Moradores de Bento Rodrigues, Paracatu e Gesteira, distritos de Mariana (MG) devastados pela lama de rejeitos que se espalhou quando se rompeu a barragem de Fundão, ainda não sabem quando serão indenizados pelas perdas. A tragédia ambiental considerada a maior do país completa um ano neste sábado (5). Segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), os valores indenizatórios serão decididos na Justiça.
Para garantir um amparo mínimo aos atingidos, o MPMG acionou judicialmente a mineradora Samarco, responsável pelo acidente, e conseguiu celebrar um acordo para o pagamento de um adiantamento. Quem perdeu casa recebeu R$20 mil e quem perdeu moradia de fim de semana R$10 mil. “Quando uma pessoa sofre um dano, o caminho natural para a reparação é entrar com ação judicial e aguardar o julgamento. A indenização é paga após o trânsito em julgado. Para que as pessoas não esperassem tanto, nós negociamos o adiantamento. Mas é um valor parcial. E no final, quando for decidido o valor total, esses adiantamentos serão descontados”, explica o promotor Guilherme de Sá Meneguin. As famílias das 19 pessoas que morreram tiveram um adiantamento de R$100 mil.
As casas que serão construídas pela Samarco nos novos distritos também fazem parte da indenização. A previsão de entrega é a partir de 2018. “Mesmo com a reconstrução das comunidades nas novas áreas escolhidas, os atingidos não perdem o título de posse nos terrenos antigos”, acrescenta Meneguin.
Além do adiantamento das indenizações, a Samarco garantiu aos moradores o pagamento de aluguel em casas de Mariana e criou um cartão para concessão de um auxílio a todos os que perderam renda. O cálculo do total pago a cada beneficiado inclui um salário mínimo mais 20% para cada dependente, além do valor de uma cesta básica. Este auxílio se trata de um direito assistencial dos atingidos e não configura indenização.
Atingidos pela lama ainda não sabem quando serão indenizados (Léo Rodrigues/Agência Brasil)
Dificuldades
Não bastasse o sofrimento de perder a casa e ter que se mudar às pressas, houve moradores que demoraram a ser amparados pela Samarco. É o caso do pedreiro Tcharle do Carmo Batista, de 23 anos, que morava em Paracatu. Apesar de lhe garantir o aluguel de uma nova casa, a mineradora levou três meses para reconhecer que ele perdeu sua renda e o incluísse entre os beneficiados do cartão de auxílio.
Sem recursos, ele conta que conseguiu ajuda financeira do pai, mas mesmo assim passou aperto. Ele guarda documentos que comprovam o atraso na concessão do auxílio e pretende cobrar indenização por danos morais. “O que eu passei ninguém merece. Menos por mim e mais pelo meu filho que na época tinha 6 meses de via. Eu almoçava na casa do meu pai. Mas e meu filho? Minha esposa já não estava dando leite e eu tinha que comprar muito leite em pó”, relembra.
Doações
Além dos auxílios de responsabilidade da empresa, os atingidos contaram com a solidariedade. A prefeitura de Mariana recebeu R$ 1,3 milhão por meio de doações em uma conta criada após a tragédia. Em acordo com o MPMG, cada família recebeu R$ 2,3 mil.
A Arquidiocese de Mariana também recolheu R$ 900 mil para apoio a projetos coletivos dos atingidos. Um desses projetos foi o jornal A Sirene, que é editado mensalmente desde fevereiro deste ano e traz informações de interesse dos moradores dos distritos devastados. Uma nova iniciativa também já vem sendo elaborada e deve concretizar-se em novembro: um feira noturna, para que os atingidos possam vender produtos rurais e gerar renda.
Pichações em muros de antigas casas de Bento Rodrigues (Léo Rodrigues/ Agência Brasil)
Ações coletivas
Guilherme de Sá Meneguin destaca que o trabalho do MPMG vem sendo bem sucedido graças aos processos coletivos. “Nós ajuizamos apenas nove ações civis públicas que foram suficiente para resolver diversas situações que atingiam mais de mil pessoas. Em outras comarcas, há milhares de ações na Justiça que praticamente emperraram os trabalhos. Os juízes não conseguem dar celeridade aos processos”, avalia.
O promotor conta que a confiança dos atingidos no MPMG foi fundamental para este sucesso. Com exceção de quem perdeu parente, ninguém entrou com ação individual. “Isso é histórico, pois temos uma tragédia em que as vítimas estão acreditando no processo coletivo. Temos pessoas pobres e ricas e todas elas beneficiadas pela mesma ação. Isso garantiu a união da comunidade”.
O pedreiro Tcharle do Carmo Batista, de 23 anos, aprova a atuação do MPMG. “Tudo que conseguimos até agora devemos muito aos promotores. A Samarco não faz nada de boazinha. Ela faz porque é o dever dela, e ela é obrigada. E os promotores sabem como cobrar”.
Benefício incerto
Apesar dos avanços nas negociações, a incerteza sobre a continuidade do benefício pago pela mineradora Samarco desde dezembro de 2015 está deixando angustiados os moradores das áreas atingidas. O acordo para que fosse pago um auxílio aos atingidos tinha duração de um ano, prazo que termina em dezembro.
“Antes do dia 23 de dezembro nós teremos uma nova audiência para debater a prorrogação do prazo do cartão de auxílio. Isso é uma tratativa processual que precisa ocorrer dentro de uma audiência judicial”, diz o promotor Meneghin. Por sua vez, o engenheiro Álvaro Pereira, líder de programas da Fundação Renova, garantiu que o benefício será prorrogado. A Fundação foi criada pela Samarco para gerir as ações de reparação dos danos causados pela tragédia.
Segundo o Comitê Interfederativo criado para fiscalizar a reparação dos danos, atualmente há 7.811 titulares do cartão. Isso inclui não apenas as famílias que viviam nos distritos devastados, bem como outros trabalhadores que tiveram a renda impactada, como pescadores ao longo da bacia do Rio Doce.
Morador de Paracatu, o pedreiro Tcharle do Carmo Batista, de 23 anos, está apreensivo. Ele conta que a Samarco já está renovando os contratos dos alugueis das casas. Mas sobre o cartão do auxílio, ainda não receberam nenhuma garantia oficial.
Segundo Tcharle, o auxílio não lhe garante um padrão de vida igual ao que possuía em Paracatu. No distrito, ele trabalhava como autônomo. “Minha diária de pedreiro era R$130. Nesses distritos pequenos há pouca mão de obra qualificada. E eu tinha moto, então também atendia os distritos vizinhos. Fazia muito serviço. Aqui é muito difícil conseguir trabalho, porque envolve confiança. Como uma pessoa vai te dar uma obra para fazer se ela não te conhece?”, questiona.
(Fonte: Agência Brasil)