Festas populares, banda de música e até o jeitinho de fazer nosso queijo são os bens imateriais do estado.
A expressão artística e cultural que representa um povo é tão importante que tem nome: são chamados “bens culturais de natureza imaterial”. São manifestações de saberes, ofícios, modos de fazer e celebrações. Países, estados e cidades escolhem expressões significativas de suas comunidades e podem incluí-las nas respectivas políticas de preservação da cultura.
Nosso estado é grande e cheio de diversidades. Em cada cantinho, um jeito de ser especial. Reconhecidos pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), são três: a comunidade dos Arturos, incluindo aí as celebrações de reinado/congado, festa de N. Senhora do Rosário e a prática da benzeção na comunidade; a festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte e o modo de fazer o queijo artesanal do Serro. A Banda da Polícia Militar de Passos tem registro municipal e, agora, pleiteia o título estadual no Iepha.
Para Françoise Jean, Diretora de Proteção e Memória do Iepha, o registro de Patrimônio Imaterial significa ter o reconhecimento formal por parte do poder público de que uma determinada manifestação cultural é fundamental para a constituição da memória, dos laços de pertencimento e da identidade de um determinado grupo ou comunidade. “O título (de patrimônio) Imaterial pretende contribuir para a preservação da manifestação, além de gerar o reconhecimento, valorizando e divulgando um determinado bem cultural. Neste sentido, o poder público assume o compromisso de, juntamente com a comunidade detentora dessa expressão, contribuir para a continuidade histórica da manifestação cultural”, afirma.
Conheça um pouco da história destes tesouros de Minas Gerais:
Modo de fazer o queijo artesanal do Serro
A receita do queijo do Serro teria sido trazida para o Brasil no século XVIII por portugueses que vieram da região da Serra da Estrela. Em Minas, a técnica foi adaptada e a região do Serro preserva até hoje a maneira de fazer da época do Brasil colônia.
A produção artesanal possui caraterísticas únicas. A massa é preparada com leite cru e recebe o “pingo” – adição de fermento láctico natural – a partir do soro drenado do próprio queijo. O resultado é um sabor característico e inconfundível. As condições climáticas e os microrganismos típicos da região determinam o sabor úmido e ácido, bastante valorizado por apreciadores mundo afora.
O médico e produtor José Monteiro cresceu em fazendas de produção artesanal de queijo. A tradição queijeira está na família há mais de 100 anos e começou com o avô de José. Para ele, a característica dos lactobacilos presentes no leite serrense combinado com o processo testado por anos de produção, fazem com que o Serro mereça destaque no mercado.
“O método industrial mata os germes saudáveis ao pasteurizar a massa e, por isso, os queijos deles não tem gosto natural. Aqui no Serro, o processo é bastante higiênico e tem como intenção um produto que conte a história de Minas Gerais e satisfaça o paladar dos consumidores”, afirma.
O modo de fazer o queijo artesanal do Serro passou a integrar o patrimônio imaterial do Estado em 2002. O registro significou uma vitória para moradores da cidade e região, pois serviu para garantir o sustento de milhares de famílias que era ameaçado por imposições sanitárias de órgãos reguladores de fora de Minas Gerais que não conheciam o processo de produção. A defesa dos queijeiros, em parceria com o Iepha, conseguiu provar o que os mineiros já sabiam, além de seguro, o queijo do Serro “é bom demais, uai”.
(Foto: Divulgação IEPHA)
Festa de Nossa Senhora do Rosário da Comunidade dos Arturos, em Contagem
A comunidade negra dos Arturos descende de escravos vindos de Angola trazidos para trabalhar num vilarejo situado na Mata do Macuco, onde hoje é a cidade de Esmeraldas. Neste povoado, assumiam funções de mineiros ou tropeiros nas lavouras. Depois da Lei do Ventre Livre, os Arturos se mudaram para Contagem, morada das quatro gerações de ex-escravos. São mais de 80 famílias, formadas por 500 pessoas.
A comunidade manteve ao longo de todos esses anos a identidade cultural e as tradições dos negros africanos. Entre as celebrações, destacam-se o Batuque (reconhecido como forma de expressão artística pelo Ministério da Cultura, que nomeou Dona Conceição Natalícia como mestre no batuque), a festa da capina denominada “João do Mato”, a folia de Reis, a Festa da Abolição da Escravatura e, principalmente, o Reinado de Nossa Senhora do Rosário.
O Congado de Arthur Camilo, no início do século XX, é considerado o mais importante para a comunidade. Os valores passados por ele, patriarca dos Arturos, são os principais elementos da criação ética e moral dessa pequena sociedade. E, para Arthur Camilo, a fonte espiritual para guiar seu povo sempre veio de Nossa Senhora do Rosário, por isso a importância dos festejos em homenagem à santa. “Ela é a mãe dos negros. Portanto, temos a igrejinha na comunidade em nome dela para expressamos a fé e o amor. Nos momentos de dor e de felicidade é Nossa Senhora que acalenta nossos corações”, afirma o capitão e presidente da Irmandade Nossa Senhora do Rosário, José Bonifácio da Luz, responsável pela festa.
Em maio de 2014, a Festa de Nossa Senhora do Rosário da Comunidade dos Arturos foi declarada patrimônio cultural imaterial de Minas Gerais. “Para nós foi uma surpresa que valoriza nossas tradições, a nossa cultura. A nossa comunidade nunca imaginou que o poder público daria um título de tamanha importância para um grupo de negros pobres, mesmo sendo a nossa comunidade a guardiã de parte da história dos escravos no Brasil”, finaliza.
(Foto: Divulgação IEPHA)
Banda de Musica da PM de Passos
A população de Passos decidiu: a banda de música do 12º Batalhão é o mais novo patrimônio cultural imaterial da cidade. A decisão foi tomada em junho deste ano. Formado por 16 militares, o conjunto chega a fazer 20 apresentações por mês no Sudoeste do estado.
A banda foi criada em 1966, dois anos após a inauguração do 12º Batalhão em Passos, responsável pela segurança de 33 municípios no Sudoeste mineiro. Do rock ao samba, do erudito ao arrocha, os 16 integrantes são desafiados pelo maestro a se adaptarem ao gosto do público.
Para o tenente regente, Rodrigo Inácio, a violência não pode ser combatida apenas com armas. “A música é uma das maneiras de humanizar as pessoas, portanto, é fundamental a cultura para a segurança. Esse título é uma grande vitória para a cultura mineira e garante a sobrevida da tradição de Passos. Nossos músicos estão envaidecidos com o reconhecimento” relata.
Dona Celina das Dores conhece a banda desde os primeiros acordes. Com 82 anos de idade, ela já perdeu as contas de quantas apresentações assistiu. Para a aposentada, o título é resultado da dedicação dos policiais. “É muito bonito ver a banda do 12. Muitos coisas começam e param aqui em Passos, mas ela não”, se orgulha.
(Foto: Divulgação PMMG)
Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte
A Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte é celebrada no segundo domingo do mês de outubro na pequena cidade do Médio Jequitinhonha. Pessoas de todo o país se reúnem para vivenciar a fé na Virgem do Rosário.
A celebração ocorre desde o século XVIII, como forma de devoção dos membros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Libertos e Cativos e da Freguesia da Santa Cruz da Chapada.
A Festa tem ascendência na cultura afro-brasileira e na história de resistência dos es cravos. Os valores religiosos, da oralidade, da culinária, da musicalidade são elos das populações negras que foram e são fundamentais na história de Minas Gerais. A celebração passou a integrar o patrimônio imaterial do Estado em julho de 2013.
“A fé, a cultura e o misticismo. Esses são os principais pilares da nossa festa. São 193 anos de festejo que mantém viva religiosidade do povo da Chapada (do Norte), dos tropeiros e peregrinos”, descreve a membro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Acidália Maria Prachedes.
O folclore por trás da imagem de Nossa Senhora, que adorna a capela local, diz que a representação da santa deixava o altar e aparecia no córrego todo mês de outubro. O paradeiro terminou quando a imagem foi pintada de preto, pois Nossa Senhora queria ter a cor do seu povo, os negros da Chapada.
“É uma emoção renovada a cada ano. É com se fosse sempre a primeira vez. A gente guarda o ano todo para pintar as casas e confeccionar roupas novas em homenagem à santa. O reconhecimento da nossa cultura fez com que pessoas de fora valorizassem o que é feito aqui. Além disso, o registro guardou o lugar dos Homens Pretos da Chapada na história”, acrescenta.
(Foto: Divulgação IEPHA)
Registro de bens imateriais
Em Minas Gerais, quem faz o registro de patrimônios culturais de todos os mineiros é o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG).