O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública contra Henrique Duque de Miranda Chaves Filho, ex-reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), por improbidade administrativa. O ex-reitor é acusado de transferir indevidamente recursos públicos da universidade para a Fundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino, Pesquisa e Extensão (Fadepe), que, apesar de ligada à UFJF, é uma entidade privada, não estando, portanto, sujeita ao regime jurídico que rege a Administração Pública.
Os atos ilegais consistiram em três principais expedientes: pagamento ilícito de taxa de administração, recolhimento de preços públicos a contas bancárias da Fadepe e transferência da gestão de espaço público à fundação.
De acordo com o MPF, as manobras tinham o objetivo de obter excedente de recursos que, na prática, funcionavam como uma espécie de “caixa dois”, de forma que pudessem ser geridos como bens privados, sem sujeição às normas que obrigam a Administração Pública, por exemplo, prévia realização de processos licitatórios formais.
Tal prática, embora amplamente disseminada entre as instituições superiores com relação às suas fundações, é totalmente ilegal. A ação cita jurisprudência firmada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no sentido de que a finalidade das fundações de apoio é estritamente a de “dar suporte a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de interesse das instituições apoiadas e, primordialmente, ao desenvolvimento da inovação e da pesquisa científica e tecnológica”.
Ainda segundo o TCU, as fundações de apoio universitário não podem ser utilizadas em atividades que envolvam atividades administrativas de rotina, como conservação, limpeza, secretariado e serviços administrativos na área de informática, gráficos, reprográficos e de telefonia. Mas o que acabou ocorrendo ao longo dos anos foi o seu uso como “laranjas”, ou seja, “como instituições interpostas em contratações para a prestação de serviços, obras ou fornecimento de bens às universidades – hipótese em que é um terceiro que executa a prestação à universidade, mas esse terceiro não é contratado diretamente pela universidade por regular processo licitatório, mas pela fundação” – e como intermediária na contratação de mão de obra – hipótese em que se viola “o princípio do concurso público para contratação de pessoal a qualquer título, uma vez que o pessoal envolvido no contrato não presta serviços à fundação, mas direta e pessoalmente à entidade pública”.
O Acórdão nº 2731/2008 do TCU também afirma que, no campo dos recursos financeiros, “as fundações atuam como simples manipuladoras de receitas, ou, em termos mais contundentes, como gestoras de caixa dois de receita, mediante descumprimento do princípio da unidade de caixa”.
Para o MPF, “o desvio de recursos públicos pela UFJF, em proveito da Fadepe, seguido do seu emprego na aquisição de bens e serviços como se privados fossem, resultou em burla ao dever de licitar, ausência de transparência na contratação de fornecedores para a Administração Pública e omissão da exigência de prova de qualificação indispensável à garantia do cumprimento das obrigações”.
Desobediência
Os pagamentos a título de taxa de administração foram feitos pela Reitoria da UFJF, em percentual elevado e linear, no âmbito de convênios nos quais seria cabível tão-somente o ressarcimento de despesas administrativas suportadas pela Fadepe, desde que efetivamente demonstradas.
Segundo a ação, tal pagamento é proibido, porque convênios e contratos de repasse não se destinam a proporcionar enriquecimento à entidade convenente, mas tão somente a fornecer os meios necessários à execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco. O único pagamento possível diz respeito ao ressarcimento de despesas administrativas expressamente autorizadas e demonstradas, e, assim mesmo, até o máximo de 15% do valor pactuado.
Apesar da proibição legal e de advertências feitas pelo Tribunal de Contas da União, Henrique Duque Filho, durante toda a sua gestão, “obstinadamente seguiu celebrando convênios com a FADEPE, de forma a estipular o pagamento a essa entidade do percentual linear de 15% dos valores pactuados”, em desrespeito às normas e às determinações do TCU.
Prática mais grave
O MPF, porém, destaca que a maior perplexidade nem foi o pagamento linear de taxa de administração, mas a transferência ou depósito de preços públicos nas contas bancárias da fundação, mesmo quando a Fadepe não tinha qualquer participação na prestação dos serviços que resultavam na cobrança das tarifas.
Inicialmente a ação registra que o acusado jamais respeitou o princípio da unidade de caixa ou de tesouraria que, conforme Lei 4.320/1964, Decreto-lei 1.755/1979 e Decreto 93.872/1986, obriga que todas as receitas da União e dos seus órgãos autônomos sejam recolhidas à conta única do Tesouro Nacional.
Ao assumir a reitoria, em 2007, Henrique Duque Filho foi pessoal e diretamente cientificado de acórdão do TCU que advertia sobre a necessidade de observância do princípio da unidade de caixa. Em 2009, o tribunal novamente intimou o ex-reitor, afirmando, no Acórdão nº 2000/2009, “ausência de registros na Conta Única do Tesouro dos recursos arrecadados por Fundação de Apoio, decorrentes da execução de projetos e cursos de especialização lato sensu”. Em 2010, o TCU volta a instar a UFJF e o reitor sobre a necessidade de cumprimento da determinação. Todas em vão.
Segundo o Ministério Público Federal, o ex-reitor, além de ignorar as determinações do TCU quanto à observância do princípio da unidade de caixa, acabou incorrendo em uma prática ainda mais grave, que foi o recolhimento de preços públicos nas contas bancárias da Fadepe, consistente, por exemplo, na transferência ou depósito para essas contas do numerário obtido por meio da cobrança de taxas para o registro de diplomas expedidos por outras instituições de ensino superior.
“E a especial gravidade de tal expediente estava em que a destinação de tais recursos à fundação de apoio jamais se baseou em convênio que previsse, ainda que de forma espúria, o envolvimento da Fadepe naquela atividade de rotina administrativa da UFJF e a sua remuneração pelos serviços que acaso prestasse”, afirma o MPF. Pelo contrário. Não cabia à fundação de apoio a execução de qualquer serviço relacionado ao registro de diplomas, atividade inteiramente executada pela própria autarquia. “Tratava-se, pura e simplesmente, portanto, de desvio de recursos públicos em proveito daquela fundação, mediante a ‘fragmentação para criação de caixas especiais’ vedada pelo art. 56 da Lei nº 4.320/1964”.
Cessão indevida
Por fim, o acusado também cedeu à Fadepe, indevidamente, a gestão de determinados espaços públicos pertencentes à UFJF, de modo a proporcionar superávit à fundação por meio da cessão da exploração do bem a terceiros.
Para o MPF, “se a simples delegação da gestão de bem público à Fadepe, atividade administrativa de rotina, já seria incabível, a utilização da fundação de apoio como interposta pessoa para o fim de celebração de contrato com terceiro, o qual a UFJF poderia – e deveria – firmar por si mesma, afigurou-se inadmissível”, lembrando que também quanto a essa prática o ex-reitor tinha conhecimento de sua vedação face a intimações de acórdãos proferidos pelo TCU.
Desse modo, o acusado, “obstinando-se em perpetuar práticas ilícitas, mesmo reiteradamente advertido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) a não fazê-lo, agiu com desonestidade e deslealdade às instituições, incorrendo dolosamente na prática de atos de improbidade administrativa”, sustenta a ação.
Se condenado, Henrique Duque Filho estará sujeito às sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), entre elas, perda da função ou cargo público, pagamento de multa civil, suspensão dos direitos políticos, ressarcimento ao erário e proibição de contratar com o Poder Público e de receber incentivos fiscais ou creditícios de instituições públicas.
O ex-reitor da UFJF já havia sido condenado, em 2016, a 2 anos e 1 mês de reclusão – convertidos em prestação de serviços à comunidade e pagamento de prestações pecuniárias – pelo crime previsto no artigo 10 da Lei 7.347/1985, que consiste em recusar, retardar ou omitir dados técnicos que foram requisitados pelo MPF para investigações.
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(Fonte: MPF em Minas)