Em meio às graves consequências ocasionadas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, inclusive na qualidade da água tratada pelo Saae, o secretário municipal de Educação, Jaider Batista da Silva, tomou uma atitude que muitos consideram como arbitrária e insana. Em um comunicado, o secretário proibiu o uso de água mineral nas creches e escolas municipais, proibiu que as diretoras recebam doações e quer que as doações que já foram recebidas sejam devolvidas ou doadas aos funcionários. “É de profundo nonsense a continuidade do uso de água mineral em nossas unidades educacionais”, diz o comunicado de Jaider Batista. Nonsense é um substantivo inglês que significa sem sentido, absurdo ou contrassenso e indica manifestações contrárias à lógica e ao bom senso.
Com a proibição do uso de água mineral dentro das escolas, cada criança fica, automaticamente, proibida de trazer a água de casa para beber. Vários pais estão indignados e preocupados com o que pode acontecer de agora para a frente. Nenhum deles quis se identificar, temendo perder as vagas dos filhos nas escolas, mas foram unânimes em dizer que discordam plenamente da atitude e que temem pela saúde das crianças. Um empresário da cidade (que também não será identificado) disse, revoltado, que doou água para algumas escolas e que essa atitude do secretário é absurda.
Em entrevista ao Jornal Dário do Rio Doce, no início da tarde desta quinta-feira (27/11), Jaider Batista disse que a intenção é garantir a segurança das escolas e o preceito público relacionado à alimentação. “Nesta semana, começou uma pressão muito grande de doação de água mineral para as escolas. Imagine que naquela semana em que o Saae não tratou a água e que todo mundo ficou desabastecido, nós tivemos seis situações de furto de água em escolas. Então, imagine se as escolas começarem a estocar água mineral? Essa medida foi de segurança e proteção. Outra finalidade foi garantir preceito público segundo o qual nenhuma criança na escola pública leva merendeira nem alimento de casa. Todas têm o mesmo alimento preparado nas escolas. Nós não podemos agora ter essa distinção de criança com água mineral e sem água mineral. Aí há outra dinâmica: alguns pais, movidos pelo medo e intranquilidade que tomou conta de muita gente na cidade, começou a levar a garrafinha de água da criança para a creche. Nós não temos condição de administrar isso, já administramos a alimentação especial para crianças com problemas de saúde. Cada adulto vai ter que administrar o seu medo, seu temor. A escola é o espaço da ciência, ela não pode fomentar superstição. Em cada escola nossa o laudo do Saae está afixado na parede para cada pai e cada mãe, inclusive com cópia fornecida pela diretora.”
Secretário Jaider Batista diz que pais precisam vencer o medo e a superstição contra a água tratada pelo Saae – Foto: Jack Zalcman / Jornal Diário do Rio Doce
Proibição causa revolta
Após o pronunciamento do secretário municipal da Educação, Jaider Batista, por meio de nota divulgada nesta quinta-feira (26), vetando a entrada de garrafas de água mineral vindas de casa pelos alunos nas escolas municipais, alegando que tal medida pelos pais é “supersticiosa”, várias reclamações foram feitas não apenas por pais de alunos, mas pela comunidade em geral, que considerou a decisão do secretário “autoritária” e “ditatorial”. A revolta gerou uma manifestação em frente a uma escola municipal no bairro Altinópolis.
É visível em vários locais, seja em termos presenciais ou pela internet, por meio de redes sociais, a indignação da população com relação à atitude de Jaider Batista. Na reportagem publicada pelo DRD na edição desta sexta-feira, vários entrevistados demonstraram sua insatisfação, e nas redes sociais a medida também foi altamente contestada. No site do jornal, os leitores afirmam que o hábito de mandar água para os filhos de casa para as escolas para o consumo deles [alunos] é antiga, e até pouco tempo era incentivada pelos professores e órgãos de educação, por vários motivos. Em um dos comentários, o leitor chamou a medida de “ditadura”, pois vai contra os seus direitos como cidadão. Já outro leitor, falando sobre os argumentos apresentados pelo secretário Jaider Batista, ressaltou: “Em primeiro lugar, roubo em escola é problema de segurança pública; laudo de qualidade de água é com a Secretaria da Saúde; e quem decide qual água a criança vai tomar são seus pais.”
A revolta da população resultou em uma manifestação na rua do Frigorífico, no bairro Altinópolis, em frente à Escola Municipal Padre Leonardo Senne. Com a proibição, um grupo de aproximadamente 30 pessoas interditou a rua e colocou fogo em pneus. As chamas tiveram de ser controladas por uma equipe do Corpo de Bombeiros.
Caso pode parar na justiça
A indignação diante da decisão do secretário municipal de Educação, Jaider Batista também chegou ao meio jurídico. O advogado Luciano Souto disse que não há respaldo legal para esta proibição e que é preciso uma intervenção do Ministério Público. “Considero a atitude da administração pública de impedir a aceitação de doações de água nas unidades educacionais extremamente lamentável, esdrúxula, sem nenhum respaldo jurídico e violadora da dignidade da pessoa humana. Diante da situação de calamidade instaurada, o que a sociedade espera das autoridades é a adoção de medidas coerentes, razoáveis e eficientes capazes de abrandar os efeitos da lastimável situação de insegurança vivenciada. Quanto a ordem para ceder aos servidores municipais os estoques de água pertencentes às instituições de ensino públicas, considero intolerável, pois além de ilegal, é inegavelmente imoral. O caso requer a adoção das medidas judiciais cabíveis pelo Ministério Público Estadual.”
Opinião semelhante tem o deputado estadual José Bonifácio Mourão (PSDB), que classificou a decisão como uma agressão à Constituição Federal e ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Quando soube desta decisão, imediatamente me pronunciei na Assembleia e juntei o comunicado que ele [o secretário] enviou às escolas ao processo da comissão. A meu ver, a atitude é insana, inadequada para qualquer pessoa, sobretudo para quem ocupa um cargo público, com a agravante de ser secretário de Educação do município. A decisão agride o ECA e a Constituição Federal, mas agride também os pais, as crianças e a toda a comunidade valadarense. É intolerável uma atitude desta natureza, e sei que o Ministério Público com certeza vai se manifestar nos termos legais.”
A promotora da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Valadares, Lourdes Guerreiro da Rosa, informou à reportagem do Diário do Rio Doce que chegou a se reunir com o secretário Jaider Batista, mas o acordo firmado para as crianças poderem levar água mineral de casa não foi cumprido e, por isso, uma ação civil pública será ajuizada. A promotora ressaltou, porém, que se o município resolver voltar atrás na decisão e liberar a entrada da água não será necessária a ação. “Tudo o que não foi proibido por lei é permitido. Isso está na Constituição Federal. O ECA trata da proteção integral à criança e ao adolescente e do risco que os pais entendem que os filhos estão correndo. Não vejo por que proibir as crianças de levarem água de casa. Acho compreensível o receio dos pais, o que se justifica neste momento. Tive uma reunião com o secretário em meu gabinete e nós chegamos a um ajuste: ele permitiria, a partir desta sexta-feira que as crianças levassem água de casa, sob garantia de que os pais assinassem um termo de compromisso se responsabilizando por algum mal que vier a acontecer com os filhos pelo uso da água mineral. Mas tive informação de que ele não cumpriu o acordo. Então, não vejo alternativa a não ser ajuizar uma ação civil pública, a menos que o município reveja a decisão e, por livre e espontânea vontade, volte atrás na decisão. A minha decisão não impede que as outras esferas, como a criminal, por exemplo, possa agir por seus responsáveis”, disse a promotora.
Prefeitura volta atrás
Após a polêmica provocada pela decisão do secretário municipal de Educação, Jaider Batista, de proibir as crianças da rede municipal de ensino de levarem garrafinhas de água mineral para as escolas, o secretário esteve no Ministério Público da Infância e da Juventude e voltou atrás na decisão.
Contudo, segundo a prefeitura, os pais terão de fazer o registro com a direção da escola das crianças que trazerem água de casa. A prefeitura destaca que o “extremo cuidado” se faz necessário porque a qualidade da água e da alimentação e a proteção das crianças no período integral em que elas estão na escola são de total responsabilidade do município.
“A orientação do secretário de Educação às diretoras de evitar o uso de água mineral nas escolas teve o objetivo de preservar responsabilidade do Município com as crianças, pois a água do Saae está em comprovadas condições para o consumo humano e não há meio de se atestar a qualidade nem a origem da água portada pelos alunos”. A nota destaca que quando houve o desabastecimento, na primeira semana, as escolas foram abastecidas por caminhões-pipa com água da Copasa vinda de Ipatinga. Retomada a distribuição de água pelo Saae, as escolas voltaram à normalidade do uso da água, com o preparo de alimentos e o banho com água tratada pelo Saae, “assim como a ingestão da água após filtrada, como sempre foi feito”. “Não há registro de nenhum caso de enfermidade decorrente desse uso da água do Saae pela comunidade escolar”, diz a nota da prefeitura.
(Fonte: Jornal Diário do Rio Doce)
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