Reforma maldita da Previdência Social – Coluna Dr. João Domingos

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A Proposta de Emenda Constitucional nº 287/2016, conhecida como Reforma da Previdência, foi apresentada pelo Governo Michel Temer e vai avançando na Câmara dos Deputados com certa facilidade, embalada pela folgada maioria governista, o que, de certa forma, surpreende a sociedade considerando a gravidade das mudanças que são propostas.

O esfacelamento da previdência social é que está em jogo.

A iniquidade do modelo proposto se revela, dentre outras medidas identificadas pelo Conselho Federal da OAB e mais de 160 entidades da sociedade civil, pela:

– exigência de contribuição por 49 anos para obtenção da aposentadoria integral, o que, com base nas alíquotas atuais, não tem nada de atuarial, máxime quando consideramos a obrigatoriedade de o empregador contribuir, pelo menos, na mesma proporção, para o regime;

– idade mínima de 65 anos para a aposentadoria para homens e mulheres, desconsiderando critérios contributivos e atuariais, bem como a expectativa de vida do povo mais pobre que dificilmente obterá a aposentadoria, além de negligenciar a necessidade de um tratamento diferenciado às mulheres, ainda submetidas a uma dupla jornada de trabalho;

– redução do valor geral das aposentadorias, sem consideração com os montantes de contribuição;

– fragilização da aposentadoria dos trabalhadores rurais, em gravíssimo retrocesso às conquistas da Constituição de 1988;

– extinção da aposentadoria especial para os professores, desconsiderando a sua jornada doméstica de preparação de aulas e correção de provas;

– afastamento das regras de transição vigentes, em flagrante violação da segurança jurídica e da proteção à confiança legítima;

– fixação de parâmetros de difícil atingimento para a aposentadoria dos trabalhadores expostos a condições insalubres;

– vedação de acumulação de pensão por morte com aposentadoria, reduzindo a renda familiar dos cônjuges viúvos, sem qualquer lastro atuarial;

– fixação de pensão por morte e outros benefícios em patamar abaixo do salário mínimo;

– elevação da idade de recebimento do benefício da assistência social para 70 anos, muito acima da expectativa de vida do povo mais pobre.

Há um caráter injusto das propostas que penalizam a sociedade. E o que mais se torna nítido todos os dias é a finalidade desta reforma. Não se trata de cuidar da saúde financeira da previdência social e sim fortalecer a previdência complementar, articulada pelos bancos e instituições financeiras.

A previdência dos trabalhadores de baixa renda vai acabar ficando nas mãos das empresas e grandes bancos, pois, com a previdência pública esvaziada dará espaço para a previdência privada.

O ideário neoliberal pode até ser aplicado em parte pela via democrática, como se deu com Reagan, nos EUA, Thatcher, no Reino Unido, e Sarkozy, na França, porém, essas propostas precisaram ser atenuadas em razão das pressões públicas. Em outros países foi necessário condições autoritárias ou tratamento de choque, como no Chile, de Pinochet, na China, após o massacre da Praça Celestial, na Rússia com o desmantelamento rápido do estatismo comunista controlado pelos oligarcas, e nos EUA, com George W. Bush a partir de 11 de setembro de 2001.

No Brasil isto está ocorrendo debaixo do nariz de cada brasileiro sem que a população se levante para questionar de forma veemente. Parar o país, fazer um volume de greves nos transportes públicos, nas grandes fabricas, fechar rodovias, para que os políticos em Brasília, principalmente, os deputados que terão eleições em 2018, possam tremer as pernas e saber que perderão votos no futuro.

Se a Previdência está quebrada, foi o próprio governo quem a quebrou. Desde a construção de Brasília. Porém, a Previdência Social nunca recebeu do governo federal a devolução desses valores.

Essa promiscuidade entre os ingressos da Previdência Social e do Tesouro Nacional começou a diminuir com a promulgação da Constituição de 1988, que criou o orçamento da seguridade social, em que constam receitas e despesas da previdência social, assistência social e saúde, e previu uma série de contribuições destinadas à seguridade social, além de vetusta contribuição previdenciária. A criação dessa gigantesca fonte de custeio engloba além das contribuições patronais sobre folha, incidentes sobre as receitas das empresas (PIS e a COFINS), sobre o lucro (CSLL), sobre impostação (PIS/COFINS-importação) e sobre a receita dos concursos de prognósticos.

O problema aqui não reside apenas no fato de que a Seguridade Social não recebe outros recursos do Tesouro Nacional, como preconizado pela Constituição. O mais grave é que ela também acaba por não receber todos os recursos que lhes são constitucionalmente afetados, o que acabou por ser institucionalizado pelas emendas constitucionais que promoveram a desvinculação das receitas da União (DRU).

Assim, a ideia que de haja um déficit entre as receitas da previdência e os benefícios por ela pagos, considerando apenas os ingressos decorrentes das contribuições previdenciárias parte de dois grandes equívocos que estão umbilicalmente ligados: o de que os benefícios de um determinado mês devam ser custeados pelas receitas arrecadadas no mesmo período, e o de que apenas a referida modalidade de contribuição parafiscal seja utilizada para o pagamento de tais benefícios. O sucesso de qualquer regime de previdência, seja ele público ou privado, reside na formação de um capital cujos frutos vão custear os pagamentos de benefícios.

Por isso, é correto afirmar que em um regime verdadeiramente contributivo e atuarial, o déficit se deve ao passado quando inexistia a preocupação com a capitalização do sistema. Para cobrir os efeitos desse passado por um período de tempo determinado, não há que se exigir mais dos beneficiários da Previdência, o que se traduziria apresentar a conta para a vítima dos recursos previdenciários, mas distribuir por toda a sociedade, à luz da capacidade contributiva, a conta a ser paga.

Fazer diferente, jogando o ônus a ser pago aos trabalhadores e aposentados significa não só uma severa restrição aos direitos por estes adquiridos, e as expectativas depositadas por aqueles em um futuro digno, mas um poderoso mecanismo de transferência de renda da base para o topo da pirâmide social, a partir da extinção da Previdência Social como hoje nós conhecemos e o agigantamento do sistema de previdência privada, com a consequente destruição dos direitos dos trabalhadores.

A aprovação da Reforma da Previdência proposta pelo Governo Michel Temer está associada à aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016 (a antiga PEC 241 na Câmara ou 55 no Senado), que congelou por 20 anos os gastos primários, incluindo os de educação, saúde e previdência social, revelando as intenções claras de limitar os gastos com benefícios previdenciários. Assim sem a aprovação de uma Reforma da Previdência que diminui dos benefícios sociais, o congelamento dos gastos primários determinados pela EC nº 95/16 tornar-se-á absolutamente desnecessário. As duas medidas, aliadas à outra Reforma – a Trabalhista, apresentada também pelo Temer, porá fim a um dos maiores paradigmas do Direito do Trabalho, que é a tutela dos trabalhadores.

A justificativa sempre será a de que é preciso salvar as finanças públicas no Brasil, proporcionando um ambiente de maior confiabilidade para os investidores, como se a culpa fosse dos trabalhadores brasileiros.

A austeridade proposta nessa reforma é burra e discriminadora, uma vez que, além de não oferecer qualquer revisão para os maiores ralos do dinheiro público no Brasil, ainda reserva todos os excepcionais benefícios do crescimento econômico ao setor financeiro, já que, todo ele terá como destinatário esse segmento, o que não reduzira a elevação da desigualdade social, além de fragilizar o desempenho da atividade industrial.

Essa reforma não vai mudar as regras da elite. Vai mudar a vida dos mais pobres. Retirará o dinheiro da base da pirâmide social e mandará para o topo da pirâmide, ou seja, para os endinheirados. Como apenas os mais pobres é que pagam a conta, essa reforma levará a uma rápida reversão do quadro de redução da desigualdade dos últimos anos, piorando o triste cenário de miséria que assolou o Brasil a vida inteira.

Não há outro jeito de evitar a aprovação dessa reforma maldita senão com a consciência do povo brasileiro de que é preciso sair das suas casas e assumirem um grito nacional por todas as ruas do Brasil. Somente unificando a voz do povo nas ruas contra essa reforma poderá acontecer algum resultado favorável ao povo. No Paraguai por causa menor incendiou-se o Congresso Nacional. No Brasil o povo não se move – esperando que um milagre aconteça.

Não haverá milagres se o povo brasileiro não sair para as ruas com urgência e gritar a plenos pulmões o nome de todos os deputados federais que votarão essa famigerada reforma.

Dr. João Domingos é advogado, vereador em Ladainha e pós-graduado em Gestão Ambiental e Docência do Ensino Superior (www.facebook.com/joaodomingos.domingos.5)


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