Dívida da escravidão ainda requer reparação

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Cerca de 80% das mortes violentas de jovens no Brasil acontecem com a população negra, que ainda representam, aproximadamente, 70% dos ocupantes do sistema prisional nacional. As mulheres afrodescendentes sofrem quase o dobro da violência que as brancas. Essa realidade seria decorrente do processo de escravidão, abolido sem preocupação em garantir os direitos e a dignidade dos libertos. Esses dados foram lembrados e criticados pelo presidente da Comissão de Diretos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deputado Cristiano Silveira (PT), em audiência pública que debateu o tema “Memórias da escravidão negra no Brasil”, nesta quarta-feira (25/11/15).

A reunião avaliou o trabalho que está sendo conduzido pela Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, criada pela ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em fevereiro deste ano, assim como pelas comissões estaduais que trabalham na mesma temática. No dia 2 de dezembro, em uma cerimônia em Brasília (DF), as comissões dos estados levarão relatórios parciais para integrar o material da similar nacional.

“Os números são escandalosos quando se fala de negros no Brasil. O brasileiro reproduz modelos embutidos de racismo. Existe um verdadeiro genocídio da juventude negra. E a origem está na escravidão e na forma como ela foi abolida, entregando-os à própria sorte. É certo que, na última década, houve importantes mudanças, como aumento de afrodescendentes nas universidades, o que cresceu 35%. Porém, isso ainda é muito pouco”, ponderou o deputado Cristiano Silveira. Ele também ressaltou a necessidade de se pensar ações práticas para que, nos próximos anos, os números não se repitam.

Autor do requerimento para a reunião, o deputado Professor Neivaldo (PT), que integra a Comissão Nacional, enfatizou o seu orgulho em fazer parte desta luta pela reparação dos danos causados à população negra. Lamentando a discriminação e o desrespeito, o parlamentar ponderou sobre os avanços, que, segundo ele, nasceram sobretudo graças a mobilizações do movimento negro e a ações coletivas. “Tivemos importantes avanços nos últimos anos, como a criação das cotas de reparação e a proposta da ONU da Década Internacional de Afrodescendentes, de 2015 a 2025. Mas ainda há muito a ser feito, devemos muito a este povo”, avaliou.

Comissão da Verdade da Escravidão destaca necessidade de reparação

O secretário-geral Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra e do Trabalho Escravo da OAB, Gilberto da Silva Pereira, destacou a natureza do trabalho executado pela comissão, que, além da apuração de crimes ligados à escravidão, indica formas de reparação. Segundo ele, a comissão convocou membros dos três Poderes e pesquisadores – como antropólogos, sociólogos e historiadores – que trabalham na seleção e apuração de documentos.

Sobre o relatório parcial que será levado a Brasília, Gilberto Pereira reforçou sua importância. “Esta documentação será uma vasta fonte que o Estado poderá usar para pautar políticas públicas para garantir a reinserção do negro na sociedade com dignidade, garantindo a reparação com justiça e união de forças”, completou.

Uma das relatoras do documentos, a diretora do Campus Leopoldina da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), Beatriz Bento de Souza, destacou o teor do relatório, que foi realizado entre 30 de julho e 24 de outubro deste ano. Ela abordou ainda o projeto “Escravidão, cidadania e Identidade”, que será desenvolvido numa parceria da OAB com outras instituições (fóruns, escolas e igrejas).

“Crescemos aprendendo a partir do ponto de vista do colonizador, que reproduz atos discriminatórios e contraditórios aos avanços dos movimentos sociais negros e às politicas afirmativas. Precisamos de um ensino crítico da história, que rompa com esse discurso, e conte a verdadeira história da negritude, mostrando os valores reais dessa população, de forma que o afrodescendente possa sentir orgulho de sua raça e origem”, refletiu Beatriz.

A repetitividade histórica da exclusão no ambiente escolar foi destacada também pela coordenadora de Relações Internacionais do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e do Programa Escolas Sustentáveis, Dulce Maria Pereira.“Não podemos esquecer que o processo educacional na sociedade brasileira contribui para a formação de uma imagem social excludente do povo negro. As pessoas entram na escola para operar na desigualdade. É preciso desmantelar a exclusão e trabalhar pela inclusão”, ponderou. Dulce Pereira salientou, ainda, a necessidade de um estudo sobre a história da mulher negra.

A subsecretária da Igualdade Racial da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (Sedpac), Cleide Hilda de Lima Souza, destacou a importância deste tema ser debatido no Legislativo. Ela também elogiou a política de cotas, embora considere que tiveram início tardio. “Durante anos, o Estado não enxergou os resultados maléficos decorrentes da escravidão. A abolição não integrou ninguém, os escravos ficaram livres mas sem nenhum direito básico. O que tem trazido mudanças é a militância do movimento negro. O racismo está por todos os lados e é perverso”, afirmou.

Andréia de Jesus Silva, advogada da Rede Coletivo Margarida Alves, e Luciana da Cruz Neves, moradora da Ocupação Dandara e militante do Círculo de Questões Raciais das Brigadas Populares, destacaram os agravantes de ser negro e viver em ocupações. Para a advogada, é essencial resgatar o protagonismo do negro, sabendo ouvir as suas demandas e parando de decidir à sua revelia.

Já a militante lamenta a dupla discriminação sofrida pelos habitantes de ocupações. “As conquistas não chegam até as ocupações. Mas tudo o que eu ouvi sobre direitos negados, falta de água, luz, escolas, quem vive em ocupação vive isso diariamente há anos. Mais do que criar novas leis, é preciso garantir os direitos que já estão consagrados e negados a essas pessoas”, declarou, emocionada.

(Fonte: ALMG)

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