Rosilene Ávila – Pra não dizer que não falei de livros

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Ao se falar em livros e leitura inevitavelmente nos vem à mente frases como “ler é viajar sem sair do lugar” ou “a leitura dá asas à imaginação” e ainda a minha preferida “a leitura é para o intelecto, o que o exercício é para o corpo”. Tudo que se refira positivamente à leitura é pouco diante de tantas possibilidades que o hábito de ler é capaz de proporcionar.

Eu tenho um orgulho imenso de ter tido a oportunidade de me apaixonar pelos livros desde cedo. Agradeço às primeiras professoras que me abriram os olhos para esse mundo imenso, cheio de aventuras, de conhecimento e de prazer. Dos contos às poesias, passando pelas comédias, romances e ficção, era onde eu encontrava respostas para tantos questionamentos, onde se abriam portas e fronteiras de todos os lugares, de inúmeras culturas, e onde muitas vezes eu me abrigava das tempestades.

Engana-se quem pensa que os livros são uma fuga da realidade. Pelo contrário, através da leitura podemos ampliar em grandes proporções a compreensão da vida, do mundo e das pessoas, vendo através de outros olhos, sentindo através de outrem, sejam personagens e histórias reais ou fictícias. Os livros nos tiram de nós mesmos e nos permitem vivenciar experiências fantásticas.

Refletindo, a vida de cada um de nós pode perfeitamente se tornar um best seller. Depende da maneira como escrevemos nossos dias. E pensando em leitura, tomo a liberdade de novamente citar alguns personagens do emocionante livro da minha vida, para contar uma passagem da qual tenho me lembrado com extremo carinho.

Minha eterna amiga de infância Meire Cruz havia ganhado de seu pai uma coleção de livros infantis com clássicos dos contos de fadas. Um sonho de presente! Não sei medir, muito menos expressar como eu fiquei feliz com o presente da minha amiga. Com certeza, a princípio, deve ter pintado uma invejinha, pois eu queria muito, do fundo do meu coração ganhar um presente como aquele. Mas a alegria tomou conta do meu ser ao ser convidada para ir a casa dela ver a coleção (como se precisasse de convite). Até hoje lembro a minha emoção ao folhear aquelas preciosidades de capas pretas, com figuras no centro. Quando virávamos o livro contra a luz, outra imagem aparecia. Era realmente mágico! E as histórias? Meu Deus! A gente entrava naquele mundo e não queria mais sair. Fui para a casa de Meire para ver os seus livros. Nos envolvemos tanto naquelas histórias de bosques, castelos, princesas, madrastas que não vimos o tempo passar, ou melhor, voar.

Naquele dia maravilhoso quando voltei pra casa, já era noite e minha mãe já preocupada me esperava no fundo da cozinha. A casa estava escura, um corredor interminável separava a porta da rua do fundo da casa. Gritei minha mãe e ela não respondeu. Ela sempre fazia isso comigo, quando eu me atrasava ou não dizia onde estava. Tomei coragem, fechei os olhos e num impulso, lembrando-me de Joãozinho e Maria, corri até a cozinha e lá estava minha mãe me esperando. Naquele momento senti um aperto de arrependimento. Eu realmente demorei muito para chegar em casa. Minha mãe me pegou no colo, me sentou em cima da mesa e sem nenhum pudor, lançou a sentença:

_ Quer me matar? Enfia logo uma faca no meu peito! – Ela sabia ser dramática e fazia muito bem uma chantagem emocional.

Foi instantâneo. Comecei a chorar, soluçando e no meio do choro, saiu:

_ Não fala isso! Eu não quero ser igual à madrasta da Branca de Neve!

Ela me abraçou. Deve ter rido escondido, mas não se abalou. Me deu um sermão bem longo. Com certeza deve ter falado sobre o perigo de sair sem avisar ou de como Deus fica triste com crianças que desobedecem as mães. Hoje penso que ela se superou com o argumento da facada. Nunca esqueci. Só não posso dizer que foi a última vez que me atrasei para chegar em casa. Contei a ela sobre os livros de Meire. Ela, se fazendo de durona:

_ Ce vai estragar as coisas dos outros, procê vê!

No fim das contas, naquela noite, com todo o drama que passei, fui dormir feliz da vida, pedindo a Deus que minha querida amiga Meire, fosse boazinha comigo, de novo e me emprestasse os livros no outro dia. Ela deve ter emprestado, caso contrário estaríamos de mal até hoje.

Essa lembrança ilustra bem a importância dos livros na minha vida. Ao compartilhá-la, sinto uma ponta de tristeza em pensar que esse tesouro tem perdido tanto espaço, principalmente na vida das crianças, mas me animo quando vejo o brilho nos olhos delas ao ganharem um livro de presente ou visitarem uma biblioteca.

O tempo escasso, o cansaço e o desânimo por vezes nos afastam do hábito de ler. No entanto, quando adquirida e estimulada na infância, a leitura se transforma em uma paixão que nunca se apaga por completo. É só dar uma assopradinha na brasa que ela se acende.

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