MPF arquiva representação contra construção de estátua religiosa em Itanhomi

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Não ficou provado o uso de recursos públicos, nem lesão ao erário. Tampouco foi aceita a tese de que tal obra violaria a laicidade do Estado.

O Ministério Público Federal (MPF) arquivou representação oferecida pela Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) contra a construção de uma estátua com a imagem do Sagrado Coração de Jesus, na cidade de Itanhomi, situada na região Leste de Minas Gerais.

Segundo a representação, a obra violaria a laicidade do Estado, porque seria custeada com recursos públicos. A Atea apontou ainda possível favorecimento à religião cristã, ao questionar se outras religiões minoritárias receberiam do Poder Público o mesmo tratamento.

Para o MPF, os argumentos são improcedentes, especialmente porque partem de um entendimento equivocado quanto ao significado da laicidade estatal. “A regra do Estado laico não pode pretender impedir o exercício pleno da religiosidade das pessoas”, pois “sua relação com atividades religiosas não é a de afastamento, mas sim de proteção”, afirma o procurador da República Bruno Magalhães.

Segundo ele, a norma do artigo 19 da Constituição Federal “existe para, entre outras coisas, proteger as práticas religiosas contra tentativas – tão costumeiras como indevidas – de desqualificá-las ou de impor-lhes limitações que não se impõem com justiça a outras atividades similares”. Da mesma forma, “o Estado laico não é destinado, nem principalmente, nem exclusivamente, a proteger ateus e agnósticos de eventual contato e convivência com o fenômeno religioso”, mas sim precaver a sociedade de uma indevida ingerência estatal nesses assuntos.

Lesão não provada

O próprio emprego de recursos públicos na construção da estátua não se confirmou, pois, segundo a representação, algumas pessoas da cidade é que estariam tentando obter parte dos recursos com parlamentares eleitos na região. Além disso, não há qualquer indício de ter havido ofensa aos princípios da administração pública ou prática de atos causadores de lesão ao erário.

O MPF afirma que não há também “qualquer informação sobre eventual participação da Diocese de Governador Valadares, das paróquias de Itanhomi ou da região, de bispos ou de padres nessa empreitada”, o que indica tratar-se de “iniciativa popular, de caráter artístico-cultural e vagamente piedoso, com potencial para fomentar o turismo na região”, e compara tal iniciativa com a prática disseminada entre as prefeituras da região de realizarem eventos festivos com recursos públicos.

De acordo com o MPF, algumas pessoas podem discordar da opção feita por prefeitos, por deputados e por parcela significativa da população, de gastar o dinheiro público com festas e shows. Porém, se tal opção é legítima, “por que o município de Itanhomi/MG, a título de fomentar o turismo na região, pode gastar R$ 60.000,00 na apresentação de uma hora e meia da Banda Suco de Tomate, R$ 110.000,00 na de Eduardo Costa e Banda e R$ 125.000,00 na de Leonardo, e não pode ajudar, em parte, no custeio da construção de uma estátua do artista plástico Evandro di Caetano – ou de outro que venha a ser contratado – que antes mesmo de ser iniciada já despertou o interesse de gente da capital paulista?”

O MPF lembra que, prevalecendo o entendimento que motivou a representação, qualquer artista plástico que se dedique à arte sacra estaria impedido de ter acesso aos recursos públicos da Lei Rouanet, e obras de Caravaggio, Aleijadinho, Dante Alighieri e Leonardo da Vinci não poderiam ser expostas e teriam de ser banidas das escolas públicas.

Além disso, “considerando que o Brasil é um país de maioria cristã, não vejo como o Estado, no fomento da cultura e do turismo, deva desconsiderar esse detalhe no traçado de alguma parte, por pequena que seja, de suas políticas públicas”, porque, enquanto o “Estado tiver entre suas atribuições o fomento da cultura e do turismo, não poderá ele, a pretexto de resguardar seu caráter laico, discriminar a arte popular religiosa pelo fato de ser religiosa; nem excluir do patrocínio estatal manifestações culturais pela circunstância de fazerem referência a símbolos ou a elementos de religião que seja parte da cultura brasileira”.

Ao arquivar a representação, o MPF oficiou à Prefeitura Municipal de Itanhomi/MG, recomendando o cumprimento obrigatório das disposições da Lei Federal 8.666/93, caso a projetada construção da estátua venha a ser custeada com verbas públicas.

(Fonte: Ministério Público Federal em Minas Gerais)

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