Reservas ambientais ficam expostas à exploração predatória e à degradação

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Criação de unidades de conservação ignora quem já vive na região, não garante proteção ambiental e gera graves problemas sociais e econômicos. Em Minas, 70% das questões fundiárias em reservas estaduais estão pendentes

A natureza está muito mais ameaçada do que parece no Brasil. Às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado na quarta-feira, o Estado de Minas mostra que a criação de áreas de proteção ambiental em todo o território nacional está longe de defender a biodiversidade como deveria. O problema é que o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, aprovado pelo Congresso Nacional em 2000 e considerado uma verdadeira “oração” por ambientalistas, não saiu do papel.

Na prática, segundo o Ministério Público, o que se vê é a ausência de regularização fundiária e de planos de manejo na maior parte das áreas protegidas, além de intensos conflitos sociais entre os gestores das unidades de conservação e a população que vive dentro delas, que ainda não foi indenizada pela União ou pelo estado. Segundo o Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF), 70% das questões fundiárias existentes nas áreas de conservação integral estaduais ainda estão pendentes – 30% delas paradas na Justiça. Nas áreas federais, só para citar um exemplo, o Parque Nacional da Serra da Canastra, criado em 1972, conta com apenas 35% da área regularizada. E o mesmo ocorre em outras unidades de conservação federais país afora.

Enquanto isso, milhares de famílias posseiras ou proprietárias de terra estão encurraladas pelos parques e brigam com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – órgão ambiental do governo brasileiro criado em 2007 –, para manter sua tradicional produção rural e seu modo de vida, o que na maioria das vezes vai de encontro às leis ambientais. Além disso, as serras são invadidas por atividades ilegais como mineração ou são alvo de incêndios criminosos.

Segundo a Polícia Federal, no Parque Nacional Serra do Cipó (33,2 mil hectares) e no Parque Nacional Sempre-Vivas (124 mil hectares) há pelo menos 12 inquéritos policiais para apuração de diversos tipos de delitos. Já o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) tem um inquérito civil instaurado para cada unidade de conservação do estado.

Os problemas vão desde a ocorrência de incêndio de autoria ainda indefinida à existência de uma carvoeira em pleno funcionamento, além de desmatamento e queimadas. E também passam pela não transferência de recursos arrecadados como compensação ambiental para o seu destino original, afirma Carlos Eduardo Ferreira Pinto, promotor de Justiça e coordenador-geral das Promotorias de Defesa do Meio Ambiente do MPMG. “A criação dessas áreas, de modo geral, decorre das compensações ambientais que grandes empresas devem dar ao meio ambiente por conta dos danos causados pelas suas atividades produtivas. O problema é que, na prática, as dificuldades de fiscalização são imensas”, avalia o procurador da República de Montes Claros, André de Vasconcelos Dias.

Dessa maneira, surgem áreas de preservação ambiental que têm partes públicas e partes privadas, o que deixa os moradores desses locais encurralados. O diretor-geral do IEF em Minas, Bertholdino Apolônio Teixeira Júnior, diz que uma das maiores dificuldades na gestão das unidades de conservação é promover a gestão territorial da áreas protegidas, principalmente por causa do não pagamento de indenização aos moradores. Além de rios de dinheiro, a regularização fundiária envolve documentação, posse de terrenos, cartórios e a Justiça, o que complica a situação dos moradores, em geral gente humilde e pouco escolarizada.

“É necessário um pacto federal e estadual para resolver não só os problemas fundiários dos parques, mas os de todo o país. Quando isso ocorrer, a gestão das unidades de conservação vai melhorar bastante”, acredita. Enquanto isso, de um lado, a população “atingida” pelas áreas de proteção ambiental reclama que não pode ganhar a vida no local onde nasceu, como faziam seus tataravós, bisavós, avós e pais.

Aparecida e José não têm mais poder sobre suas terras – Foto: Beto Novaes / Estado de Minas

SEM PLANTAR

Uma casinha inscrustada dentro do Parque Nacional da Serra do Cipó, que chama a atenção pela limpeza e pelo pequeno tamanho dos cômodos, é um exemplo disso. Na cozinha de chão batido, as duas janelas quadradas, com laterais do tamanho de uma régua escolar, estão inteiramente fora de compasso. No canto da parede, perto do fogão a lenha, um pouco de fuligem espera pelo capricho dos donos, que não deixam sequer uma folha caída no chão do terreiro. Eles são José Ferreira Silva, de 57 anos, e Aparecida Terezinha de Souza, de 55. A renda da pequena propriedade é de cerca de R$ 300 mensais, dinheiro da venda de bananas. Não dá para plantar mais nada ali nem para diversificar a atividade rural.

Apesar de ser dono da terra, Silva já não tem poder de mando sobre ela e, por isso, é obrigado a complementar sua renda com serviços eventuais ou doações. Essa realidade se repete em comunidades tradicionais e quilombolas, que vivem em terrenos fincados em unidades de conservação integrais como parques nacionais, estações ecológicas, reservas biológicas, monumentos naturais, entre outras. Mexe também com a vida de centenas de milhares de pequenos produtores rurais e de proprietários de terra em todo o país.

Mapa mostra as principais unidades de conservação integral em Minas – Arte: Estado de Minas

(Fonte: Jornal Estado de Minas)

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