O Brasil tem todas as condições para se destacar na produção de hidrogênio verde, considerado o combustível do futuro, mas, para isso, precisa entender as oportunidades que se abrem em meio ao processo de descarbonização da economia mundial e liderar o processo de transformação energética.
A opinião foi unânime entre os participantes do debate público promovido nesta terça-feira (5/10/2021) pela Comissão Extraordinária das Energias Renováveis e dos Recursos Hídricos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O hidrogênio produzido com a utilização de fontes de energia renováveis, como eólica e solar, é considerado essencial para o cumprimento dos compromissos assumidos no Acordo de Paris. O objetivo é substituir os combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) e garantir a estabilização do aumento da temperatura média global, de modo a evitar uma catástrofe climática em escala planetária.
Segundo o gerente de Inovação, Energia e Sustentabilidade da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha, Ansgar Pinkowski, os países desenvolvidos se comprometeram a descarbonizar suas economias até 2050, mas não têm fontes renováveis de energia em quantidade suficiente para fazer isso.
Por esse motivo, na avaliação de Pinkowski, a rota da energia no mundo vai mudar radicalmente nos próximos anos. “Novos países vão se colocar como players na produção e comercialização de hidrogênio verde, e o Brasil pode ser um desses atores”, afirmou. De acordo com ele, até 2030 serão realizados em todo o mundo investimentos da ordem de 140 bilhões de euros em empreendimentos limpos.
“No Brasil, esse movimento ainda é muito tímido”, ponderou. Por isso, ele defendeu a sensibilização da sociedade como um todo e do Poder Legislativo, em particular, para a necessidade de desenvolvimento de uma nova economia sustentável. “Ninguém vai querer comprar hidrogênio do Brasil se o País não fizer sua transformação energética interna”, alertou.
Conforme o diretor de Planejamento Energético do Ministério de Minas e Energia, Carlos Alexandre Príncipe Pires, o Plano Nacional de Energia considera o hidrogênio como tecnologia disruptiva. O Programa Nacional do Hidrogênio insere esse novo combustível no planejamento energético de longo prazo, baseado na interação entre governo, universidades e indústrias.
Ceará já atrai investimentos estrangeiros
O Ceará é o estado onde as negociações para viabilizar investimentos estão mais avançadas. O Hub de Hidrogênio Verde cearense vai aproveitar o potencial de energias renováveis do Nordeste, a estrutura do complexo portuário do Pecem e a proximidade relativa da Europa para atrair empreendedores.
O projeto já atrai interesse de empresas estrangeiras, como White Martins, Fortescue, Qair e Neoenergia. A portuguesa EDP já anunciou o projeto-piloto da primeira usina de hidrogênio do Brasil, com investimentos de R$ 41,9 milhões, para substituir uma usina a carvão que opera no Porto do Pecem. “O Brasil é o país com melhores condições para produzir hidrogênio a custo baixo”, afirmou o presidente da Câmara Setorial de Energias Renováveis do Ceará, Jurandir Picanço.
Representando o Governo de Minas, Ronaldo Barquete, diretor de Atração de Investimentos do Instituto de Desenvolvimento Integrado (Indi), salientou que é preciso mostrar o potencial mineiro para o setor e atrair empresas para a cadeia produtiva do hidrogênio.
“A transversalidade do hidrogênio faz de Minas um potencial produtor e consumidor”, justificou, citando, entre outros atributos, o grande mercado consumidor e o potencial produtivo de energias renováveis.
Outros desafios, segundo ele, são regular o setor, incluindo o hidrogênio nas normas já existentes para energias renováveis, e buscar financiamento para os projetos.
Hidrogênio será parte de cadeia produtiva sustentável
O hidrogênio verde é produzido a partir da eletrólise da água, em um processo que ainda custa caro. De acordo com o sódio diretor da D3 Energias Renováveis, José da Costa Carvalho Neto, atualmente o custo de produção de um quilo do material é de 3,50 dólares, mas esse valor pode ficar abaixo de um dólar em 2050. Segundo ele, para zerar as emissões de gás carbônico em todo o mundo, será necessário produzir 600 milhões de toneladas de hidrogênio ao ano.
O hidrogênio verde pode ser utilizado como matéria-prima na produção de fertilizantes e para substituir o carvão mineral que abastece as usinas siderúrgicas. No futuro, ele poderá ser o combustível de caminhões pesados, navios e aviões.
Nos Estados Unidos, as principais aplicações previstas são geração de eletricidade e aquecimento residencial. Além disso, o hidrogênio é visto como alternativa para estocar a energia produzida por usinas eólicas e solares.
Segundo a especialista em Energias Renováveis do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, Igly Serafim, a estratégia adotada no país para o hidrogênio consiste no desenvolvimento de hubs que agregam desenvolvimento tecnológico, produção, transporte, armazenamento e utilização do material.
Los Angeles pretende ser o primeiro desses hubs, abastecido por uma usina localizada em Utah. Essa usina substituirá uma outra, movida a carvão mineral, e vai armazenar o hidrogênio produzido em cavernas de sal localizadas em seu subsolo. A primeira turbina do Intermountain Power Project, para geração de energia com hidrogênio e gás natural, deve entrar em operação em 2025. A partir de 2045, toda a eletricidade virá do hidrogênio.
Deputados defendem energia limpa
O presidente da Comissão das Energias Renováveis, deputado Gil Pereira (PSD), que solicitou a realização do debate, lembrou que a inclusão de imensas parcelas da população no mercado consumidor levou a uma elevação do consumo de energia.
Esse aumento de demanda, combinado com a mudança climática, que ameaça os reservatórios das usinas hidrelétricas, deu maior importância às fontes renováveis, como o hidrogênio verde.
“É urgente que os setores públicos e privados estabeleçam as parcerias necessárias para a inclusão do Brasil nessa cadeia produtiva”, defendeu o parlamentar.
O deputado Antonio Carlos Arantes (PSDB) defendeu as energias limpas e disse que é preciso buscar a diversificação da matriz energética. “Não fá mais para ficar dependente das usinas hidrelétricas”, afirmou.
Carta das Minas e Energias Gerais traz recomendações aos governos
Ao final do debate, foi lançada a Carta das Minas e Energias Gerais, com os pilares e objetivos para a produção do hidrogênio verde e sua introdução na matriz energética nacional, recomendações aos poderes públicos e vantagens competitivas de Minas.
O documento cita o cenário de mudanças climáticas, a crescente demanda por energia e o grande desenvolvimento tecnológico como uma oportunidade para a associação das energias limpas e renováveis com a versatilidade do hidrogênio.
A carta reforça que o Brasil, e em especial Minas Gerais, deve abraçar as oportunidades e as potencialidades do hidrogênio verde e liderar esse novo mercado na América do Sul e no mundo. Esse esforço teria como objetivo, entre outros, o posicionamento estratégico no mercado mundial e a mitigação das emissões de carbono.
Aumento de competitividade dos produtos mineiros e desenvolvimento de uma cadeia de suprimentos também são citados. A carta menciona ainda o incentivo e investimento em tecnologia para que Minas produza em seu território o silício grau solar e eletrônico e, consequentemente, as placas fotovoltaicas.
Aos poderes públicos, a carta recomenda, entre outras ações, a elaboração de roadmap, uma espécie de roteiro para o desenvolvimento da cadeia produtiva do hidrogênio verde, com a finalidade de orientar as ações governamentais e a regulamentação do setor. Também propõe a criação da Agência Estadual de Energia, para coordenar os esforços.
A partir daí, seguem recomendações como a promoção de ambiente favorável e atrativo para o desenvolvimento da cadeia de valor do hidrogênio, inclusive com estímulos tributários; apoio a projetos de pesquisa; e regulamentação do transporte do hidrogênio verde nas linhas de distribuição de gás natural.
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