A assessora da Subsecretaria de Estado de Vigilância e Proteção à Saúde, Fernanda Carvalho, anunciou à Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que o convênio de utilização de software para controle e monitoramento de infecções hospitalares foi cancelado por não apresentar resultados satisfatórios. A informação foi dada em audiência pública realizada nesta quinta-feira (1º/10/15), a pedido do presidente da comissão, deputado Arlen Santiago (PTB), com o objetivo de debater o problema e os impactos da interrupção do projeto.
Segundo ela, desde que os novos gestores assumiram a pasta no início deste ano, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) vem reavaliando os projetos existentes. Diante disso, fez tratativas com a Sociedade Mineira de Infectologia e com os mais de 70 hospitais da rede estadual para entender o uso do programa e os benefícios para a sociedade.
Fernanda Carvalho explicou que foram enviados questionários para analisar essas informações e que destes, apenas 18 disseram ter o software implantado e apenas nove alegaram que faziam uso das informações. “Nenhum utiliza tudo o que está previsto no edital. Portanto, não há subsídios para saber o impacto do projeto para a população. Consideramos que há dificuldade de manutenção do programa pela falta de resultados. O convênio está cancelado”, afirmou.
A gestora disse, ainda, que a SES tem as informações disponíveis no software e que já existe um sistema de vigilância por parte do governo. “Seria preciso qualificar os profissionais para o uso do software para que as informações fossem repassadas efetivamente para o Estado, mas isso não foi feito”, reforçou.
A coordenadora de Saúde do Trabalhador do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde da SES, Heloísa Duarte, ressaltou que as chamadas bactérias multirresistentes, principais causadoras das infecções hospitalares, são problema de saúde pública. Em sua intervenção, garantiu que as equipes de vigilância têm trabalhado em conjunto com as de assistência. Para ela, de nada adianta ter o software se não houver a sensibilização e a capacitação dos profissionais que atuam nos hospitais.
“O programa não foi implantado adequadamente e não houve treinamento. Isso fez com que não tivéssemos os resultados esperados. O Estado faz o monitoramento e os dados são enviados para as esferas competentes. O software é avançado, mas não se pode dizer que a vigilância não é feita. É falácia”, ponderou.
Parceria – A coordenadora de Investigação e Prevenção de Infecções e Eventos Adversos da SES, Nádia Dutra, relatou que, desde 2010, usa um formulário da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para identificar os eventos de infecção hospitalar no Estado. Desde 2014, essa mesma ferramenta estaria fazendo um levantamento do perfil epidemiológico dos estabelecimentos de saúde mineiros.
Segundo ela, há dificuldades provocadas pela rotatividade das equipes de controle de infecção hospitalar e da falta de empenho dos médicos, que deveriam fazer um uso mais racional dos antibióticos. Em relação ao software, ela criticou o fato de o programa dar o perfil das infecções, mas não especificar o hospital onde a bactéria foi identificada.
Especialistas pedem reavaliação das ações de monitoramento
O médico infectologista e membro da Sociedade Mineira de Infectologia, Carlos Starling, fez uma extensa apresentação sobre a gravidade das chamadas bactérias multirresistentes ou “intratáveis”, que, de acordo com ele, apresentam taxa de letalidade de até 75%.
Em sua participação, ele explicou que a incidência desses microrganismos se dá por aspectos econômicos, sociais e até mesmo climáticos, e que o arsenal terapêutico é limitado. “A disseminação dos microrganismos de resistência é global, o que impede eliminar a situação, além do alto valor dos custos de combate. Serão mais de 50 mil óbitos até 2050 e gastos de quase US$ 100 trilhões em todo o mundo”, alertou.
Ainda segundo o especialista, em Minas Gerais, a projeção anual de infecções é de 131 mil casos. O custo pode ser de até R$ 1,8 bilhão por ano e morrem entre 3 mil e 10 mil pacientes no Estado por essa razão. “As opções terapêuticas não mostram o surgimento de um medicamento para o combate dessas infecções em pelo menos 12 anos. As bactérias não surgem nos hospitais, que apenas evidenciam o problema”, disse.
Ao fazer um histórico do surgimento das bactérias multirresistentes, Carlos Starling lembrou que os genes têm sido encontrados na Índia, que produz aproximadamente metade dos antibióticos no mundo. Ele explicou que as indústrias depositam seus rejeitos nos rios e a poluição ambiental produz mutações que se tornam bactérias quase intratáveis. A disseminação em escala global se dá, segundo ele, por meio dos turistas e do transporte de produtos pelo mundo.
Os riscos de infecção hospitalar estão nas internações por mais de cinco dias, assim como no compartilhamento de ambientes com pacientes infectados. Para resolver esse problema, o médico sugere o uso racional de antibióticos e uma revisão do uso do software de monitoramento.
Ao criticar a atuação do governo na implantação, repasse de recursos, divulgação e capacitação dos hospitais, ele destacou que o processo é lento e não pode parar de forma precoce. “O software é inédito e eficiente, o que falta é preparo dos profissionais para usá-lo. É uma ilusão achar que conseguiríamos implantá-lo adequadamente em quatro anos”, completou.
O presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estevão Urbano Silva, fez coro às palavras de Carlos Starling, além de destacar que o objetivo da entidade é auxiliar no monitoramento dos eventos de infecção hospitalar. Segundo ele, para que se tenha uma boa vigilância sanitária, é necessário multiplicar as informações, assim como incentivar a pesquisa e capacitar as equipes nos hospitais.
Hospital de Contagem apresenta caso de sucesso
O diretor técnico do Hospital Municipal de Contagem, Rodirley Duarte Diniz, testemunhou à comissão o legado positivo da instituição na superação de surto de infecção hospitalar registrado em agosto deste ano. De acordo com ele, o problema foi detectado na UTI, obrigando o hospital a interditar o local, notificar a Vigilância Sanitária e a Fundação Ezequiel Dias, além de promover a capacitação de profissionais. “Estamos há 10 dias sem qualquer evento de infecção hospitalar. A experiência dessa crise nos mostra que o conhecimento científico deve superar o político, e que o acesso à informação é fundamental”, defendeu.
Ao final, o deputado Arlen Santiago (PTB) mostrou-se preocupado com a quantidade de contratos e convênios da SES que vêm sendo interrompidos. Ele citou os exemplos de Minas Novas (Vale do Jequitinhonha), em que um programa para hemodiálise está paralisado, e de Curvelo (Região Central do Estado), onde o serviço de oncologia que também não tem funcionado.
Diante do que foi debatido na audiência, o parlamentar solicitou à SES que defina as estratégias para voltar a pagar os contratos que estão pendentes e um relatório técnico com as razões pelas quais o convênio de monitoramento das infecções hospitalares foi cancelado. “Não podemos simplesmente encerrar o trabalho sem que nada seja pensado. A situação é grave e precisa de medidas de combate”, concluiu.
(Fonte: ALMG)