Lideranças indígenas cobram melhoria na saúde em Itacarambi

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Não basta devolver as terras às nações indígenas, reparando uma dívida histórica. É preciso garantir as condições mínimas de sobrevivência nesses territórios, entre elas o atendimento digno em saúde. Essa foi a principal reclamação das lideranças indígenas da Nação Xacriabá na Comunidade de Vargem Grande, na zona rural de Itacarambi (Norte de Minas), em audiência pública conjunta realizada nesta sexta-feira (4/9/15) pelas Comissões de Saúde e de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

O salão do Clube Social de Vargem Grande ficou lotado com representantes das 35 aldeias da região, que com as aldeias situadas na cidade vizinha de São João das Missões, congrega cerca de 10,5 mil índios xacriabás. Em Vargem Grande vivem aproximadamente 270 famílias. O pequeno povoado conta apenas com um posto de saúde, que, segundo informações dos moradores, dispõe apenas de um agente de saúde fixo, embora sejam destinados ao município cerca de R$ 720 mil por ano pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão ligado ao Ministério da Saúde.

As aldeias situadas em São João das Missões já dispõem dessa estrutura de saúde, com médico, dentista, enfermeiro, técnico de enfermagem e agentes de saúde fixos no centros de saúde de cada uma delas, custeados com o mesmo tipo de verba da Sesai. Em Vargem Grande, quando há uma emergência médica, o jeito é percorrer os cerca de 30 quilômetros de estrada de terra até a sede de Itacarambi. Os índios reclamam que os recursos específicos de saúde indígena estão sendo diluídos na rede de atendimento público do município, o que seria ilegal, e, quando buscam o serviço na cidade, ainda são vítimas de preconceito.

De acordo com suas lideranças, a diferença no tratamento dos indígenas entre São João das Missões e Itacarambi se explica em parte pelo fato de, na primeira, os índios serem 74% do eleitorado, enquanto na segunda são apenas 800 eleitores. O cacique João Batista dos Santos, o “João de Jovina”, da aldeia de Vargem Grande/Caraíbas, acusa inclusive a atual administração municipal de incitar os moradores de Itacarambi contra os indígenas, sobretudo após a ocupação, há dois anos, de seis fazendas no entorno do povoado, situadas no que já teria sido reconhecido na Justiça como parte da reserva indígena. Essa ocupação, em 1º de setembro de 2013, ficou conhecida entre os índios como o Dia da Retomada, data agora que é comemorada anualmente.

Lideranças indígenas cobram melhoria na saúde em Itacarambi – Pollyanna Maliniak / ALMG

“Lá em Itacarambi os políticos gostam de dizer que queremos tomar conta da cidade, ainda mais depois da retomada. O que o índio quer com a cidade? Nada. Queremos é viver bem na nossa terra. Nós não somos invasores, mas conhecemos os nossos direitos. Os fazendeiros acabam com tudo, enquanto nós queremos garantir a sustentabilidade das nossas próximas gerações”, afirmou João de Jovina, que promete responsabilizar a Prefeitura de Itacarambi por qualquer incidente que venha a ocorrer no futuro, temendo inclusive a escalada da tensão e novos atentados contra indígenas. Quando precisam se deslocar para Itacarambi, os índios, por precaução, já procuram andar em grupos.

Chacina – O clima hostil não é novidade para os índios que vivem na região. Em 1987, cinco índios, entre eles o cacique Rosalino Gomes, foram mortos por pistoleiros em São João das Missões, como resposta às reivindicações que a região fosse reconhecida como terra indígena. A repercussão do crime acabou ajudando que esse direito fosse reconhecido, embora até hoje os índios ainda aguardem a regulamentação do território. Agora, o maior temor entre os xacriabás de Itacarambi é de que suas reivindicações, dessa vez por melhores condições de vida, como acesso à saúde, acabem sendo o estopim de novas represálias.

O cacique Santos Caetano Barbosa, da aldeia do Morro Vermelho, traçou um paralelo entre a escalada de tensões que precederam a chacina e a relação desgastada dos indígenas com as lideranças de Itacarambi. “Nossa terra é nossa vida. A situação de agora lembra a que terminou com a chacina. Os índios não querem mais derramamento de sangue. É uma história triste que não queremos que se repita”, clamou.

Oração em homenagem à terra e pela paz

Para tentar amenizar o clima de tensão presente nas aldeias indígenas de Itacarambi, a audiência pública começou com um momento lúdico. Um grupo de índios abriu a reunião com uma oração, na forma de canções e danças típicas, em homenagem à terra que, na concepção dos xacriabás, é a mãe de todos os índios. Na sequência, reforçando a importância de preservar a paz, o presidente da Comissão de Saúde, deputado Arlen Santiago, lembrou que a Assembleia de Minas sempre estará presente na região para intermediar conflitos e apoiar os indígenas em suas reivindicações.

“Que não seja necessário derramar novamente o sangue dos índios para fazer valer os direitos dos xacriabás. Essa é uma luta antiga e cabe à Assembleia contribuir para que as autoridades prestem atenção à causa indígena. Mas que fique bem claro que não negociamos os direitos indígenas, e o caso dos xacriabás não é diferente. Além da terra para viver, eles também merecem o atendimento de saúde de qualidade e também moradia digna”, apontou o parlamentar.

Já o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Cristiano Silveira (PT), garantiu a continuidade, sob seu comando, do papel decisivo desempenhado pela comissão no respeito às causas indígenas, historicamente desfavorecidas. “O que os índios querem é viver bem e em paz. Nossa luta na Assembleia é para que vocês também tenham voz, pois paz sem voz é medo, como diz a música. A morte do Rosalino não foi em vão. Ainda há muito por fazer, mas tenho certeza de que a situação hoje é melhor do que naquela época. Vamos seguir nessa luta”, destacou.

Ele recomendou ainda que qualquer incidente envolvendo os indígenas seja registrado, com boletim de ocorrência, para que a Comissão de Direitos Humanos possa monitorar e cobrar providências.

O deputado Ricardo Faria (PCdoB), que é médico, disse estar orgulhoso de participar da audiência conjunta. “É uma honra celebrar uma data histórica para todos os índios da região, em virtude dos dois anos da retomada das suas terras. Essa reunião está sendo hoje uma aula de cidadania. Também serei, a partir de agora, um defensor da causa indígena na Assembleia de Minas. Que a Mãe Terra nos abençoe neste trabalho”, afirmou.

Intolerância já motivou chacina em São João das Missões

O ex-prefeito de São João das Missões, José Nunes, sabe bem o que pode resultar desse clima de intolerância. Ele é filho do cacique Rosalino, assassinado por pistoleiros no município em 1987. “Não basta ter o território; é preciso ter o necessário para sobreviver nele. Na época em que o meu pai foi morto, éramos três mil; agora somos mais de dez mil”, apontou.

“Falta ao governo fazer funcionar pelo menos o que já existe no papel. Quem defende os direitos dos indígenas ainda é minoria, mas não vamos nos render. Não dá para devolver todo o território brasileiro aos índios, mas, pelo menos, o suficiente para garantir nossa sobrevivência”, disse José Nunes de Oliveira.

Já o atual prefeito de São João das Missões, Marcelo Pereira de Souza, que também é indígena, apesar de comemorar os dois anos da retomada das terras xacriabás, lamentou o clima de intolerância no município vizinho. “Quem acompanha o movimento indígena sabe o quanto nossos direitos estão sendo ameaçados. Mais do que nunca, precisamos da união de todos para continuar essa luta”, advertiu.

“O hospital de Itacarambi já recebeu mais de R$ 2 milhões da Sesai e não atende bem os indígenas. Mas não é só isso. Em toda a região, as escolas nas aldeias ainda esperam uma simples ligação de energia elétrica da Cemig, que não é atendida”, exemplificou o prefeito.

O presidente da Câmara Municipal de Itacarambi, Dimas Brasileiro Alkmin, reconheceu o clima de tensão. Um reflexo disso é o afastamento dos indígenas da sede da cidade, o que já vem sendo sentido inclusive pelos comerciantes de Itacarambi. Mas, segundo ele, a atitude de algumas poucas pessoas não pode ofuscar o respeito da população de Itacarambi com os indígenas. “Estou indignado. Não vamos deixar que aquela vergonha do passado se repita. A Câmara Municipal está à disposição para ajudar”, garantiu.

Polícia Militar – O comandante do 30º Batalhão da Polícia Militar, major Paulo Sérgio de Souza, responsável pelo policiamento em 24 municípios da região, prometeu empenho da corporação. “A Polícia Militar vai intervir no que for necessário para garantir a paz social. Apesar de nossas deficiências logísticas, não vamos tolerar ofensas aos direitos humanos. O batalhão está de portas abertas para toda a comunidade indígena”, lembrou.

O padre Gilsônio Rodrigues Coutinho, da Paróquia São João Batista, em São João das Missões, também conclamou os presentes a fazer uma opção pela paz. “É um dever lutar por justiça, mas esta luta deve ser pacífica. Esta também é a missão da igreja: promover a união entre os povos. Terra e água são bens da criação e todos têm direitos sobre eles. Deus os criou e os colocou aqui e ninguém pode morrer por causa deles”, destacou.

Profissionais de saúde reforçam críticas

A presidente do Conselho de Saúde de Vargem Grande, a técnica de enfermagem Áurea Cristina da Silva, fez duras críticas ao atendimento público de saúde em Itacarambi, sobretudo quando quem busca por ele é um índio, em comparação com o serviço prestado em São João das Missões. “Eles não fazem nada por nós. Veja a diferença de atendimento entre os dois municípios”, afirmou.

“Temos mulheres grávidas com pressão alta que nunca conseguiram uma consulta com um médico em Itacarambi. Eu sei as obrigações do município na saúde, e eles não estão cumprindo com seus deveres. Peço a todos que aprendam a lutar pelos seus direitos e não se deixem mais enganar”, completou.

A médica Nívea Maria de Oliveira, da equipe de saúde contratada pela Sesai para atuar em São João das Missões, já trabalhou em Itacarambi e reforçou a diferença no atendimento em saúde entre os dois municípios, que ficam evidentes quando quem o procura é um índio.

“É uma luta justa da comunidade pelo que ela tem direito. Está na Constituição. E não basta a equipe de saúde estar presente aqui; precisamos de estrutura para atuar na prevenção. Não dá para um médico vir aqui a cada 15 dias ou uma vez por mês. Doença não escolhe dia. Vocês não estão lutando por nada além do que já têm direito”, reforçou.

O coordenador do Polo Base II da Sesai, Ronaldo Veríssimo Almeida, agradeceu o apoio da Prefeitura de São João das Missões na garantia da saúde indígena. “Pedimos a intervenção da Câmara Municipal para que essa parceria também aconteça em Itacarambi. O município recebe R$ 60 mil por mês para prestar esse serviço, que, com certeza, pode melhorar”, concluiu.

Lideranças indígenas cobram melhoria na saúde em Itacarambi – Pollyanna Maliniak / ALMG

Lideranças indígenas cobram melhoria na saúde em Itacarambi – Pollyanna Maliniak / ALMG

Lideranças indígenas cobram melhoria na saúde em Itacarambi – Pollyanna Maliniak / ALMG

Lideranças indígenas cobram melhoria na saúde em Itacarambi – Pollyanna Maliniak / ALMG

Lideranças indígenas cobram melhoria na saúde em Itacarambi – Pollyanna Maliniak / ALMG

(Fonte: ALMG)

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