Melhorias prometidas durante campanha no Vale do Jequitinhonha não saem do papel

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Reportagem percorre 10 cidades e constata o abismo entre discursos de campanha e as ações governamentais no Jequitinhonha, afundado na falta de estrutura e em obras paradas.

Urnas fechadas, sonhos desfeitos. A cada quatro anos, a pobreza extrema, a falta de perspectiva, o desemprego e até a seca desaparecem do Vale do Jequitinhonha, e a região – uma das mais pobres do Brasil – é brindada com recursos para obras de infraestrutura, além de investimentos em saúde e educação, transformando-se, nos reiterados discursos eleitorais, na própria terra prometida.

A mágica exibida nos palanques, entretanto, dura pouco. Arrebanhados os votos locais e garantida a vitória, as enfáticas promessas de mudanças evaporam. A reportagem do Estado de Minas percorreu o Jequitinhonha e constatou o esquecimento a que está relegada a população local, apesar dos afagos recebidos nas campanhas políticas.

Lula e Dilma prometeram asfaltar a BR-367. Promessa continua no papel – Foto: Gazeta de Araçuaí

A região convive com um problema que afeta todo o país, mas que ganha ares de tragédia numa área marcada pelo martírio da seca e por baixos índices de desenvolvimento sócioeconômico: obras e projetos implementados pelo poder público que não funcionam, estão parados ou abandonados. O resultado é o desperdício de dinheiro público, enquanto os cidadãos sofrem as consequências da falta de investimentos e de compromisso dos governantes.

Na imersão no Jequitinhonha que começa a ser contada, o EM refez o itinerário da viagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à região durante a Caravana da Cidadania, em outubro de 1995.

A reportagem visitou 10 cidades que abrigam obras nunca concluídas, em diferentes áreas, como saúde, transporte, pavimentação, tratamento de lixo, combate à seca, infraestrutura e geração de emprego.

Foram percorridos cerca de 1.500 quilômetros, incluindo trechos de estradas vicinais malconservadas, numa região que sofre com a falta d’água, enquanto as prometidas barragens, que solucionariam o problema, não saem do papel e barramentos construídos não funcionam por erro de projeto.

A equipe de reportagem também atravessou as perigosas pontes e os trechos de terra da BR-367, que corta o Jequitinhonha em direção à Bahia. A pavimentação da rodovia, cobrada há mais de 30 anos, virou o símbolo das promessas nunca cumpridas.

Plataforma obrigatória nas campanhas eleitorais, a realidade da área de saúde no Vale do Jequitinhonha também passa longe do cenário traçado nos palanques.

Faltam hospitais e postos, sobram obras abandonadas, e os doentes são forçados a longas viagens em busca de atendimento. Uma rotina dura que marca a já difícil vida de pessoas como Silésia Aparecida de Matos, de 30 anos. A cada 15 dias, ela tem que deixar o barracão de três cômodos em que vive com os cinco filhos e o marido, em Itamarandiba, e viajar 600 quilômetros para que uma das crianças, de 10 anos, receba tratamento contra leucemia em serviço especializado em câncer na capital mineira, bancado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Mas os obstáculos estão também no seu próprio lugar de origem. “Para a gente conseguir atendimento médico aqui é muito difícil. Demora até 45 dias”, conta. Silésia enfrenta outra barreira: a falta de unidade de saúde perto de casa. “Quando uma criança adoece, a gente tem que ir ao outro lado da cidade para tentar atendimento médico e ficar esperando”, reclama. No vaivém, Silésia sustenta a família com parte do salário mínimo que recebe para despesas do tratamento do filho, R$ 175 do Bolsa-Família e escassos recursos trazidos pelo marido, que vive de biscates.

Em Itinga, Fabiana Brito, de 35, mãe de uma menina em idade escolar, vive problema semelhante. Tem que viajar com o marido diabético, Gilson Antônio de Jesus, sempre que ele precisa de atendimento hospitalar. Recentemente, conta Fabiana, o marido ficou internado 15 dias em hospital de Itaobim, a 40 quilômetros de sua cidade. Resultado: para acompanhá-lo, ela teve que apertar o já parco orçamento familiar, obtido com a venda de biscoitos que produz, a prestação, “de vez em quando”, de serviço de faxineira e, como no caso de Silésia, renda de R$ 134 do Bolsa-Família.

As vidas de Fabiana e Silésia têm mais um ponto em comum: confinadas na pobreza, sem acesso à informação, elas jamais acompanharam as ações dos políticos que ajudaram a eleger – em 2014, ambas votaram em Dilma Rousseff.



Críticas

“O grande problema do Vale do Jequitinhonha é a falta de interesse do governo federal, que prefere investir no Bolsa-Família. Como o programa já traz o retorno político, os governantes deixam de investir no desenvolvimento da região”, afirma Adhemar Marcos Filho (PSDB), prefeito de Itinga.

Por causa da extrema pobreza, em 2003, o município foi visitado pelo então presidente Lula, após ser escolhido como plataforma do Programa Fome Zero – na época, o petista esteve também na Vila Irmã Dulce, em Teresina (PI), e na Favela Brasília Teimosa, no Recife (PE), lugares igualmente carentes.

“O Jequitinhonha só é lembrado pelos políticos na época da eleição, quando vêm aqui pedir votos”, reclama José Roberto Alves (DEM), vereador em Berilo, cidade que, assim como Itinga, esteve na rota da Caravana da Cidadania. Apesar das reclamações, entretanto, Itinga é um dos poucos municípios que têm como “troféu” uma promessa cumprida: a ponte sobre o Rio Jequitinhonha, anunciada por Lula ao visitar a cidade em 2003 e inaugurada por ele em março de 2004. A obra foi financiada pela mineradora Vale.



Frustração 20 anos depois

Minas Novas e Berilo – Em outubro de 1995, o Vale do Jequitinhonha ganhou destaque na imprensa nacional. Daquela vez, o enfoque não foi a histórica da seca ou a pobreza da região, mas sua inclusão no roteiro de viagens do hoje ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A passagem da Caravana da Cidadania – uma espécie de plataforma de governo paralelo criada pelo Partido dos Trabalhadores depois de Lula perder, para Fernando Henrique Cardoso (PSDB), sua segunda disputa pela Presidência – ainda é lembrada por moradores, mas hoje alimenta a frustração de parte deles.

Ao lado de personalidades como o geógrafo Aziz Ab’Saber, a historiadora Heloísa Starling e o teólogo Leonardo Boff, que participaram de seminários voltados para “apontar soluções para o desenvolvimento da região”, Lula percorreu o Jequitinhonha plantando promessas de mudança.

A viagem, por terra, começou em Diamantina e prosseguiu por cidades ao longo da BR-367. Ele passou por Couto de Magalhães de Minas, Turmalina, Minas Novas, Chapada do Norte, Berilo, Virgem da Lapa, Araçuaí, Itinga, Itaobim, Jequitinhonha e Almenara.

“A esperança criada foi que, se chegasse à Presidência (o que só ocorreu nas eleições de 2002), Lula olharia para o Jequitinhonha”, relembra o comerciante de Minas Novas Alexandre Martins Ferreira, de 37 anos, na época um adolescente de 17. Depois de duas gestões de Lula e de sua sucessora – a também petista presidente Dilma Rousseff – entrar em seu segundo mandato, a frustração substituiu o sonho. “Lula trouxe apenas o Bolsa-Família e não destinou quase mais nada pra cá”, lamenta Ferreira. “Infelizmente, é muita política e promessa. Ação mesmo, nenhuma”, acrescenta o comerciante. Ele cobra a prometida construção da Barragem de Santa Rita, no Rio Araçuaí, que atenderia a cidade.

O ex-vereador Sinevaldo Rodrigues Aguiar, que recebeu Lula em 1995 na condição de presidente da Câmara Municipal, lembra que o petista chegou a falar em um plano exclusivo para o Jequitinhonha com enfoque na educação, saúde e transporte para a região. “Ele perdeu a eleição seguinte (1998). Depois foi eleito presidente (2002), mas não tocou mais no assunto do plano”, lamenta Sinevaldo, ressaltando que tanto Lula quanto Dilma tiveram votações maciças no Jequitinhonha. Apesar de o “plano exclusivo” ter sido deixado de lado, Sinevaldo avalia que Lula “melhorou muita coisa para os pequenos empresários”.

Em Berilo, o comerciante Milton (que prefere não revelar o nome completo) relembra dos discursos de Lula a uma multidão na cidade, em que o petista prometeu o asfaltamento da BR-367 e a construção de barragens se um dia o PT assumisse o comando do país. “Prometeu e nada foi feito”, disse.

(Fonte: Jornal Estado de Minas)

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