Pesquisa afirma que habitante de país corrupto tende a ser mais desonesto

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O lugar em que você vive pode torná-lo mais ou menos honesto? Segundo um estudo publicado na revista Nature, sim. Depois de analisar índices de corrupção em todo o mundo e realizar experimentos de laboratório com milhares de pessoas, os autores concluíram que quanto maior é a violação de regras em um país, mais altas são as chances de seus habitantes mentirem para obter um pequeno ganho financeiro. Em outras palavras, a sociedade influencia a honestidade intrínseca de seus membros.

Crédito: CB / D.A Press

Os responsáveis pelo trabalho explicam que o tema tem sido alvo da atenção de diferentes áreas — da antropologia à economia —, uma vez que a honestidade é um traço valorizado em todo o mundo. “O antropólogo Joseph Henrich, da Universidade de Harvard, tem feito uma pesquisa intercultural, em sociedades pequenas, mostrando que a cultura e a sociedade exercem uma influência importante sobre as preferências e o comportamento das pessoas. Por isso, é natural perguntar até que ponto isso é válido também para as sociedades desenvolvidas”, justifica Simon Gaechter, professor de psicologia da Universidade de Nottingham, no Reino Unido, autor do estudo ao lado de Jonathan Schulz, da Universidade de Yale, nos Estados Unidos.

O primeiro passo da dupla foi elaborar uma espécie de ranking global do respeito às leis. Os cientistas analisaram dados públicos como taxas de evasão fiscal, corrupção e fraude política de 159 países e criaram o índice PRV, sigla em inglês para Prevalência de Violação das Regras. As nações foram, então, classificadas em um nível de PRV baixo (menos desrespeito às leis), mediano e alto (onde a corrupção parece ser maior). Nesse modelo, o Brasil foi apontado com um índice PRV mediano (veja mapa).

Faça o teste: você já cometeu algumas dessas atitudes? – Crédito: EM / D.A Press

Jogo de dados

Para verificar se o ambiente de maior ou menor desrespeito às regras influencia a honestidade individual, os dois especialistas selecionaram 23 países que representavam distintos níveis de corrupção, como Reino Unido, Vietnã, China, Espanha, Suécia, Guatemala e Colômbia. Nesses lugares, jovens foram convidados para participar de um experimento simples que poderia lhes render algum dinheiro. Ao todo, 2.568 pessoas se envolveram no estudo.

Depois de ficarem sozinhos em uma sala, os voluntários deviam jogar um dado duas vezes, memorizando os números que haviam tirado. O entrevistador voltava então ao cômodo e perguntava apenas qual tinha sido o resultado do primeiro lançamento. Essa resposta determinava o valor a ser pago ao voluntário. Quanto mais alto o número do dado, maior a recompensa, com exceção do número seis, que representava pagamento nenhum.

Como as pessoas estavam sozinhas no momento de lançar os dados, elas podiam mentir facilmente para sair do experimento com um pouco mais de dinheiro. E, de fato, era impossível para os pesquisadores apontarem quem havia mentido ou falado a verdade. Porém, como o resultado era fruto do acaso, todas as respostas de cada país deveriam ficar distribuídas mais ou menos igualmente entre os seis números do dado. Se a grande maioria fosse de números altos, os pesquisadores tinham como afirmar que, naquele país, as pessoas tinham mentido com mais frequência. E onde isso foi mais comum? Justamente nas nações com o índice PRV mais alto, embora em todo lugar tenha sido observada alguma distorção dos resultados.

Transmissão

Dois detalhes são importantes para entender os resultados. Primeiro: por que os participantes foram estimulados a lançar o dado duas vezes se o resultado que interessava era apenas o inicial? O estudo optou por esse modelo porque, segundo análises anteriores, as pessoas gostam de acreditar que, de certa forma, falam parte da verdade quando mentem. Assim, em vez de simplesmente inventar um resultado qualquer, muitos podiam escolher o número mais alto dos dois que tinham tirado. Por exemplo, um participante que tirasse dois na primeira tentativa e três na segunda tenderia a dizer que o resultado válido para receber a recompensa era três.

O segundo aspecto é a idade dos voluntários. Os cientistas escolheram pessoas que são muito jovens para terem influenciado o nível de corrupção institucional do país em que vivem — a média de idade era 21 anos. Isso permitiu à dupla de autores afirmar que é a corrupção da sociedade que influencia a honestidade dos indivíduos, e não o contrário. “Utilizamos jovens que provavelmente são influenciados pelo que veem ao seu redor, mas devido à juventude ainda não podem ter contribuído para a corrupção em suas sociedades. É claro que, futuramente, os jovens serão adultos e estarão em posições de poder e influência, podendo ser propensos a suborno, sonegação de impostos etc., mas nossos resultados sugerem que a desonestidade de quebrar uma regra vem de seu ambiente social”, diz Gaechter.

Para o psicólogo, o estudo mostra que a corrupção é um problema maior do que se imaginava, pois, além dos prejuízos econômicos, ela pode corromper a conduta da população. Os dados, contudo, também trazem esperança. “Os resultados sugerem que, a longo prazo, a honestidade intrínseca pode melhorar, mas seria necessária uma pesquisa futura para mostrar como isso ocorreria”, afirma o autor, antecipando que já planeja o desenrolar da pesquisa.

Para Shaul Shalvi, especialista do Centro de Pesquisa em Economia Experimental e Política de Tomada de Decisão (Creed, em inglês) da Universidade de Amsterdam, na Holanda, pesquisas do tipo são fundamentais. “A corrupção é um problema grave em todo o mundo. Para a União Europeia, ela custa anualmente um montante igual ao seu orçamento anual”, diz o cientista, que não participou da nova pesquisa, mas investiga há anos o tema da honestidade. “Em um artigo recente que fiz com um colega, descobrimos que, em experimentos nos quais a honestidade é posta à prova, as pessoas mentem mais quando estão acompanhadas do que quando realizam as atividades sozinhas. Com base nesses achados, podemos criar intervenções organizacionais que reduziriam a corrupção, mas ainda há um longo caminho pela frente”, avalia.

(Fonte: Correio Braziliense / Repórter: Vilhena Soares)

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