Ana (nome fictício) tem 72 anos de idade. Ela adquiriu o vírus HIV aos 56 anos, depois de uma relação amorosa que durou dois anos. Era seu segundo relacionamento. Ela se casou aos 21 anos com o primeiro namorado e, durante toda sua vida, somente teve relações sexuais com dois homens: o ex-marido e o ex-namorado. Ana nunca pensou em usar camisinha e o namorado jamais tocou no assunto. No ano seguinte ao término do namoro, Ana foi surpreendida pela morte do ex-parceiro, vítima de complicações decorrentes da Aids. Ela não contou nada para ninguém, fez os exames e teve a confirmação da doença.
Os filhos não sabem do seu diagnóstico. Por duas vezes, Ana teve depressão e abandonou o tratamento. Em todas as circunstâncias em que adoecia, dizia à família que estava com depressão. Atualmente, sofre ainda mais porque teme contar aos filhos sobre a sua situação de soropositiva e ser rejeitada. Paciente do Hospital Eduardo de Menezes, unidade da rede Fhemig, ir ao hospital está mais difícil, pois os familiares estão desconfiados de que ela esconde algo. Depois de tudo que aconteceu, Ana não voltou a se relacionar com nenhum homem. Apenas uma amiga sabe do diagnóstico. Após muitos anos e com apoio da equipe multiprofissional do hospital, ela não sente mais culpa por seu quadro de saúde.
O relato acima não é uma exceção e revela que, na contramão das estatísticas mundiais que mostram redução no número de novas infecções pelo vírus HIV, o grupo formado por homens e mulheres na faixa etária acima dos 50 anos de idade registra uma verdadeira explosão de casos da doença.
Dados do Ministério da Saúde registram que a incidência da Aids na chamada “terceira idade” teve um aumento de mais de 80% nos últimos 12 anos. Somente no Hospital Eduardo de Menezes, referência estadual para o tratamento de doenças infectocontagiosas, entre 2012 e 2013, a taxa de notificações para HIV/Aids, em pessoas com mais de 50 anos cresceu 7,4%. No mesmo período, na faixa acima dos 60 anos, o aumento é ainda maior: 26,5%.
(Foto: Agência Aids)
Preconceito
O fenômeno ocorre em razão do aumento da expectativa de vida e à maior atividade sexual dos homens e mulheres com idades acima de 50 anos (decorrentes da reposição hormonal para as mulheres e do tratamento da impotência sexual para homens), aliados ao desconhecimento do risco de se adquirir o vírus HIV, o que potencializa a falta de prevenção. Além disso, o preconceito que nega ou minimiza o exercício da sexualidade na terceira idade, contribui para o aumento do número de casos de Aids nessa faixa etária. O preservativo é pouco utilizado ao longo da vida dos idosos, e, quando isso acontece, as pessoas desse grupo têm dificuldades para a sua utilização. Além disso, muitos homens temem que, com o uso da camisinha, percam as ereções.
Diagnóstico tardio
O diagnóstico da doença entre as pessoas da “terceira idade”, em geral, é tardio e a doença evolui mais rapidamente. De acordo com o gerente assistencial do HEM, o médico infectologista Marcelo Oliveira, outro fator agravante é a associação da Aids a outras comorbidades. “O fato de, devido à idade avançada, os pacientes já possuírem um histórico médico de uso de outros medicamentos cria um ambiente favorável às interações medicamentosas com os antirretrovirais, o que pode ser extremamente prejudicial para o tratamento dos indivíduos HIV positivo”, explica Oliveira.
Culpa e vergonha
A doença entre os idosos, muitas vezes, produz um sentimento de culpa e vergonha. Muitos têm dificuldades para aceitar sua nova situação e são resistentes em revelar o diagnóstico para pessoas próximas, o que pode prejudicar a adesão ao tratamento.
Embora a transmissão do HIV apresente uma tendência de queda, principalmente com a introdução precoce do tratamento antirretroviral que, de forma pioneira, já é adotada pelo HEM em grupos específicos, somente com a adoção de medidas direcionadas será possível reduzir as taxas de transmissão. Portanto, a realização de campanhas voltadas, especificamente, para a população idosa é fundamental. Tais campanhas devem enfocar aspectos socioculturais, de modo a permitir verdadeiras mudanças culturais, principalmente quanto à questão da sexualidade dos idosos. (Agência Minas)