Deputado de Minas Gerais é condenado por cobrança de propina a prefeitos

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O Ministério Público Federal (MPF) em Governador Valadares (MG) obteve duas condenações do deputado estadual João Magalhães por improbidade administrativa decorrente do recebimento de propina para liberação de recursos federais por meio de emendas parlamentares. As ações, ajuizadas em 2017, tramitaram perante a Justiça Federal em Governador Valadares (MG), e tratam de fatos ocorridos entre os anos de 2006 e 2007, quando João Magalhães exercia mandato de deputado federal.

Além de ter decretada a perda do cargo, mandato ou função pública que estiver exercendo por ocasião do cumprimento da sentença, João Magalhães teve os direitos políticos suspensos por prazos que vão de oito a 10 anos.

As mesmas sanções foram aplicadas aos ex-prefeitos dos municípios mineiros de São Félix de Minas, Wanderley Vieira de Souza, e de Tumiritinga, Luiz Denis Alves Temponi, e à secretária-executiva do Consórcio Intermunicipal de Saúde do Vale do Rio Doce (Cisdoce), Mary Rosane da Silva Lanes. Mary era funcionária contratada do Cisdoce, indicada por João Magalhães com a finalidade de manter interlocução com os prefeitos locais, mas, na prática, atuava como uma funcionária informal do deputado. Nessa condição, ela negociava, cobrava e recebia em sua conta bancária e na de seu marido as quantias que os prefeitos pagavam para obter liberação de recursos federais destinados por meio de emendas parlamentares a seus municípios.

Valor das propinas – Na primeira ação (ACP nº 1000193-44.2017.4.01.3813), o então prefeito de São Félix de Minas, Wanderley Vieira de Souza, transferiu para João Magalhães a quantia de 40 mil reais, depositando-a na conta bancária de Mary Rosane da Silva. Na segunda ação (ACP nº 1000435-03.2017.4.01.3813), seguindo o mesmo esquema de cobrança e depósito, duas pessoas ligadas ao então prefeito de Tumiritinga, Luiz Temponi, depositaram 38 mil reais na conta de Mary Rosane.

Ambas as propinas estavam relacionadas à liberação de emendas parlamentares: no caso de São Félix de Minas/MG, o Ministério das Cidades destinou R$ 390 mil; para Tumiritinga, foram destinados cerca de R$ 126 mil. Os ex-prefeitos repassaram a João Magalhães quantias correspondentes a 10% e 30%, respectivamente, dos valores totais de cada emenda.

Versões contraditórias – Durante as investigações e na instrução do processo, o ex-prefeito de São Félix alegou que o depósito na conta de Mary dizia respeito a um empréstimo que esta lhe pedira, por estar passando por dificuldades financeiras. Já o ex-prefeito de Tumiritinga sustentou versão inversa: segundo ele, o depósito era para pagamento de um dinheiro que a funcionária do Cisdoce lhe emprestara.

Essa circunstância, por si só, demonstrou, segundo as sentenças, que as justificativas dadas pelos réus eram descabidas, sem amparo em qualquer prova e até mesmo contraditórias quanto aos fatos, datas e alegações.

No caso de Tumiritinga, o Juízo da 2ª Vara Federal lembrou que a funcionária possuía um nível de renda modesto, com salário mensal de pouco mais de R$ 1.500, sem indícios de qualquer outra fonte de renda complementar capaz de confirmar a tese de que o crédito de R$ 38 mil feito em sua conta por Luiz Denis Temponi decorria do pagamento de empréstimos que ela havia lhe feito.

Na verdade, escutas telefônicas autorizadas judicialmente demonstraram toda a negociação efetuada entre Mary Rosane e os prefeitos, com diálogos que, de forma cifrada, faziam referência ao valor que deveria ser pago para a liberação das emendas. Por diversas vezes, a funcionária do Cisdoce chega a dizer aos ex-prefeitos que, se eles não estivessem “interessados” e não providenciassem o valor pactuado da propina, os recursos federais seriam repassados para outras prefeituras. Em um dos diálogos, Wanderley Vieira chegou a sugerir a transferência do valor para a conta pessoal de João Magalhães, tendo sido imediatamente repreendido por Mary Rosane.

Posteriormente, após ter efetuado o pagamento, Wanderley liga para a assessora de João Magalhães para saber se o dinheiro entrara na conta dela, e recebe a seguinte resposta: “já até passou; já tá lá longe, já tá nos (ares), entendeu, né?, já tá na capital do Brasil!”.

Para o Juízo da 1ª Vara Federal, esses não foram “diálogos isolados, conversas pontuais. Mary tratou com vários prefeitos sobre o mesmo assunto, liberação de recursos na Caixa Econômica Federal, e em relação a todos eles também solicitou a presença ou mesmo chegou a informar o número de conta bancária”.

O Juízo da 2ª Vara Federal também chamou atenção para o fato de que, embora o ex-prefeito de Tumiritinga tenha tido extrema cautela ao tratar dos ajustes, ao ler os diálogos “em conjunto com os demais (pois ocorridos no mesmo dia e nas mesmas circunstâncias, envolvendo o mesmo assunto), é possível observar com segurança que a comunicação seguia a mesma lógica e finalidade das anteriores realizadas naquela mesma última semana de setembro de 2007”.

Pulverização – A quebra de sigilo bancário dos investigados, também autorizada judicialmente, demonstrou a pulverização das quantias destinadas a João Magalhães: o dinheiro entrava na conta de Mary e dela saía para contas bancárias pertencentes a familiares do deputado, entre os quais sua esposa, uma sobrinha e uma cunhada. Parte do dinheiro foi depositado na conta da então deputada Rosilda de Freitas [atualmente senadora Rose de Freitas, eleita pelo estado do Espírito Santo], e na de sua empresa, JR Freitas Confecções. Durante a investigação, a senadora afirmou que solicitara empréstimo ao deputado João Magalhães por estar passando por problemas de saúde.

O Juízo da 2ª Vara Federal lembrou não haver necessidade sequer de se demonstrar que os recursos depositados “tenham se originado diretamente da conta do convênio”, porque é indiferente de onde eles vieram. “A finalidade dos depósitos é que é ilícita: pagamento de vantagem indevida pela liberação de recursos do Contrato de Repasse nº 0200459-61”, disse.

Enriquecimento ilícito – Sobre o conhecimento e a participação de João Magalhães nos atos de improbidade, o Juízo da 2ª Vara Federal afirma que a atuação de sua secretária, cobrando e recebendo vantagem indevida, “não foi uma conduta autônoma, ignorada ou não autorizada” pelo deputado, e que o “conjunto probatório demonstra, sem dúvidas, que João Magalhães, utilizando-se das atribuições do cargo que ocupava, se enriquecia à custa das emendas parlamentares que destinava aos municípios da região, de modo que a cada verba liberada, ele recebia um percentual a título de comissão”.

No mesmo sentido, o Juízo da 1ª Vara Federal afirma não haver também “necessidade de se provar dano ao erário, sendo bastante a configuração do enriquecimento ilícito do então deputado federal, que recebeu vantagem patrimonial indevida em razão do exercício da função pública”.

“Além disso, é evidente a violação aos princípios da administração pública. Valer-se de mandato eletivo para transformar a destinação de recursos federais em balcão de negócios, com vistas a seu enriquecimento pessoal ilícito, viola a moralidade administrativa. O agente deixou de cumprir com seu dever de lealdade à instituição e obediência ao princípio da legalidade”, afirma a sentença.

Ressarcimento e multa – Ambas as decisões determinaram o ressarcimento ao erário dos valores acrescidos ilegalmente ao patrimônio de João Magalhães.

Na ACP/caso São Félix, os réus, de forma solidária, deverão devolver aos cofres públicos o valor originário de R$ 40 mil, que, na data da sentença, corrigido monetariamente, já alcançava R$ 128.028,96. Eles também foram condenados a pagar, juntos, multa civil de igual valor.

Na outra ação/caso Tumiritinga, João Magalhães foi condenado a ressarcir ao erário a quantia de R$ 38 mil corrigida monetariamente e com juros de mora [a sentença não informou o valor atualizado]. O deputado, sua funcionária Mary Rosane da Silva Lanes e o ex-prefeito Luiz Denis Alves Temponi deverão pagar, juntos, multa civil correspondente a duas vezes o valor do acréscimo patrimonial indevido, também acrescida de juros e correção monetária. Eles ainda foram proibidos de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de 5 anos.

*O Aconteceu no Vale ainda não conseguiu obter o posicionamento do deputado e dos demais envolvidos sobre a decisão da Justiça.

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