Campanha é criada em prol de comunidade quilombola no Norte de Minas

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Uma jovem mãe, vivendo ao relento, debaixo das copas de uma mangueira, com seu filho recém-nascido nos braços. A situação era extrema, e um pedido de abrigamento da criança chegou ao Ministério Público. Foi esse caso dramático que chamou a atenção do poder público e deu visibilidade à comunidade Alegre, remanescente de quilombo, localizada na área rural de São João da Lagoa, no norte de Minas. Ali, vivem cerca de 60 pessoas – entre elas, aproximadamente 20 crianças – distribuídas em nove casas. Falta de tudo um pouco: água, luz elétrica, moradia, recursos para a subsistência das famílias.

Sensibilizados com a precariedade da vida que os moradores levam ali, o Ministério Público e o Judiciário acabam de lançar uma campanha de apoio à comunidade quilombola. O objetivo do movimento solidário é arrecadar itens básicos para os moradores. Roupas, cestas básicas, leite em pó, produtos de higiene pessoal e de limpeza, materiais escolares, livros, cobertores, brinquedos e computadores: todo item será bem-vindo.

São quatro pontos de arrecadação das doações (confira os endereços no final desta matéria). Na capital e em Nova Lima, os itens devem ser entregues até 7 de dezembro; no dia seguinte, o montante arrecadado será recolhido pelo Ministério Público, que irá entregá-lo aos moradores da comunidade. “Eles não têm acesso à educação – quase toda a comunidade é formada por analfabetos – e têm muita dificuldade de acesso à água e à energia elétrica. Os moradores vivem em situação muito difícil, de calamidade pública”, conta Paulo César Vicente de Lima, promotor cooperador na comarca de Coração de Jesus, à qual a comunidade pertence.

Em Alegre, falta de tudo um pouco (Foto: Divulgação/TJMG)

Mínimo existencial

A juíza titular da comarca de Coração de Jesus, Luciana de Oliveira Torres, que abraçou a causa, observa que a campanha tem por objetivo “garantir o mínimo para quem não tem nada”. “Essa é uma atuação conjunta com o Ministério Público de Minas Gerais pela busca da eficácia social dos direitos dessas comunidades historicamente excluídas. A situação de exclusão e vulnerabilidade de Alegre é tamanha que resolvemos apelar para sua humanidade e solidariedade. Eles não têm quase nada. São pessoas que merecem o mínimo existencial”, ressalta a magistrada.

A Corregedoria-Geral de Justiça será o ponto de coleta das doações, na capital. “A Corregedoria está sempre pronta a acolher e apoiar as iniciativas dos juízes que possibilitem melhorias para suas comunidades que vão além do acesso à justiça e o exercício da cidadania”, observa a juíza auxiliar da Corregedoria, Lívia Borba. A magistrada lembra que existem mais de 2.600 comunidades quilombolas em todo o Brasil, certificadas pela Fundação Cultural Palmares, ligada ao Ministério da Cultura.

Moradores de Alegre estão recebendo apoio do Ministério Público, do Judiciário, do Executivo local e de diversos outros parceiros (Foto: Divulgação/TJMG)

De acordo com a juíza auxiliar da Corregedoria, “é função da Fundação Cultural Palmares formalizar a existência dessas comunidades, dar-lhes a propriedade de suas terras, prestar assessoria jurídica e implementar projetos, programas e políticas públicas, mas sabemos que o poder público nem sempre consegue dar a devida assistência no tempo da necessidade das pessoas. Então, uma ação como esta, de ajuda humanitária e de solidariedade, é sempre muito positiva”, afirma.

A Faculdade de Direito Milton Campos, em Nova Lima, também abraçou a campanha. Além de ter estar incentivando as doações entre seus públicos, tendo disponibilizado o espaço de seu diretório acadêmico para recolhimento de itens para a comunidade, a instituição doou 30 carteiras para a sala de aula que será construída em Alegre.

Próximos Passos

A campanha é apenas uma das ações de um movimento maior, o projeto social “Próximos passos: acompanhamento das ações para garantia dos direitos quilombolas à comunidade Alegre”, iniciado em abril deste ano. Por meio dele, vêm sendo realizadas reuniões periódicas, na própria comunidade, com a participação de diversos parceiros: Ministério Público, Prefeitura, Judiciário, Fundação Cultural Palmares e Prefeitura de São João da Lagoa, entre outros. Nesses encontros, são pactuados metas e prazos e definidos responsáveis pelas diversas ações, que têm como objetivo central garantir os diversos direitos à comunidade.

Diversos encontros já foram realizados na comunidade com a participação dos setores envolvidos com o projeto social Próximos Passos (Foto: Divulgação/TJMG)

Por meio do projeto social, foram realizados os estudos que culminaram com o reconhecimento da comunidade como remanescente de quilombo. “Esse passo foi fundamental, mas a situação ali está tão grave, que não podemos esperar o tempo lento das políticas públicas para garantir a eles os diversos direitos. Por isso, surge essa campanha, por questões humanitárias, para arrecadar itens para os moradores de Alegre”, explica o promotor de justiça.

Foi também em uma dessas reuniões periódicas, por exemplo, que a Prefeitura assumiu o compromisso de melhorar as estradas de acesso à comunidade. “Recentemente, fizemos também parceria com a Prefeitura e, agora, cerca de 15 pessoas da comunidade já estão frequentando o Educação de Jovens e Adultos (EJA), aprendendo a assinar o próprio nome. Pretendemos apoiar o Município para construir uma sala de aula lá na comunidade. Estamos buscando novas estratégias e parcerias para a garantia dos direitos dessas pessoas”, afirma o promotor Paulo.

Para a construção da sala de aula, adianta o promotor, deverão ser usados também recursos da aplicação das penas pecuniárias – valores provenientes de transações penais ou sentenças condenatórias – na comarca. “Para nós, é muito importante essa adesão do TJMG, porque esse gesto sinaliza para a sociedade a preocupação do Judiciário mineiro para com a vulnerabilidade de comunidades com essa”, observa o promotor. Sobre a mãe que vivia em condições primitivas com seu recém-nascido, a céu aberto, ele conta que, por meio de uma audiência concentrada, foi conquistado um aluguel social para ela que, agora, está vivendo em uma casa, ao lado do filho.

Relatos de moradores

Relatório técnico realizado pela Coordenadoria Regional de Inclusão e Mobilização Sociais do Norte de Minas do Ministério Público de Minas, e realizado em março deste ano, registra vários aspectos relacionados à comunidade. Segundo o documento, as pessoas que vivem ali “são de uma mesma família, possuindo laços de parentesco e consanguinidade. Os comunitários mais antigos destacaram que seu pai se chamava Manoel Vitor Pereira do Rosário e sua mãe Geralda Pereira da Silva. Eram 14 irmãos. Seus pais vieram de São Gonçalo, uma comunidade perto de Coração de Jesus. Na época, o patriarca e os homens da família trabalhavam como agregados, em situações precárias e de sofrimento, similares à da escravidão”.

Alegre, remanescente de quilombo, fica na área rural de São João da Lagoa, no norte de Minas. Ali, vivem cerca de 60 pessoas, entre elas aproximadamente 20 crianças (Foto: Divulgação/TJMG)

Fragmentos de relatos de moradores do Alegre, registrados no relatório, contam um pouco dessa história: “Meu pai ‘trabaiava’ pra esse povo direto… foi indo, foi indo, sofrendo… E outro fazendeiro tirou ele de lá… E continuou sofrendo. Quando largou, veio morar aqui. Só ganhava ‘mal mal’ a comida”; “O ‘veio Jobe’ amarrava e levava as pessoas para trabalhar para ele, nas fazendas, amarradas, no cavalo”; “Meu pai era encarregado do Seu Nem Rabelo”; “Seu Domingo, avô da Evarista, vivia na fazenda [do ‘veio Jobe’] e tinha marca de chicote…”; “Morreu com a marca no lombo…”

Entre outros pontos registrados pelo relatório do MP, está a devoção da família à Nossa Senhora do Rosário, que se trata “de santa que historicamente foi cultuada pelos negros, desde a época da escravidão. Relataram também a realização tradicional da Folia de Reis, nos meses de agosto e setembro, ocasiões em que os primos e parentes vinham em procissão de São Gonçalo”, indica o documento.

Configuram-se como remanescentes das comunidades dos quilombos, segundo o Decreto 4.887/2003, “os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”. Em seu artigo 68, a Constituição Federal de 1988 dispõe que “aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Pelo decreto, “a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade”.

Serviço

Campanha de Apoio à Comunidade Quilombola Alegre

Itens para doação: roupas, leite em pó, cesta básica, produtos de higiene pessoal e de limpeza, materiais escolares, livros, cobertores, brinquedos, computadores, entre outros.

Locais de entrega:

– Em Belo Horizonte: Corregedoria-Geral de Justiça (Rua Goiás, 253), no Núcleo de Voluntariado do TJMG, sala 801, ou na recepção do prédio, com o Gacor Apoio.

– Em Nova Lima: Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito Milton Campos (rua Senador Milton Campos, 202, bairro Vila da Serra).

– Em Montes Claros: Promotorias de Justiça e sede dos juizados especiais criminais

– Em Coração de Jesus: Fórum Deputado Esteves Rodrigues (rua José Antônio de Queiroz, 1.060)

Obs: As doação devem ser feitas até 7 de dezembro

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(Fonte: TJMG)

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