O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o professor J.L.C. da Universidade Federal de Viçosa (UFV) por 34 ocorrências de crime de peculato (artigo 312 do Código Penal). O denunciado comandou o Laboratório de Celulose e Papel (LCP), vinculado ao Departamento de Engenharia Florestal da UFV.
Ele foi preso preventivamente por ordem da Justiça Federal atendendo pedido feito pelo MPF, com o “objetivo de proteger a ordem pública e a ordem econômica, bem como para garantir a frutuosidade da instrução criminal”.
Segundo a denúncia, nessa função pública, ele teria desviado mais de 4,5 milhões de reais (valores corrigidos) no período de apenas seis anos, de 2009 a 2014. Mas, o MPF acredita que o montante desviado e apropriado indevidamente pode ser ainda maior, já que seu patrimônio pessoal cresceu 300% entre os anos de 2007 e 2017. Some-se a isso também a evolução patrimonial dos seus filhos, usados pelo próprio pai como “laranjas”, cujos bens, somados, alcançariam mais de 10 milhões de reais.
O Ministério Público Federal afirma que os atos que configuram o crime de peculato ficaram evidenciados nos inúmeros contratos, firmados pelo professor do Laboratório da UFV com empresas privadas, nos quais foram utilizados não só a estrutura física e os equipamentos de uma instituição pública, como também servidores, estudantes, mestrandos, doutorandos e o próprio patrimônio intelectual da universidade. Foram encontrados vários trabalhos com timbre da universidade, feitos por alunos de graduação e de pós-graduação e funcionários do laboratório, cujos pagamentos por sua realização foram direcionados ao denunciado.
Há prova, inclusive, de que ele colocava servidores para trabalhar além do expediente para atender às demandas, o que levou o MPF a afirmar ser impressionante a ousadia do professor “ao colocar funcionários da universidade para trabalharem em regime de jornada extraordinária para o seu enriquecimento pessoal, gerando um prejuízo ainda maior à universidade, resultante do pagamento de adicionais de horas extras”.
J.L.C., ” – um servidor público em regime de dedicação exclusiva e que, portanto, não poderia exercer nenhuma outra atividade remunerada, tampouco gerir uma empresa – socializou os custos de serviços intelectuais de propriedade da Universidade Federal de Viçosa e privatizou os lucros deles decorrentes, incrementando ilícita e extraordinariamente seu patrimônio por meio de diversos atos de peculato praticados ao longo de não menos que 6 anos (2009 a 2014)”, resume a denúncia.
Relações com o setor privado – O MPF explica que o Laboratório de Celulose da UFV, conquanto seja um órgão público, tem relações de parcerias com diversas empresas privadas que, de alguma forma, utilizam produtos florestais ou necessitam de análises laboratoriais relacionadas a qualquer material de origem florestal em seus processos produtivos.
Tais análises, além de envolverem conhecimento sofisticado de propriedade da UFV/LCP, também utilizam seus funcionários, estudantes de graduação e pós-graduação, espaço físico, energia e equipamentos. Em contrapartida, as empresas remuneram a universidade, diretamente ou por meio de entidades vinculadas. Os recursos repassados pelas empresas devem ser usados para o aparelhamento da universidade, especialmente do próprio laboratório, sendo proibida a remuneração dos servidores públicos envolvidos no processo.
O que se descobriu, entretanto, é que J.L.C., que representa o LCP perante as empresas que contratam a UFV para esses serviços, lançou mão de seu cargo, de seu prestígio e de seu conhecimento para oferecer e prestar serviços e receber pagamentos indevidos de empresas do setor florestal, inclusive estrangeiras.
Investigação financeira realizada pelo MPF encontrou pagamentos oriundos de 32 empresas e duas pessoas físicas por serviços do laboratório, além de R$ 784 mil reais em pagamentos não identificados, a maior parte decorrentes de créditos de contrato de câmbio, indicando o recebimento por serviços prestados a empresas sediadas no exterior.
Na verdade, a maioria das empresas ouvidas na investigação disseram que procuraram o renomado laboratório da universidade acreditando que contratavam com essa instituição, mas, ao final, prestado o serviço, J.L.C. indicava que o pagamento deveria ser feito à empresa de sua propriedade.
Empresa de fachada – Para isso, o denunciado criou uma empresa de papel, cujo único objetivo foi o de ter uma conta bancária para receber os pagamentos. “Uma vez tendo o controle sobre o crédito perante os tomadores dos serviços do LCP, o professor, no momento da contrapartida, orienta que as empresas promovam os pagamentos não à UFV ou à entidade por ela apoiada, mas a uma empresa de fachada (sem endereço real, sem sede, sem equipamentos, sem funcionários, sem capital) por ele criada em nome de pessoas interpostas (laranjas)”, relata a denúncia.
Os próprios telefones de contato informados nos documentos da empresa eram os números do laboratório da universidade.
Essa empresa foi aberta em janeiro de 2008 e encerrada em outubro de 2014, quando as investigações sobre as irregularidades já estavam acontecendo. O acusado foi sócio em todo o período de vigência da sociedade, inicialmente ao lado de um funcionário do LCP (cujo endereço residencial foi usado como primeira sede da empresa), depois, ao lado de seus filhos.
Em diligências, a Polícia Federal constatou que o endereço residencial do funcionário laranja era uma casa simples, “absolutamente incapaz de abrigar uma empresa” cujo objeto social era a prestação de serviços de consultoria técnica em tecnologia de fabricação de celulose e papel, incluindo a liberação de projetos técnicos, avaliações de qualidade de madeira, processo de fabricação, recuperação de químicos, tratamento de água e tratamento de resíduos industriais. Ou seja, a empresa teria que contar, inclusive, com laboratórios sofisticados e vários equipamentos. O capital social, por sua vez, era de R$ 10 mil, sendo 99% pertencente ao acusado e 1% ao funcionário laranja.
Apurou-se que, embora J.L.C. tenha tentado atribuir a gestão da empresa ao sócio minoritário, tanto os rendimentos desse funcionário eram incompatíveis com os valores movimentados pela empresa (com momentos em que ele sequer possuía saldo em conta bancária para honrar débitos), quanto os documentos perante instituições financeiras, bancárias e não bancárias eram assinados somente pelo professor acusado.
Em novembro de 2010, a empresa teve a sua primeira alteração contratual, quando a filha estudante do acusado ingressa no quadro societário, substituindo o funcionário do LCP. A nova sócia, embora tivesse apenas 19 anos e ainda morasse com seu pai, assume formalmente a administração da empresa.
Em 4 de dezembro de 2012, a sede da empresa muda-se para um prédio residencial no centro de Viçosa. Testemunhas ouvidas no local afirmaram nunca terem tido conhecimento de que, naquele apartamento, teria funcionado alguma empresa. Em depoimento, alguns dos empresários contratantes dos serviços do professor também afirmaram que os contatos com o denunciado ocorreram sempre na universidade e que jamais compareceram às supostas sedes da empresa de fachada.
Um ano depois, em dezembro de 2013, ingressa na empresa outro filho do denunciado, estudante de 20 anos. Com isso, a sociedade passa a ser formada pelo acusado, com 98%, e por seus filhos, cada qual com 1% das cotas. Finalmente, em 2014, quando a empresa já estava sob investigação, ela é extinta, sendo atribuída à filha do acusado a responsabilidade de gerenciar o ativo e passivo da empresa.
Em todo o seu período de “funcionamento”, a empresa de fachada não teve nenhum empregado, conforme informações da Superintendência Regional do Trabalho, e também nunca teve qualquer despesa em nenhum exercício financeiro, conforme provam declarações do Imposto de Renda.
De acordo com a denúncia, “a empresa – que teve faturamento de não menos que R$ 2.461.161,01, tendo negociado com mais de 30 empresas vendendo serviços de elevadíssima complexidade – não realizava investimentos, não adquiria insumos nem serviços, não contratava pessoas. (…) E sem explicação conhecida, a “pujante” empresa, mesmo recebendo lucros impressionantes por anos seguidos, encerra formalmente suas atividades no meio da investigação criminal, em outubro de 2014”.
Bloqueio de R$ 11 milhões – Na decisão, que decretou a prisão preventiva do professor, o Juízo Federal de Viçosa também decretou o sequestro de bens no valor de R$ 11.312.470,00, para ressarcir os valores desviados da universidade e garantir o pagamento da pena de multa.
De acordo com o magistrado, “a ação penal proposta pelo Ministério Público Federal encontra-se robustamente lastreada, havendo prova da materialidade e fortes indícios de autorias, não sendo temerário afirmar a probabilidade de responsabilização pela prática de 34 peculatos, o que torna implícito o perigo da demora em desfavor do erário”.
Sob o mesmo entendimento – de que há provas robustas das condutas criminosas praticadas pelo denunciado –, a prisão de J.L.C. foi deferida, para que ele seja impedido de praticar atos que possam prejudicar a instrução criminal.
Conforme lembrou o Juízo Federal, informações prestadas pela universidade dão conta de que o acusado, após saber das investigações, reduziu significativamente sua movimentação de e-mails, havendo indícios inclusive de destruição de mensagens. Essa preocupação se deu porque grande parte dos atos criminosos foram documentados em mensagens eletrônicas: os investigadores detectaram dezenas de e-mails sobre os trabalhos realizados para as empresas, alguns contendo inclusive orçamentos dos serviços cobrados pelo professor. Um dos e-mails informava que o faturamento dos serviços prestados pelo Laboratório ocorreria por meio da empresa de sua propriedade; em outra mensagem, o professor determinava que um funcionário do laboratório enviasse a uma empresa privada métodos sigilosos de análise de propriedade da UFV.
No mesmo sentido, foram colhidas provas da influência de professor sobre o pessoal acadêmico – docentes e discentes – da UFV, com poder para interferir em depoimentos e coleta de provas. Durante a investigação, o acusado chegou a orientar uma empresa para que não encaminhasse nenhuma informação requerida pela Polícia Federal antes de falar com ele.
O crime de peculato tem pena que vai de 2 a 12 anos. Como o professor foi acusado de 34 peculatos, sua pena mínima pode ser de 64 anos de prisão. O MPF também pediu que, em caso de condenação, seja decretada a perda do cargo público de professor.
A reportagem ainda não conseguiu contato com a defesa do professor.
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(Fonte: MPF/MG)