Rosilene Ávila – Cuidado, que a onda te pega!

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Eu estava dormindo e me acordaram
E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco…
E quando eu começava a compreendê-lo
Um pouco,
Já eram horas de dormir de novo!
(Mario Quintana)

Com este poema do meu querido Mário Quintana, começo por dizer que só agora estou entrando na fase de compreender um pouco do mundo. E digo isso não pela minha “tenra idade” (quem deras fosse), mas pela complexidade de se entender um mundo onde “normais constroem bombas atômicas”, e os que não seguem as regras dos normais, são considerados loucos.

Embora durante toda a minha vida, meu subconsciente já me alertasse que este era um assunto sério, a minha consciência sobre a causa dos “loucos” só veio à tona quando em 2013 fui impactada pela obra da jornalista Daniela Arbex*, “Holocausto Brasileiro”. O livro conta a história verídica do Hospital Colônia de Barbacena – MG, onde nas décadas de 70 e 80, foram mortas aproximadamente 60.000 (sessenta mil) pessoas de diversas naturalidades. Os “pacientes” eram levados para o maior hospício do Brasil em trens que descarregavam suas “cargas” nos fundos da instituição. Daí a expressão “trem de doido”. O livro é resultado de uma investigação cuidadosa e conta com testemunhos de ex-funcionários e sobreviventes de uma verdadeira história de terror avalizada pelo governo, pelas famílias e pela sociedade em geral. Cerca de 70% das pessoas que foram levadas para o hospital não tinham nenhum distúrbio mental. Eram os que “não se adequavam”: ladrões, prostitutas, homossexuais, meninas que perdiam a virgindade antes do casamento, esposas trocadas para que se calassem, jovens tímidos, crianças tristes… Para os que realmente necessitavam de tratamento psiquiátrico, a situação de abandono e maus tratos só agravava o problema, levando milhares à morte. E a morte era um bom negócio, uma vez que o comércio de corpos e órgãos para faculdades de medicina também existia no local.

(Imagem reprodução do Livro Holocausto Brasileiro)

Pois bem, após entrar em contato com a história desse genocídio que aconteceu no meu país, no meu estado, na minha época, não poderia ficar impassível e fingir que tudo corre naturalmente no reino dos humanos. O meu primeiro pensamento foi: “Gente, mas isto foi outro dia mesmo! Como é possível? Então quer dizer que não aprendemos nada? Não evoluímos nada?” Após os primeiros momentos de incredulidade, pus-me a refletir o quanto isso acontece cotidianamente sem nos darmos conta do nosso distanciamento da natureza humana. Diferimos das outras criações pelo fato de sermos capazes de pensar. E pensando, agimos de maneira destrutiva como nenhum outro animal na terra.

Enquanto seres humanos, pensantes, somos capazes de ferir os nossos semelhantes de diversas maneiras, destruir aquilo de que dependemos para viver, ajuntar coisas, até não podermos mais guardar… dentre tantas outras insanidades. E a maior de todas as loucuras é querer que todos sejam assim.

Continuemos nossa reflexão partindo dos nossos paradigmas. O que é “normal” na sociedade em que vivemos? Essa “normalidade” está de acordo com os nossos valores individuais?

Quantas vezes nos deixamos levar pela “onda insana” e nos comportamos como animais irracionais? Por exemplo, até onde é normal um bando de gente se juntar para apedrejar, torturar, arrastar, matar…? Isso já acontecia há mais de 2000 anos atrás e alguém de sabedoria infinita veio alertar de que não estava certo. Está além da religião. É irracional, é imoral, é autodestrutivo.

É preciso dar uma parada para respirar antes de concordar e seguir os “normais”. Vamos contar até vinte, até mil se for preciso, mas podemos pensar por nós mesmos.

Se os normais não levam em consideração a conservação da vida humana, a convivência harmoniosa, a preservação do planeta, a união entre os povos, a igualdade entre as pessoas, sinto dizer que o futuro da humanidade depende dos loucos.

Por sermos seres racionais, temos o que ninguém pode tirar de nós: a capacidade de decidir sobre que tipo de humano queremos ser. E digo a vocês que pelo andar da carruagem, entre normais e loucos, eu prefiro ser é louca.

(Imagem reprodução do Livro Holocausto Brasileiro)

(Imagem reprodução do Livro Holocausto Brasileiro)

(Imagem reprodução do Livro Holocausto Brasileiro)

18 de Maio – Dia da luta antimanicomial

*Daniela Arbex – Repórter do jornal Tribuna de Minas (MG), venceu o Prêmio Esso de Jornalismo em 2000, 2002 e 2012, o prêmio Eloísio Furtado por cinco vezes, além de menções honrosas no Vladimir Herzog e no Lorenzo Natali.

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