Brincar de escolinha sempre foi uma das nossas diversões. A escola era com certeza um lugar em que nos sentíamos bem e gostávamos de ficar, pois no nosso tempo livre, adentrávamos a noite com as aulas que de brincadeira, só tinham mesmo o nome. Trabalhávamos muito durante as nossas aulinhas. Todas (geralmente eram meninas) queriam ser “a professora”, mas o tão sonhado “cargo” só nos era permitido se estivéssemos brincando com colegas mais novos, pois esse direito é claro, pertencia ao mais velho, ao que já poderia ensinar algo, orientar as lições, dar castigos, fazer provas orais. Quando não podíamos nos reunir, pois nem sempre era permitido, encontrávamos as nossas maneiras de trazer a sala de aula para qualquer ambiente da casa. No meu caso, era a sala. Juntava todas as cadeiras e as dispunha de maneira organizada: uma atrás da outra. Eram meus alunos.
Como já compartilhei minha afeição pelos livros, desde muito cedo (antes mesmo de saber da existência de sílabas) aprendi a contar histórias para as cadeiras vazias. Nessa época, as histórias contadas não estavam escritas nos livros pelos quais ia correndo os olhos e passando as páginas, após molhar os dedos com saliva, com muita pompa e circunstância. Sinto falta daquela fluência, onde as palavras saíam livremente, imprevisíveis, soltas como lindas borboletas a voar, encontrando-se nos belos jardins das histórias inventadas por crianças. E ai dos alunos que se distraíssem! Algumas cadeiras se moviam para conversar com o colega do lado, no que eram imediatamente advertidas pela professora:
__ Vai ficar de castigo depois da aula!
Dona Irene sempre com alguma outra ocupação, escutava tudo com uma fingida “desatenção”. Lembro-me de vez por outra envolvê-la na brincadeira:
__ Diretora! Pode levar esse menino pra diretoria! Está conversando demais!
Sei que a desatenção dela era fingida, porque já a ouvi contando para as pessoas que eu gostava muito de livro. Que tinha até medo de que eu ficasse doente, de tanto que eu gostava das letras.
Gostava tanto que quando entrei para o jardim, nos primeiros dias de aula, pedi a professora uma folha, fiz umas atividades de pontilhados (hoje sei que é para desenvolver a coordenação motora) e levei para fazer em casa. Cheguei toda orgulhosa, dizendo que era “tarefa”!.
Sempre amei a escola e me lembro com carinho de momentos que passei, e de lições que vão muito além de ler, escrever e contar. Uma dessas lições inesquecíveis, eu aprendi na brincadeira de “escolinha”: Dessa vez, como em algumas outras, a minha prima Renata era a professora. Estávamos todos muito concentrados. Ela sempre foi e continua sendo uma excelente professora. Naquele dia, Renata, que estava uma série escolar à minha frente, trouxe uma novidade:
__ Hoje, vamos aprender sobre a primavera!
E dá-lhe primavera pra cá, primavera pra lá! “A primavera é linda!” “A primavera está chegando!” “Todos gostam da primavera!”. Eu só ouvindo aquilo. Sempre fui muito apegada aos meus amigos, até um pouco ciumenta. Já não estava me sentindo bem naquela aula. Já estava na hora de ir embora e eu com aquela história engasgada.
Cheguei em casa aos prantos:
__ Mãe! Renata não gosta mais de mim! Só tá falando na tal de Vera, quem que é essa prima dela? É minha prima também?
Não me lembro da resposta e nem da reação da minha mãe! Só me lembro de que fui dormir chateada aquela noite, numa confusão de sentimentos: ao mesmo tempo que torcia para que a primavera não chegasse, estava muito curiosa para saber quem era ela, tão linda, tão agradável e que todos gostavam tanto!
QUEM É ROSILENE ÁVILA?
Mãe, esposa, catequista, servidora em escola pública e privada, acadêmica do curso de Administração Pública – UFOP e Cerimonialista na Casa das Festas, em Sabinópolis. Amante da filosofia, das letras, da arte e da ciência política e do comportamento humano.