Educação e trabalho restauram vidas

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Prestes a se formar como instrumentadora cirúrgica, Priscila, de 34 anos, é casada e tem duas filhas, Carine, de 16, e Adriele de 18. Já Bruno tem 39 anos e possui uma firma de pintura de paredes com o filho, de 20 anos. Ambos são egressos do sistema prisional: cometeram crimes, foram condenados e começaram a cumprir suas penas em presídios convencionais. Até que um dia eles foram transferidos para uma unidade da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac).

Em seminário sobre os desafios e perspectivas do sistema prisional brasileiro, realizado semana passada, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), eles relataram como o estudo e a formação profissional, ao lado de outros fundamentos da metodologia apaqueana, resgataram sua autoestima e transformaram suas vidas. Nas Apacs, em um ambiente de muita disciplina, eles não só terminaram de pagar suas dívidas com a sociedade, mas também puderam sair de lá com uma bagagem que lhes possibilitou uma vida melhor, longe das drogas e do crime.

“Eu tinha 14 anos quando comecei a namorar um rapaz que me levou a frequentar lugares onde conheci as drogas. Resultado: passei 10 anos usando cocaína”. Revela Priscila, que, por causa de seu envolvimento com tóxicos e, consequentemente, com o mundo do tráfico, chegou a ser condenada a 4 anos e 4 meses de prisão, cumpridos inicialmente no sistema convencional. “Embora tenha me relacionado com essas pessoas, eu nunca fui traficante, mas usuária”, esclarece.

O pouco tempo em uma penitenciária resultou em muito sofrimento para Priscila. “Fui tratada de forma desumana, cheguei a perder minha identidade como pessoa”, diz. Porém, como há males que vêm para o bem, uma briga com outra detenta, que queria obriga-la participar de um motim, e da qual saiu ferida, resultou em sua transferência para a Apac de Itaúna.

Durante seu tempo na Apac, Priscila terminou o ensino médio e fez um curso de corte e costura – Foto: Robert Leal/Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Autoconhecimento

“Àquela altura não sabia quem eu era e não reconhecia meu valor. No centro de recuperação, aos poucos fui me conhecendo, sabendo da importância de se ter um nome, de saber quem a gente é”, diz a ex-recuperanda. Para ela, a Apac foi uma mãe, porém daquelas rigorosas, que impõem limites. “Até que enfim achei um lugar que está me ensinando a ter princípios”, comemorou, ao deixar pela primeira vez o estabelecimento em uma saída temporária e após várias recomendações para que ficasse longe das drogas.

Durante seu tempo na Apac, ela terminou o ensino médio e fez um curso de corte e costura. “Quando estava no regime semiaberto, saía todos os dias para estudar e até comecei a fazer uma faculdade de enfermagem. Hoje, estou quase me formando em instrumentação cirúrgica”, diz orgulhosa. Ela disse que levou para a sua casa os valores aprendidos na Apac e que acredita no poder da metodologia na recuperação de presidiários. “O ser humano precisa ser valorizado”, conclui.

Prisão

“Aos 18 anos cometi um latrocínio… meus pais só se deram conta do que acontecia comigo depois que eu já estava preso”, diz Bruno, condenado a mais de 22 anos de prisão por esse crime. Fruto de uma família desestruturada, cujos pais estavam envolvidos com o tráfico de drogas, Bruno, na época dos acontecimentos, já tinha um filho, cujo crescimento infelizmente ele não pôde acompanhar de perto.

No tempo em que passou na penitenciária, viveu um cotidiano de violência e chegou a participar de cinco rebeliões. Um dia, já sem esperança de que sua vida pudesse melhorar, Bruno foi procurado por Valdeci, diretor da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (Fbac), mantenedora das Apacs, que lhe falou da possibilidade de transferência para um centro de reintegração social da associação. Tal visita havia sido motivada pelo pedido aflito de um pai, preocupado com o destino do filho.

Naquela época, o pai de Bruno cumpria pena na Apac e intercedeu junto a Valdeci, para que seu filho pudesse receber um tratamento digno, assim como ele estava tendo. Logo que chegou ao centro de recuperação e deparou com um jardim, uma quadra e alguns recuperandos tocando violão, Bruno percebeu que estava em um lugar completamente distinto daquele de onde vinha. “Lá fui tratado como um ser humano, fiz cursos, aprimorei a arte do desenho, da qual já gostava bastante”, diz.

Hoje, Bruno é artista plástico e empresário, e emprega outros egressos do sistema prisional – Foto: Robert Leal/Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Disciplina

Porém, como nem tudo são flores, houve um “probleminha” com a disciplina. Rebelde e com sérias dificuldades para adequar-se a horários e tarefas, Bruno, por várias vezes, negou-se a participar de atividades religiosas e a cumprir uma série de exigências impostas aos recuperandos. Um dia, foi seriamente advertido: “Ou você se enquadra nas propostas da associação, ou volta para o sistema prisional”. A rebeldia acabou naquele exato momento.

Hoje, Bruno é artista plástico e empresário, e emprega outros egressos do sistema prisional. Ele pretende expandir seus negócios e cada vez mais possibilitar trabalho para aqueles que também necessitam de mais uma chance na vida. Priscila e Bruno são exemplos de que o tratamento humanizado, nas penas privativas de liberdade, pode gerar resultados mais positivos do que a punição severa em si. Enquanto o índice de reincidência nas Apacs é de cerca de 15%, nos presídios comuns supera os 70%.

Apac

A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) foi criada em 1974, em São José dos Campos (SP), pelo advogado e jornalista Mario Ottoboni. Atualmente, em Minas Gerais, existem 39 Apacs em 35 comarcas do estado. O TJMG apoia a expansão e consolidação da metodologia e a disseminação dos centros de reintegração social, por meio do programa Novos Rumos na Execução Penal.

A metodologia apaqueana é baseada no respeito, na ordem, no trabalho e no envolvimento da família do recuperando, que está sempre por perto. Uma das principais diferenças entre os centros de reintegração social e o sistema prisional comum é que, na Apac, os próprios presos, denominados recuperandos, são corresponsáveis por sua recuperação.

A Apac objetiva a reinserção social do preso, a proteção da sociedade, o apoio às vítimas e a promoção da justiça restaurativa. Para o alcance desses objetivos, aplica-se uma terapêutica penal própria, constituída por 12 elementos fundamentais: trabalho, família, participação da comunidade, espiritualidade, mérito, assistências jurídica e à saúde, ajuda mútua entre os recuperandos, valorização humana, voluntariado, Centro de Reintegração Social e jornada de libertação com Cristo.

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(Fonte: TJMG)

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