Berço do Bolsa Família, cidade de Itinga ainda caminha para espantar a pobreza

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Em janeiro de 2003, dez dias depois de tomar posse, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado por 29 ministros e pelo então governador Aécio Neves (PSDB), desembarcou em Itinga, cidade de 14 mil habitantes no Vale do Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais, depois de passar por Pernambuco e Piauí. Os objetivos da chamada Caravana da Miséria eram dar um “banho de realidade” nos ministros e anunciar o programa Fome Zero, que meses depois, após ajustes, seria rebatizado como Bolsa Família.

Na ocasião, Lula prometeu “o maior esforço já feito por um governo” para garantir cidadania aos moradores da região. Passados dez anos muita coisa melhorou em Itinga, em boa parte graças às ações do governo federal. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) subiu de 0,440 (muito baixo) em 2003 para 0,600 (médio) em 2010. A renda líquida per capta aumentou de R$ 660 para R$ 1.010 (65%). O PIB cresceu 179% em oito anos.

As casas estão mais bem cuidadas, com pintura e telhados novos, inclusive nos bairros mais pobres, e podem ser vistas muitas obras em andamento na cidade. O número de estabelecimentos comerciais aumentou, assim como a variedade e qualidade dos itens nas prateleiras. A frota de veículos quadruplicou graças à ponte Presidente Lula, inaugurada pelo próprio em 2004, que serviu para unir a cidade antes dividida ao meio pelo rio Jequitinhonha.

Após a passagem de Lula, Itinga ganhou notoriedade nacional e foi alvo das ações positivas de diversos grupos e entidades que aderiram imediatamente à proposta de erradicação da fome lançada pelo ex-presidente. A Vale do Rio Doce bancou a construção da ponte que, por sua vez, viabilizou a chegada de quatro empresas para extração de granito. A prefeitura de Diadema (SP) adotou Itinga enviando máquinas e treinando gestores. A Confederação Israelita do Brasil (Conib) e o hospital Albert Einstein firmaram convênios na área de saúde. No rastro do Bolsa Família chegaram outros programas federais como Pronatec, PETI, Travessia e Projovem.

“Sem dúvida, o Bolsa Família ajudou a aquecer a economia da cidade, aumentou o comércio e indiretamente ajudou a criar empregos”, diz o secretário municipal de governo, Marcos Elias.

Uma década depois

Itinga conta hoje com 2.072 famílias, cerca de seis mil pessoas, beneficiadas com R$ 104,80, em média, do Bolsa Família. O número, 43% dos 14 mil moradores da cidade, representa metade das 4.150 famílias cadastradas. Ou seja, mais de 80% dos moradores de Itinga solicitaram o benefício.

“O efeito principal do programa foi dar autonomia às famílias. O pessoal já não precisa sair de Itinga para trabalhar no corte de cana, que era a maior fonte de renda da população. Já não se vê criança nas ruas porque o estudo é uma condicionante”, diz Débora Ramalho, uma das gestoras do Bolsa Família em Itinga. “Mas tem muita gente que ficou totalmente dependente do benefício. Algumas famílias não desenvolvem nenhuma outra atividade e se acomodaram”, avalia. “Muita gente tem medo de arrumar emprego, perder o Bolsa Família e depois ser demitido”, diz Greise Pinheiro Murta, também gestora.

Mais que a “acomodação” ou o “medo de arrumar emprego”, há questões palpáveis que impedem Itinga de caminhar mais rapidamente na direção da prosperidade. A parceria com a Conib, por exemplo, expirou. O convênio com Diadema foi cancelado. E o principal: a falta de vagas no mercado de trabalho. “As mineradoras que chegaram para explorar granito trazem toda a mão-de-obra especializada de fora. Aqui na cidade só pegam gente para o braçal”, diz Marcos Elias.

“Meu marido é pedreiro, mas não encontra serviço aqui e precisa fazer bicos na rua. Trabalha um dia sim, outro não”, diz Alessandra Cardoso Oliveira, 32 anos, dois filhos, que recebe R$ 102 por mês do Bolsa Família.

Em 2003, a mãe dela, dona Rosalina, recebeu Lula e seus ministros na casa simples da família no bairro Mutirão. O ex-presidente, encharcado de suor e lágrimas, se deixou fotografar na janela da casa e prometeu mudanças. “Aquela visita deu esperança, Gilberto Gil (então ministro da Cultura) chegou a usar o banheiro da casa da minha sogra. Mas não mudou nada”, afirma Alessandra.

Para fugir do desemprego, muitos homens de Itinga deixam a cidade para trabalhar na construção civil em grandes cidades como Belo Horizonte. “Meu marido trabalha de peão em Belo Horizonte. Ele não vê os filhos há sete meses”, relata Sarajane Pessoa, 24 anos, que recebe R$ 272 por mês do governo federal.

Há ainda problemas pontuais da gestão municipal que geram respingos no governo federal. Para Mário Gusmão, assessor especial do prefeito de Itinga, ex-líder do PT local e cicerone de Lula em suas passagens pela cidade, “o governo (federal) tinha é que educar o povo a usar o benefício porque quem mais tem lucrado são comerciantes.” “Conheço gente que recebe o benefício, mas ainda vive na miséria. Eles não sabem que é possível comprar R$ 5 ou R$ 10 de cada vez e nem quanto tem na conta. Muitas vezes o cartão fica na mão de comerciantes”, acusa.

Panela no fogo

A rotina de Itinga mostra que, para a maior parte dos beneficiados, o dinheiro do Bolsa Família representa uma boa ajuda no orçamento. “Recebo R$ 140. Com isso não dá para botar comida na mesa. Tem que trabalhar”, diz a artesã Evangelina Martins de Souza, 55 anos.

Ela vive com os quatro filhos em Pasmadinho, vilarejo simples a 15km do centro de Itinga. Vende panelas feitas à mão por preços entre R$ 1 e R$ 5 e nunca teve renda fixa antes do Bolsa Família. “Não dá para melhorar de vida, mas garante a feira. Agradeço a Deus por este dinheiro. Antes disso tinha gente aqui que não botava a panela no fogo.”

Apesar da prosperidade visível, Itinga ainda luta para afastar o estigma de capital da miséria. Em 2010, a cidade ganhou o incômodo título de pior cidade de Minas Gerais para se viver em um levantamento feito pela Fundação João Pinheiro, do governo estadual.

“Quem diz que é o pior lugar de Minas para viver deveria morar aqui um tempo. Itinga tem dificuldades? Tem. Mas já rodei esse Brasil como caminhoneiro e é a melhor cidade para se viver. Durmo com a porta aberta. No domingo acordo com um monte de gente dentro de casa. Entram e deixam o café pronto. Uma cunhada que vive em Belo Horizonte diz que somos privilegiados”, diz Mário Gusmão. Um bom resumo de um local que tem muito a evoluir, mas parece ter deixado para lá da ponte um passado calcado, quase todo, na aridez.

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Fonte: IG – Ricardo Galhardo

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