e trabalho, o controle de vetores e hospedeiros e a operação de sistemas de saneamento ambiental”, concluindo que os administradores agiram com negligência, “porque deixaram de aplicar recursos importantes no serviço de saúde, comprometendo a eficiência na prestação desse serviço público de assaz importância para toda a comunidade municipal”.
As sanções somente serão aplicadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Ainda cabe recurso.
(Fonte: MPF/MG)