Decisão foi proferida em uma das ações civis públicas ajuizadas pelo MPF em Manhuaçu/MG.
A Justiça Federal em Manhuaçu, região Sudeste de Minas Gerais, disponibilizou nesta quinta-feira, 29/01, conteúdo integral de decisão judicial que fixou limites para honorários cobrados por três advogados da cidade em causas previdenciárias. A decisão atende pedido feito pelo Ministério Público Federal (MPF) na Ação Civil Pública nº 3227-31.2014.4.01.3819.
Os limites foram fixados entre o mínimo de 20% e o máximo de 30%, assegurada em qualquer caso a percepção dos valores mínimos estabelecidos pela Tabela de Honorários expedida pela Seção Minas Gerais da Ordem dos Advogados (OAB-MG), que também é de no mínimo 20% ou de R$ 500,00 em caso de acordo e de R$ 760,00 se a ação prosseguir. Foi determinado ainda que as quantias pagas a título de adiantamento deverão ser deduzidas do valor final.
Segundo a ação, os advogados Altair da Costa Campos, Altair Vinícius Pimentel Campos e André Pimentel Campos teriam cobrado honorários abusivos de clientes em situação de hipervulnerabilidade, a maioria analfabeta ou com grau reduzidíssimo de instrução, rurícolas, idosos e enfermos, além de se apropriarem da maior parte, e até da totalidade, dos valores atrasados pagos pela Previdência.
Os fatos foram apurados a partir de representações feitas pelas vítimas, posteriormente confirmados por documentos apreendidos pela Polícia Federal, no escritório dos réus, em cumprimento a mandado de busca e apreensão judicial.
A ação relata que os advogados “induziam seus clientes a assinar contratos de honorários advocatícios, deixando em branco, na maioria deles, o campo referente ao valor dos honorários advocatícios, que deveria ser calculado em percentagem sobre o montante pago em razão da condenação. Em outros contratos, os réus estipularam o percentual de 20% sobre o valor da condenação, apenas formalmente, eis que, na realidade, no momento do recebimento e repasse da quantia aos seus clientes, retinham mais de 50% dos valores”.
Além do contrato, em que a principal cláusula estava em branco, o cliente também assinava procuração com poderes específicos e amplos, incluindo “receber e dar quitação junto à Caixa Econômica Federal ou Banco do Brasil, na liquidação de alvará e/ou requisições de pequeno valor”, sem que recebesse esclarecimentos sobre o real significado do conteúdo e dos efeitos jurídicos do documento.
Na verdade, as ações previdenciárias, que têm por objeto a concessão de benefícios como aposentadoria rural e auxílio-doença, também geram, na maioria dos casos, direito ao recebimento de parcelas atrasadas, que são devidas desde o requerimento administrativo até a data da sentença.
De posse das procurações assinadas por pessoas que sequer compreendiam seu alcance jurídico, os advogados compareciam às agências bancárias e recebiam os valores atrasados, apoderando-se da totalidade ou repassando aos clientes quantias irrisórias sob a alegação de que parte do dinheiro teria ficado retida a título de Imposto de Renda e outra parte seria destinada ao pagamento de custas judiciais.
Ocorre que, conforme explica o MPF, documentos fornecidos pelas agências bancárias demonstram que, em todas as retiradas, os advogados firmaram a declaração de que se tratava de rendimento isento ou não tributável. Além disso, não existe cobrança de custas processuais nos casos em que foi solicitada assistência judiciária gratuita, o que ocorreu em todas as ações patrocinadas pelos réus, evidenciando que as justificativas visavam apenas ludibriar os clientes, quando estes, tendo conhecimento do depósito das parcelas atrasadas, procuravam por informações. Quando o cliente não procurava o advogado para saber do resultado da ação, nenhuma quantia lhe era entregue.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com C.A.F., que teria direito ao recebimento de R$ 24.056,24 ao fim de sua demanda. O INSS depositou o dinheiro, mas seu advogado, Altair Vinícius Pimentel Campos, sacou todo o valor mediante transferência para sua conta pessoal.
Verificado o levantamento da quantia pelo advogado, oficial da Justiça Federal procurou C.A.F. para intimá-lo pessoalmente sobre os valores que haviam sido depositados em seu favor, mas o idoso, residente na zona rural do Município de Manhuaçu/MG, não foi encontrado.
OAB
Ao conceder a liminar, reconhecendo o caráter abusivo e excessivo das cobranças, o Juízo Federal lembrou que o objetivo da ação “é que os advogados Réus sigam as normas legais atinentes à espécie, estipulando seus honorários com moderação, atentos aos preceitos éticos relativos à sua profissão, levando em consideração o fato de que são lides envolvendo principalmente pessoas pobres, quase todas litigando sob o pálio da Assistência Judiciária Gratuita; e versando matéria de pequena complexidade e pouco vulto, a maioria relativa a benefícios previdenciários para trabalhadores humildes; e desenvolvidas, inclusive, em Juizado Especial Federal, onde, a teor da Lei 10.259/01, a intervenção do advogado sequer é indispensável”.
Lembrando também que os advogados postularam a assistência judiciária gratuita para seus clientes, sob a alegação de eles são pobres e não poderiam pagar as despesas do processo sem prejuízo ao seu próprio sustento ou de seus familiares, o magistrado afirma que “o advogado sabe, e o afirmou quando peticionou ao Juízo requerendo o benefício, que seu cliente não pode demandar sem prejuízo de seu sustento, por ser pessoa pobre; e está obrigado, pela ética profissional, a fixar seus honorários contratuais com moderação e levando em conta os aspectos pessoais do cliente, além, evidentemente, daqueles atinentes à complexidade da lide. Não é aceitável, assim, que se torne um verdadeiro sócio do cliente miserável, quando este recebe as prestações vencidas, que são, não custa lembrar, de natureza alimentar!”.
Chamadas a ingressar no processo como litisconsorte do MPF, a Seção Minas Gerais da OAB e a 54ª Subseção da OAB (Manhuaçu-MG) preferiram ocupar a parte passiva da ação, como assistentes dos advogados, o que chamou a atenção do Juízo Federal.
Afastando os argumentos trazidos pela OAB-MG, de ilegitimidade do MPF para ajuizar a ação, o magistrado afirmou que “o Ministério Público Federal não adotou qualquer medida ou pretendeu aplicar qualquer sanção disciplinar a advogado, por conta da atividade profissional, mas intentou, junto a esta Justiça Federal, a proteção de direito individual homogêneo que considera lesado, no âmbito de suas atribuições”.
E prosseguiu afirmando que “por ora, o órgão de classe ainda não demonstrou a adoção de qualquer medida disciplinar, no caso ora em tela – não por falta de precedentes originados de Tribunais de Ética da própria Ordem”.
Crimes
De acordo com o MPF, a conduta dos advogados está sendo investigada também no âmbito criminal. Tramitam atualmente sete inquéritos policiais para apuração dos crimes de patrocínio infiel (art. 355, do Código Penal, c/c art. 109, IV, da Constituição Federal, com pena de detenção de 6 meses a 3 anos e multa), apropriação indébita (art. 168, § 1º, III, CP, com pena de 1 ano e 3 meses a 5 anos e 4 meses, além de multa) e declaração falsa para eximir-se do pagamento de tributo (art. 2º, I, da Lei 8.137/90, com pena de detenção de 6 meses a 2 anos e multa).
No bojo desses inquéritos, foi determinado o arresto de R$ 99.246,69 das contas-correntes dos advogados, com o objetivo de assegurar o ressarcimento das vítimas em caso de eventual futura condenação.
Clique aqui para ler a inicial da ACP nº 3227-31.2014.4.01.3819. A íntegra da decisão judicial está em http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?proc=32273120144013819&secao=MNC&pg=1&trf1_captcha_id=5b97e7f496c352ffcce77590bc260349&trf1_captcha=sjvm&enviar=Pesquisar. (Fonte: Ministério Público Federal em Minas Gerais – MPF)