Operação Salve o Jequitinhonha freia degradação ambiental

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A operação que encerrou as atividades do garimpo mecanizado no leito e às margens do Rio Jequitinhonha na região de Areinha, no Vale do Jequitinhonha, interrompeu uma série de crimes ambientais. São infrações flagradas não só pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e pela Polícia Militar (PMMG), parceiras nas fiscalizações, mas também pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público. 

Todos esses órgãos possuem registros da degradação praticada no rio e, por isso, reforçam a importância da Operação Salve o Jequitinhonha, como forma de resgatar o curso d’água para a população que depende do manancial e de preservar o meio ambiente, que já dá alguns sinais de recuperação sem a atividade garimpeira. 

Levantamentos feitos a partir das investigações da Polícia Federal, que culminaram na operação, em abril de 2019, mostram que o garimpo com máquinas pesadas no Rio Jequitinhonha chegou a movimentar entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões por mês com a retirada de diamantes em Areinha e nas áreas próximas. A apuração foi mais um sinal da necessidade de atuação do poder público para barrar as agressões ao meio ambiente. Ao todo, cerca de 400 agentes públicos, entre policiais federais e militares e fiscais da Semad, participaram do processo.

Hoje, segue a sequência de reportagens – feita por uma equipe da Assessoria de Comunicação do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) – que começou a ser publicada na quarta-feira (3/6), para marcar a semana em que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente.

Infrações

No dia em que a operação foi lançada, em 2/4/2019, a Semad lavrou 22 autos, em que foram descritas 47 infrações contra cinco envolvidos no garimpo ilegal, conforme investigação da PF. As infrações somam mais de R$ 2 milhões em multas, que demonstram o tamanho da degradação encerrada. Entre elas, estão suprimir vegetação em Área de Preservação Permanente (APP), minerar em APP, dragar o leito do rio para fins de extração mineral sem outorga, lançar efluentes e gerar acúmulo de sedimentos no manancial, resultando no assoreamento do curso d’água. 

Na avaliação do superintendente de Fiscalização da Semad, Flávio Augusto Aquino, as constatações a partir dos autos de infração respaldam a atuação do poder público para cessar as agressões. “A gente não combate a atividade garimpeira em si. Combatemos a forma como ela era executada nesse local, de modo ilegal e irregular, sem qualquer medida de controle para minimização ou compensação dos impactos. A situação flagrada pela fiscalização demonstra que só uma ação enérgica e robusta poderia interromper as agressões que estavam sendo praticadas no local”, afirma. 

Descumprimento de TAC

Também existem outros registros de desrespeitos ao meio ambiente identificados pelo poder público no histórico da atividade garimpeira na região. Segundo a Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram) Jequitinhonha, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com a Cooperativa Regional Garimpeira de Diamantina (Coopergadi) não foi renovado justamente em razão do descumprimento de uma série de condicionantes previstas no documento. 

A cooperativa é detentora de Permissão de Lavra Garimpeira de parte da área denominada Areinha. Embora tenha manifestado a intenção de regularizar a atividade dentro das normas ambientais, o relatório da Supram mostra que de 24 condicionantes estabelecidas, 21 foram descumpridas, duas foram cumpridas fora do prazo e apenas uma foi cumprida conforme o previsto no TAC.

Um dos descumprimentos foi manter máquinas atuando em uma área a menos de 100 metros do leito do rio. A Lei 15.082, de 2004, trata o Rio Jequitinhonha, desde sua nascente até a confluência com o Rio Tabatinga, como manancial de preservação permanente. Essa norma proíbe o revolvimento de sedimentos para a lavra de recursos minerais em uma área que vai da margem a até 100 metros de distância em ambas as margens.

Ações judiciais

Além do descumprimento do TAC com a Semad, também há registro de problemas por parte da cooperativa com o Ministério Público (MP), segundo o promotor de Justiça Luiz Gustavo Bortoncello, que coordena as Promotorias de Justiça do Meio Ambiente das Bacias dos Rios Jequitinhonha e Mucuri. Segundo Bortoncello, foi assinado um TAC entre a cooperativa e o MP em que as principais obrigações dos garimpeiros cooperados eram recuperar as áreas degradadas, regularizar a atividade junto à Agência Nacional de Mineração (ANM), realizar o licenciamento ambiental, fazer o cadastro dos garimpeiros e delimitar a área de operação de cada um.

De acordo com o promotor, nenhuma dessas exigências foi cumprida, o que gerou duas ações judiciais impetradas pelo MP. Uma das ações obriga a recuperação da área degradada e a outra solicita a execução da multa estipulada no TAC. “É de extrema satisfação saber que a operação fez cessar uma das atividades mais danosas ao meio ambiente em todo o estado. A natureza da região é tão rica e tão forte que a recuperação é visível e comprovada pelos órgãos ambientais. As atividades de inteligência e a destruição do maquinário utilizado foram fundamentais para que o garimpo ficasse impedido até hoje”, acrescenta. 

Para o chefe da Divisão de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico da Polícia Federal em Minas, Luiz Augusto Pessoa Nogueira, que coordenou a operação, inutilizar o maquinário pesado foi o grande diferencial que permitiu colher os resultados que estão sendo verificados hoje, especialmente a melhoria da qualidade da água. Entre bombas de sucção, bicas, dragas/balsas, tratores/escavadeiras, caminhões, e outros veículos, foram 106 unidades destruídas, todas com aval da Justiça. “A gente tenta orientar, mas é só quando mexe no bolso que os envolvidos na atividade entendem”, afirma o delegado.

Areinha renasce

Pouco mais de um ano depois, a imagem marcada por água barrenta e máquinas devastando barrancos e dragando o fundo do leito do Jequitinhonha deu lugar a um cenário completamente diferente. A cor da água mudou e está muito mais clara em vários pontos. A interrupção das dragagens que revolviam o leito do rio contribuiu para manter uma água com turbidez bem menor a jusante do garimpo.

No primeiro ponto analisado pelo Igam, que fica a 70 quilômetros da área mais devastada, a turbidez média reduziu 87%. “A água do rio está mais própria para um uso residencial, seja para irrigação de plantações, para tomar banho ou lavar vasilhas. Ela não tem um padrão de potabilidade para se consumir diretamente, sem tratamento, mas hoje está muito mais adequada”, pontua o superintendente de Fiscalização da Semad, Flávio Aquino. 

Outra situação que já demonstra pequenos avanços é a da vegetação removida pelo garimpo. “Esse é um processo mais lento. Mas o movimento já começou: podemos perceber que já existe um padrão de revegetação de gramíneas que cobre praticamente todo o solo. Isso nos mostra que a área ainda tem capacidade de se recuperar sozinha”, acrescenta o superintendente. Apesar dos sinais de regeneração dos terrenos, os autos de infração serão encaminhados ao Ministério Público pela Semad para requerer judicialmente que os responsáveis pela destruição tomem medidas para acelerar o processo de recuperação.

O movimento intenso de garimpeiros quando Areinha concentrava cerca de mil trabalhadores, atraiu Arlindo da Paixão Ribeiro, de 44 anos. Depois que a fiscalização retirou as máquinas e impediu a atividade de continuar promovendo a degradação do meio ambiente, ele se transformou em um ribeirinho, morando nas margens do rio com a família. Segundo ele, hoje o sustento vem da água que deixou de ser barrenta. “Melhorou bastante, porque o rio ficou limpinho. Antigamente ele ficava com muito barro, era sujo. Eu vim trabalhar no garimpo, mas, como não deu certo, agora estou mexendo mais na roça. Planto banana, cana, feijão. E nós ainda usamos a água para lavar vasilha, alguma roupa”, relata o morador, que ainda aproveita o rio como lazer para as crianças, que tomam banho com frequência no leito do Jequitinhonha. 

Retorno de peixes

O garimpo mecanizado acelerado no leito e nas margens do rio fez sumir os peixes, de acordo com o integrante do movimento Salve o Jequitinhonha e do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Jequitinhonha, Ari Fabiano Queiroga. Um vídeo gravado em outubro de 2018 em uma área de Terra Branca, distrito de Bocaiúva, mostra vários peixes mortos descendo em meio à água barrenta que tomava conta do rio. “Essa situação passou a ser comum na região naquela época”, diz Ari.

De fato, um padrão elevado de turbidez traz condições precárias para a sobrevivência de peixes, segundo o professor Marcelo Mattos Pedreira, coordenador do Laboratório de Aquicultura e Ecologia Aquática da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). “A turbidez evita a entrada de luz na comunidade aquática e impede a fotossíntese, que é a base da cadeia primária. A argila em suspensão retira nutrientes de microalgas na coluna de água, tornando o ambiente mais pobre. Além disso, o aumento da turbidez altera a temperatura do ambiente como um todo, que passa a ficar mais frio. E as partículas em suspensão podem entupir brânquias de peixes”, avalia.

Ainda segundo o professor, com a redução drástica da turbidez pós-garimpo, o resultado foi o retorno da fauna aquática, observado por moradores de Terra Branca e de outras localidades. “Não só a qualidade da água melhorou como também a quantidade e a saúde dos peixes, que fazem parte da dieta de muitos moradores ribeirinhos. Inclusive, algumas espécies que não víamos há muitos anos na região voltaram a ser encontradas no rio”, confirma o integrante do movimento Salve o Jequitinhonha, Ari Fabiano Queiroga. 

No mesmo ponto de Terra Branca, onde os peixes boiavam mortos em 2018, Claudieri Aparecido Vieira, de 37 anos, que trabalha com construção civil, pescava com a esposa e a filha há pouco mais de uma semana e comemorava a presença de peixes no local. “Antes isso aqui era um verdadeiro estado de calamidade. Muita gente vive de pesca. As pessoas pescam para comprar outras coisas para dentro de casa. Na hora que a água limpou ficou uma maravilha. Peixes que a gente nem sabia que tinha nesse rio apareceram, já pegaram até surubim”, diz.

Outro lado

Citada como responsável por descumprir condicionantes estipuladas nos TACs com a Semad e com o Ministério Público, a Coopergadi respondeu, em nota, que detectou invasores que garimpavam abaixo da área que a cooperativa detém o direito de exploração e que sua região de atuação não foi o alvo da Operação Salve o Jequitinhonha, mas sim uma área conhecida como “Terreno da Família Freitas”. 

A cooperativa destacou que, para garantir o respeito ao meio ambiente, orienta os cooperados e tem como objetivo a preservação e recuperação ambiental. Em relação à água, a cooperativa informou que mantinha circuito de operação fechado, onde a água usada era destinada a tanques de decantação que a filtravam e faziam com que a água do rio continuasse limpa e potável. “Todavia, entre a área da cooperativa e a as comunidades e cidades abaixo existia uma área de garimpagem irregular por invasores, e esta sim acabava por jogar água turva no leito do rio fazendo com que o recurso se tornasse impróprio para consumo”, diz a nota enviada. 

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