Ex-prefeito de Januária e empresário são condenados por desvio de recursos públicos

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Fatos aconteceram no município de Januária, norte de Minas Gerais, e envolveram verbas da Codevasf destinadas à construção de barragens para captação de água na zona rural.

O Ministério Público Federal (MPF) obteve a condenação de João Ferreira Lima, ex-prefeito do município de Januária/MG, do empresário Luciano André Magalhães, dono da Construtora Terranorte Ltda, e do engenheiro Eualdo Lima por desvio e apropriação de recursos públicos (crime previsto no artigo 1º, I, do Decreto-lei 201/67). Outro acusado, Joaquim de Oliveira Araújo, então contador da prefeitura, foi condenado por falsidade ideológica.

João Lima e Luciano Magalhães receberam, cada um, pena de 4 anos, 2 meses e 12 dias de prisão.

Já Eualdo Lima foi condenado a 3 anos e 6 meses e Joaquim Araújo a 1 ano, 3 meses e 20 dias de reclusão, mas ambos tiveram as penas privativas de liberdade substituídas por duas restritivas de direito.

O MPF recorreu pedindo o aumento das penas impostas aos réus.

Pagamento por obras não realizadas

A condenação resultou de irregularidades cometidas na execução de três convênios firmados com a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF), no ano de 2002, para a construção de barragens nas comunidades rurais de Sumidouro, Capivara e Marreca, na zona rural de Januária, município do Norte de Minas Gerais.

Em meados de maio de 2004, a prefeitura efetuou três pagamentos à Construtora Terranorte nos valores de R$ 59.766,69, R$ 57.505,52 e R$ 55.044,13, sem que as obras de nenhuma das barragens sequer tivessem começado. Apesar disso, o ex-secretário municipal de Obras, Joaquim de Oliveira Araújo, atestou que os serviços haviam sido realizados.

No final, os pagamentos foram integralmente realizados, mas a realidade é que as obras da Barragem Sumidouro nunca foram iniciadas; as obras da Barragem Marreca foram executadas pela metade, em desacordo com as especificações técnicas e jamais tiveram qualquer funcionalidade; e as obras da Barragem Capivara também só foram executadas parcialmente.

O réu Eualdo Lima Pinheiro, sobrinho do prefeito e ex-sócio da Construtora Terranorte, era o fiscal dos contratos e foi ele quem apresentou falsos relatórios de medição das Barragens Marreca e Capivara, atestando obras não realizadas. Não foi apresentado qualquer relatório com relação às obras da Sumidouro.

Os prejuízos aos cofres públicos da União, em valores atualizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no ano de 2009, ultrapassaram os 460 mil reais.

Na sentença, o juízo da 1ª Vara Federal de Montes Claros/MG afirma que ficou comprovado que a empresa Terranorte “não realizou as obras em sua integralidade, malgrado tenha recebido grande parte dos recursos transferidos ao município”. O magistrado ressaltou inclusive que, embora a empresa tenha devolvido parte da verba [R$ 59.007,59] após notificação da Codevasf, tal devolução não foi “capaz de sanar as irregularidades verificadas na aplicação da verba pública federal”.

Por isso, “Luciano André Magalhães, enquanto sócio-proprietário da Terranorte, concorreu para a prática criminosa ao se apoderar dos valores, mesmo ciente de que consubstanciavam pagamentos indevidos”.

A sentença registra ainda que o conluio que se estabeleceu entre o dono da construtora e o chefe do executivo municipal fica demonstrado pela contratação de Eualdo Lima Pinheiro para a fiscalização das obras: “A atuação de Eualdo se apresentou indispensável ao sucesso da trama engendrada, já que o referido servidor, que possuía relações profissionais e de parentesco, respectivamente, com Luciano André e João Ferreira Lima, já que funcionário do primeiro e sobrinho do segundo, foi responsável pela realização de medições fraudulentas referentes às obras, que tinham por finalidade dar ares de legalidade aos pagamentos efetuados”.

Recurso

O MPF também denunciou os réus pelo crime de fraude à licitação previsto no artigo 90 da Lei 8.666/93. Segundo a denúncia, houve manipulação do procedimento licitatório para direcioná-lo à contratação da empresa Terranorte.

O magistrado, no entanto, absolveu-os, por entender que não teria ocorrido nenhuma fraude.

O MPF recorreu dessa absolvição, demonstrando que, ao contrário do que afirma a sentença, há provas suficientes que demonstram a prática de diversas irregularidades, entre elas o fato de os procedimentos licitatórios terem sido realizados 18 meses antes da própria liberação dos recursos. Os respectivos Planos de Trabalho aprovados pela Codevasf previam que as licitações somente poderiam ser deflagradas após essa liberação.

Também em desrespeito aos Planos de Trabalho, os réus inseriram nos contratos cláusulas que previam o pagamento antecipado das obras, o que, para o MPF, somente se explica pela predisposição dos “acusados ao ulterior desvio dos recursos públicos”.

O recurso ainda aponta irregularidades na formulação dos convites, no cadastramento e na habilitação das empresas e no julgamento das propostas. “Verifica-se que todas as propostas das empresas habilitadas são datadas de 29/12/2002, quando as mesmas ainda não eram cadastradas na Prefeitura de Januária. Não se explica, assim, por que os documentos elencados nos itens 3.1.1.1. a 3.1.1.5. dos editais não foram apresentados com a habilitação. Por outro lado, se, conforme os editais, a sessão de habilitação e julgamento dos certames seria realizada – como de fato se realizou – às 09:00 horas do dia 30/12/2002, como puderam as 05 citadas empresas submeter-se a todo o processo de cadastramento, no mesmo dia, antes das 09:00 horas? Se, de fato, os representantes legais das citadas empresas dirigiram-se à Prefeitura de Januária no dia 30/12/2002, bem cedinho, para cadastramento, por que não se fizeram presentes, ato contínuo, à sessão de habilitação e julgamento das licitações?”, questiona o Ministério Público Federal, para acrescentar que, na verdade, tais cadastramentos não passaram de “engodo”.

O próprio controlador interno do Município afirmou, durante a instrução processual, que ” não existem nos arquivos da Prefeitura de Januária quaisquer documentos relativos a empresas cadastradas, tampouco a existência do próprio cadastro”.

Auditoria técnica feita pela Controladoria-Geral da União (CGU) já havia apontado provas do ajuste entre as empresas participantes do certame para beneficiar a Construtora Terranorte, uma delas o fato de que as propostas apresentadas possuíam o mesmo layout e idêntico teor textual, o que, segundo o recurso, indicaria a “elaboração conjunta das propostas”.

Na sentença, o magistrado afirmou que a identidade de layout teria decorrido do fato de as empresas terem recebido um formulário padrão da prefeitura para mero preenchimento.

No entanto, durante o interrogatório judicial, uma das acusadas afirmou expressamente que “os editais e as planilhas de preços eram entregues às empresas em meio físico, não havendo, à época, formulário eletrônico padronizado a ser preenchido pelas concorrentes quando do envio das propostas à CPL”. Outro acusado, proprietário de uma das empresas que participou da licitação, também afirmou “que retirara os editais e as planilhas na Prefeitura de Januária/MG em material impresso, pelo ‘modo antigo’ – em que as empresas não se valiam de modelos eletrônicos para o envio das propostas”.

Além disso, foi detectado que os preços de cada subitem das propostas continham valores com variações percentuais absolutamente idênticos, com convergência até nos centavos. E o mais interessante é que as licitações não representaram qualquer economia de recursos públicos como normalmente acontece numa real disputa, pois as empresas tendem a baixar os preços para conseguir o contrato: as propostas vencedoras, todas da Terranorte, eram absolutamente idênticas ao valor de cada convênio.

O recurso pede a reforma da sentença para condenar, pelo crime de fraude à licitação, os empresários Luciano André Magalhães, Luiz Eduardo Fonseca Mota e Simão Geraldo Campos e os então servidores municipais Ricardo Teixeira de Almeida e Nair Guedes Carvalho (que integravam a Comissão de Licitação à época dos fatos) e Willer Santos Ferreira (advogado da prefeitura que deu os pareceres jurídicos aprovando as licitações).

O ex-prefeito Josefino Lopes Viana, em cujo mandato foram assinados os convênios e realizadas as licitações, teve a punibilidade extinta por ocorrência de prescrição.

(Fonte: Ministério Público Federal em Minas Gerais)

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