Se Minas Gerais fosse um país, ocuparia o sétimo lugar no mundo no ranking de homicídios de mulheres. Em 2013, o Estado registrou 4,2 mortes para cada grupo de 100 mil mulheres, índice pouco menor que a média nacional, de 4,8, que coloca o Brasil no 5º lugar na escala mundial. Dados alarmantes sobre essa realidade foram apresentados nesta quarta-feira (2/3/16), na abertura do Ciclo de Debates Dia Internacional da Mulher – Mulheres contra a Violência: Autonomia, Reconhecimento e Participação, realizado no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Os debates prosseguem nesta quinta-feira (3/3).
O Mapa da Violência 2015, com as estatísticas dos homicídios de mulheres no Brasil, foi apresentado pelo professor Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). O documento é amplo, usa informações oficiais de várias fontes e revela, segundo o professor, uma “carnificina”, com dados inaceitáveis. “A epidemia de dengue não mata um décimo do que mata a violência. Mas não há a mesma mobilização e nem orçamento para conter isso”, comparou.
De acordo com o levantamento, Minas Gerais também reagiu de forma diferente à de muitos estados após a sanção da Lei Federal 11.340, de 2006, a Lei Maria da Penha. No Sudeste, por exemplo, todas as demais unidades da federação registraram quedas maiores de 10% nas taxas de homicídio, enquanto em Minas, a taxa subiu quase 6% entre 2006 e 2013. Na série histórica ampliada, porém, Minas deixa a 15ª posição, em 2003, para ocupar a 22ª em 2013 no ranking da violência, mesmo com crescimento do índice de homicídios. “Outros estados tiveram altas ainda maiores”, observa Julio Waiselfisz.
Belo Horizonte registrou, em 2013, taxa de homicídios maior que a média do Estado. Mas o professor observa que os índices na Capital vêm caindo na série histórica – como em todo o Sudeste –, revelando uma interiorização da violência. Entre os municípios mineiros, há um destaque negativo para Buritizeiro, no Norte de Minas, que aparece entre os dez com maior taxa de homicídios no Brasil. Foram considerados municípios com mais de 10 mil mulheres. O ranking de Minas tem, na sequência, Conceição das Alagoas e São Joaquim de Bicas.
Deputadas e demais participantes ressaltaram a campanha #NãoSeCale, adotado em 2016 para convocar todos a lutarem pelo fim da violência contra a mulher – Foto: Sarah Torres / ALMG
Violência é maior entre mulheres negras
O Mapa da Violência 2015 traz também informações detalhadas por raça e revele uma violência ainda maior contra as negras. Em todo o País, a taxa de homicídios contra brancas caiu 11,9% entre 2003 e 2013, mas o mesmo índice para negras aumentou 19,5%. Em Minas, a situação se repete, com queda de 2,1% para homicídios de mulheres brancas e elevação de 9,6% para negras. “A polícia está nos bairros abastados, predominantemente brancos, que também têm segurança privada”, observa o pesquisador Julio Waiselfisz.
Vanessa Beco, do Coletivo Negras Ativas, também abordou a violência racial em um painel específico. Ela listou três pontos de atenção, que são as violências que persistem, o descomprometimento social e as resistências encontradas nessa luta. “As mulheres negras são a maioria das vítimas. É preciso pensar nisso todo o tempo quando discutimos a violência”, afirmou. Vanessa falou sobre a violência institucionalizada, na forma de racismo, e citou como exemplo a carga até cinco vezes menor de anestesia aplicada às negras no serviço de saúde para os partos e cirurgias.
“Tivemos avanços com a lei das domésticas. Mas ainda temos maioria de negras nesse lugar de subalternidade, pouco reconhecido socialmente”, completou. A palestrante citou dados preliminares de uma pesquisa publicada em 2015 que aponta a existência de milhares de crianças e adolescentes exploradas no trabalho doméstico no Brasil, em uma situação de vulnerabilidade e com atraso nos estudos, entre outras questões. “Não há cumplicidade e solidariedade de outras mulheres em relação ao que as mulheres negras enfrentam”, completou.
Para Julio Waiselfisz, todos esses dados colocam em dúvida não as políticas do Estado, mas a suficiência delas. “Há pouca avaliação das políticas realizadas. Estamos fazendo muita coisa no escuro, porque temos dados fajutos. E não adotamos medidas para ter a clareza”, definiu.
Conselho – Durante a reunião, a subsecretária de Políticas para as Mulheres da Secretaria de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania, Larissa Amorim Borges, anunciou a reconstituição, pelo Governo de Minas, do Conselho Estadual de Políticas para Mulheres. “O governo tem considerado as mulheres em sua diversidade, nos diferentes espaços e com vivências distintas”, salientou, acrescentando que todas políticas nessa área estão sendo construídas coletivamente. Larissa citou também a participação do Executivo em quase 500 ações relativas às mulheres neste mês de março, em mais de 200 municípios.
Participantes cobram aprovação da PEC 16/15
Uma grande mobilização em prol da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 16/15 na ALMG foi incentivada durante o evento. A PEC garante a presença de pelo menos uma mulher na Mesa da Assembleia. A coordenadora da Rede Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, Ermelinda Ireno Melo, afirmou que esse deve ser o foco dos movimentos para este mês de março. “Ainda há resistências porque estamos mexendo com as relações de poder nesta Casa. Eu acredito na responsabilidade e sensibilidade dos deputados, mas acredito mais na nossa organização e mobilização para pressioná-los”, conclamou.
“A PEC é importante para marcar nosso espaço na Mesa”, afirmou também a deputada Rosângela Reis (Pros), presidente da Comissão Extraordinária das Mulheres e coordenadora do debate. Ela lembrou que o Brasil ocupa a 131ª posição no mundo e a última na América Latina em relação à presença de mulheres nos Parlamentos. Já a deputada Geisa Teixeira (PT) pediu que as participantes acompanhem a votação da PEC. “Queremos ter mais um canal pra dar voz às mulheres de Minas Gerais”, defendeu.
O mesmo apelo foi feito pela deputada Celise Laviola (PMDB), vice-presidente da Comissão Extraordinária das Mulheres. “No ano passado, discutimos o empoderamento das mulheres. Precisamos do apoio para aprovar a PEC”, salientou. A ex-deputada Maria Elvira Sales Ferreira lembrou que, quando chegou à ALMG, não havia banheiro para as mulheres na área do Plenário. “Isso é só um símbolo do que tivemos e ainda temos que enfrentar”, apontou. “A PEC é vista como uma cota. Não será uma luta pequena”, comparou a deputada Marília Campos (PT).
As parlamentares e convidadas lembraram também que, apesar de avanços como a Lei Maria da Penha, a estruturação dos serviços de atendimento à mulher e a Lei do Feminicídio, sancionada em 2015, a violência de gênero ainda assombra. “Mais de 1,2 milhão mulheres sofrem violência a cada ano e só 52 mil denunciam. Temos que encorajar essas mulheres”, apontou Ione Pinheiro (DEM). “As parlamentares dessa Casa querem rigor nas medidas protetivas para as mulheres e o fim da impunidade”, reiterou Rosângela Reis.
Não se cale – Marília Campos ressaltou a campanha #NãoSeCale, adotada neste ano para convocar as mulheres à mobilização. “Ainda somos destaque no mapa da violência. E ainda querem tirar nossas conquistas”, afirmou. Ela criticou as mudanças consideradas insuficientes nas regras de financiamento de campanhas políticas, que continuam privilegiando homens, e o Plano Nacional de Educação, que acabou não abrangendo a questão de gênero.
A defensora pública geral de Minas Gerais, Christiane Malard, reiterou que a violência contra as mulheres é real e diária. Desde 1987, segundo ela, a Defensoria já atuava na defesa das mulheres dentro das delegacias, 19 anos antes da Lei Maria da Penha. “Em 2005 instalamos a defensoria especializada. E no ano passado fizemos 4.667 atendimentos”, apontou.
(Fonte: ALMG)