Cemitério do Peixe: patrimônio, história e fé

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De 04 a 07 de junho, final de semana marcado pelo dia de Corpus Christi, assistimos a um belíssimo evento realizado no Cemitério do Peixe, pequeno lugarejo pertencente a Capitão Felizardo, no distrito de Costa Sena em Conceição do Mato Dentro. E eu, como Secretária de Cultura e Patrimônio Histórico, estive representando a Prefeitura Municipal que apoiou e reconheceu a relevância do projeto “Morte e Magia nas Artes Visuais” idealizado por Francilins Castilho Leal. E no dia 05, eu tive o prazer de palestrar para aproximadamente 50 pessoas ali presentes e interessadas em saber um pouco mais da história desse lugar tão peculiar e de como nós temos atuado para preservar a cultura do seu povo. E aqui exponho alguns pontos abordados.

O patrimônio material compreende todo o conjunto arquitetônico e paisagístico do local: a igreja, o cemitério, as casas, o rio, e tudo o que forma o cenário. Levando em consideração tais elementos, é curioso saber como surgiu o Cemitério do Peixe. Construído a partir de uma única igreja, erguida em homenagem a São Miguel Arcanjo, e um cemitério que de frente para a igreja expõe os dizeres: “Ó tu que vens a este Cemitério, medita um pouco nesta campa fria: eu fui na vida o que tu és agora, eu sou agora o que serás um dia”. Posteriormente recebeu várias casinhas, um número aproximado de duzentas, de estrutura e arquitetura simples e caiadas de branco com portas e janelas azuis, ainda de pau a pique e adobe, uma imagem visual de simplicidade ao mesmo passo mística.

A secretária Julia em frente a uma das obras artísticas registradas no Peixe – Foto: Divulgação

O singelo vilarejo ainda guarda os mistérios do seu surgimento. São várias as versões sobre sua fundação. Do ouro que atraiu portugueses à morte de um escravo chamado “Peixe”, ouvimos diferentes possíveis histórias que podem ter ocasionado a construção do Cemitério. Mas a única coisa que temos de mais concreto, em se tratando de períodos, é a data do primeiro túmulo, bem à entrada do Cemitério: 1941. Sobre isso, há relatos de que ali está enterrado um fazendeiro chamado Canequinha, o qual teria doado parte de suas terras para a construção de uma igreja e um cemitério e construído algumas casinhas para abrigar padres e fiéis. Ele seria então o fundador do Cemitério do Peixe.

Mas voltando para os dias de hoje, o fato é que de abandonado, como muitos acreditam que este seja, o Cemitério do Peixe não tem nada. A “Cidade das Almas” ou “Cidade Fantasma”, como também é conhecido, guarda um repertório histórico grandioso, mantido, cuidado e contado por Dona Lotinha e seu dois filhos, moradores e guardiões da pequena vila.

Tão importante quanto o patrimônio material, temos aquilo que chamamos de bens imateriais, que são as valorosas histórias, causos e lendas que deram a luz a uma tradição centenária de fé, que se mantiveram enraizadas nas famílias e nas gerações que formaram a identidade cultural do Cemitério do Peixe. A Festa do Jubileu de São Miguel e Almas, por exemplo, é uma grande manifestação dos costumes e crenças de um povo que peregrina para reencontrar suas famílias que, em prece, fortalecem seus laços numa semana de atividades marcada por missas, procissões, ladainhas, pagamento de promessas, confissões, levantamento do mastro e queima de fogos em homenagem aos mortos e aos fiéis. O singelo vilarejo aparentemente abandonado do dia para a noite ganha vida, movimentação entre a vizinhança. Surgem mercearia, acampamentos, pessoas que cultuam o local e a festa em perfeita harmonia.

Com um olhar de preservação e salvaguarda, a preocupação é a possível perda desta preciosa tradição que seu povo manteve viva por inúmeras gerações, dividindo num mesmo espaço a importância histórica e cultural desconhecida por muitos. E por isso é de grande interesse do Município registrar o Jubileu como patrimônio imaterial de Conceição do Mato Dentro, como medida protetiva de salvaguardar a identidade cultural da conhecida “Cidade das Almas”.

Ao passo que as gerações vão sendo transformadas pelas novas tendências da cultura em massa, altos falantes em volumes abusivos, com repertório inadequado para as manifestações culturais que o Peixe se prepara, vão descaracterizando e perturbando a comunidade cristã, que busca no lugarejo um local para reflexão e conexão espiritual. O Cemitério do Peixe significa um reduto de cultura, tradição, reza e devoção de milhares de fiéis, um local de importância inquestionável. Sobre isto, posso afirmar que estamos assumindo minuciosamente as questões que envolvem o Cemitério de Peixe, sem ignorar o direito de ir e vir e nem a liberdade de expressão dos novos adeptos do Jubileu de São Miguel e Almas, mas com o papel de regulamentar e coibir ações que atentem contra o patrimônio.

Da mesma forma, estamos estudando os impactos arquitetônicos das construções erguidas lá recentemente. Não queremos, de maneira alguma, segregar ou prejudicar as pessoas. Todos são muito bem-vindos no Peixe, independente de crenças ou religião. É um lugar único, para ser admirado em vários aspectos, que causa curiosidade e que, literalmente, está de portas abertas. Mas quem lá chegar, deve entender que o sentido de tudo está na rudimentariedade, na singularidade e na simplicidade. (Julia Santana)

Julia fez esclarecimentos sobre patrimônio material e imaterial – Foto: Divulgação

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