Belo Horizonte busca o reconhecimento da Unesco, enquanto Congonhas, Ouro Preto e Diamantina, que conquistaram o título no século passado, vivem entre benefícios e ameaças de degradação.
O novo ano será um marco na história das cidades mineiras reconhecidas como patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Em Congonhas, serão comemoradas de janeiro a dezembro, inclusive como tema do carnaval, três décadas do título concedido ao Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, enquanto Ouro Preto chega aos 35 e Diamantina, caçula do grupo, acaba de completar 15 anos e vai comandar, no período letivo, programa de educação patrimonial nas escolas. Belo Horizonte também quer ser “do mundo”, terá o dossiê sobre a Pampulha entregue à Unesco, em Paris (França), em fevereiro, e aguarda a visita de técnicos internacionais. Resposta só em 2016. Moradores se orgulham de viver em municípios tão especiais, pois a honraria abre portas, garante visibilidade e chama turismo, mas especialistas alertam ser preciso manter a preservação e zelar pelos monumentos, para que o nome na lista não se torne simples recordação.
Ouro Preto foi a primeira cidade brasileira a ser reconhecida pela Unesco e comemora 35 anos do título em 2015, mas ocupação irregular dos morros é ameaça não só à segurança das famílias como ao barroco – Foto: M & G Therin-Weise/Divulgação Unesco
No Brasil, há 19 sítios destacados pela Unesco – 12 na categoria patrimônio cultural e sete na de patrimônio natural –, sendo Minas o estado com maior número de bens inscritos. Ouro Preto, na Região Central, foi pioneira no país, mas, no início da década passada, esteve perto de perder o título de patrimônio da humanidade, ao se ver num torvelinho de destruição: dois casarões centenários sumiram do mapa, um arrasado pela chuva, no Largo da Alegria; outro pelo fogo, na Praça Tiradentes, e um caminhão sem freios destruiu parcialmente o Chafariz do Pilar, na Rua da Escadinha.
“Ouro Preto é cosmopolita, tem um passado forte. A cidade está viva, não é um museu, embora haja problemas do século 21 numa estrutura arquitetônica do século 18”, diz o maestro Rodrigo Toffolo, de 37 anos, regente da Orquestra Ouro Preto.
“Ser patrimônio da humanidade representa algo muito importante e fico pensando no futuro. Devemos ter mais investimentos na cultura para não depender da extração mineral, como ocorreu antes com o ouro e agora com o minério de ferro”, diz Toffolo. Na avaliação do maestro, os ouro-pretanos e universitários devem se orgulhar de viver numa cidade muito especial e fazer tudo para preservá-la.
Caminhar pelo município distante 95 quilômetros de BH significa mergulhar na história de mais de 300 anos. O grande entrave ao prazer do passeio, no entanto, é o trânsito, que entope as ruas e ladeiras de pedras e causa desconforto nos visitantes. O secretário municipal de Cultura e Patrimônio, José Alberto Pinheiro, considera a mobilidade o maior desafio a ser encarado nos próximos dois anos.
Pinheiro anuncia a construção de um grande receptivo turístico na entrada de Ouro Preto, na região denominada Jacuba, que permitirá aos visitantes deixar o carro ali e seguir rumo ao Centro Histórico em vans ou micro-ônibus. Outra iniciativa está na implantação de estacionamento com 600 vagas, na área central. Sobre o estacionamento, o secretário prefere não apontar o local, mas explica deverá ser no sistema de parceria público-privada (PPP). Ainda no Centro Histórico, basta olhar para o alto e ver outro desafio gigantesco, que é a ocupação dos morros, numa ameaça constante à segurança das famílias e poluição visual do cenário barroco.
Novo secretário de Estado da Cultura de Minas, Ângelo Oswaldo, resume bem o significado do título da Unesco: “Trata-se de uma chave que abre portas, mas deve ser usada e jamais deixada na gaveta”. Para ilustrar, ele cita frase de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), escrita com fina ironia. “Qualquer hora, Ouro Preto, se torna patrimônio interplanetário e seus problemas continuam os mesmos”.
Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, abriga obras de Aleijadinho, como o profeta Oséas: três décadas do título comemoradas de janeiro a dezembro, inclusive sendo tema de carnaval – Foto: M & G Therin-Weise/Divulgação Unesco
Centro de Cultura
Congonhas, a 89 quilômetros de BH, entra firme nas comemorações dos 30 anos de conquista do título da Unesco, diz o presidente da Fundação Municipal de Cultura, Lazer e Turismo (Fumcult), Sérgio Rodrigo Reis, ressaltando que, em 2014, foi lembrado o bicentenário de morte de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814), que tem obras-primas no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, como os 12 profetas e as 64 esculturas nas cinco capelas dos Passos da Paixão de Cristo. Em 2015, haverá ações de educação patrimonial (exposições, oficinas, palestras etc.), carnaval com o tema Patrimônio da Alegria e atividades para mostrar às pessoas que elas estão “num lugar especial”.
Um dos momentos mais esperados é a inauguração do Museu de Congonhas –Centro de Referência do Barroco e do Estudo da Pedra, parceria entre Unesco, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e prefeitura local. O custo do projeto lançado em 2002 é de R$ 20 milhões. “A cidade sempre foi um lugar de devoção, peregrinação, milagres, fé e arte. Além de ser um centro irradiador de cultura, o museu será importante para mostrar às pessoas o sítio histórico no qual Congonhas se situa”, diz Reis. Ele diz que o título de patrimônio da humanidade foi fundamental para o Centro de Referência do Barroco e do Estudo da Pedra se tornar realidade e anuncia novidades, como implantação pioneira, entre os sítios brasileiros, da sinalização interpretativa da Unesco (cores, símbolos e iconografia) para facilitar a vida dos visitantes.
“O maior desafio é conservar o patrimônio e valorizá-lo cada vez mais”, afirma o guia de turismo e dono de pousada Warley Pereira, de 39, “dos quais, 33 anos aqui”, diz enquanto abre os braços diante da praça da basílica e seus profetas de pedra-sabão.
Visibilidade à terra de Chica da Silva
O título de patrimônio da humanidade, conquistado há 15 anos, deu mais visibilidade a Diamantina, terra de Chica da Silva e do ex-prefeito de BH, governador de Minas e presidente da República Juscelino Kubitschek (1902-1976). Poucos meses antes da definição da Unesco, conforme mostrou o Estado de Minas, a cidade, chamada nos tempos coloniais de Arraial do Tijuco, era tomada por placas comerciais de todos os tipos, o que encobria a beleza dos prédios e monumentos. O historiador Erivaldo Mauro Nascimento de Jesus também se orgulha do título que a cidade ostenta, e proclama: “Diamantina é de todo o mundo”.
Entre os ganhos, Erivaldo diz que o destaque serviu para atrair mais estrangeiros, pois a cidade se tornou conhecida internacionalmente; criou oportunidade, no setor da gastronomia, para famílias de baixa renda; abriu portas para a chegada de verbas; e fortaleceu o patrimônio vivo, principalmente a música. Nesse aspecto, ele dá o exemplo da Vesperata, que surgiu com no calor da campanha para tornar Diamantina patrimônio da humanidade. Mesmo com os avanços, o historiador diz que o patrimônio edificado sofre com a falta de conservação, e cita os prédios da prefeitura e da câmara. Outras falhas, acrescenta o historiador, pode ser vistas pelos turistas. Um delas é a quantidade de buracos nas tradicionais pedras capistranas do Centro e placas de sinalização de trânsito, que poluem o Centro Histórico.
O secretário municipal de Cultura, Turismo e Patrimônio, Walter Cardoso França Júnior, anuncia um programa de educação patrimonial nas escolas tão logo comece o ano letivo. “Muitas vezes, o tombamento pelo Iphan ou reconhecimento pela Unesco não é bem compreendido pelas pessoas, por isso é fundamental trabalhar o tema. Todos devem se apropriar da cidade e senti-la como um bem deles”, afirma Júnior, lembrando que o crescimento do turismo foi notório nos últimos 15 anos, com maior oferta de leitos e serviços.
Em 2015, entram em cena a despoluição visual do Centro Histórico e mudanças na ocupação do espaço urbano e recuperação de 13 prédios com recursos federais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC das Cidades Históricas), incluindo o da prefeitura, Secretaria de Cultura, Clube Social da Praça de Esportes, projeto de Oscar Niemeyer (1907- 2012). Sobre as ruas, será feita uma oficina aberta de calceteiros, para formar mão de obra e trabalhar no restauro das vias públicas históricas.
Diamantina comemora 15 anos de reconhecimento como Patrimônio da Humanidade. Título deu mais visibilidade à terra de Chica da Silva e Juscelino Kubitschek – Foto: Leandro Neumann Ciuffo/Flickr
(Fonte: Jornal Estado de Minas)