Priscila Capovilla cursava a faculdade e tinha 20 anos quando ficou grávida da filha. A gestação não foi planejada. Por isso, pouco tempo depois do parto, a jovem decidiu que não passaria por uma situação como aquela novamente e começou a tomar a pílula anticoncepcional. Após 20 anos, a analista de tecnologia da informação é uma entusiasta do método contraceptivo e garante que manterá o uso até que o desejo de ter um outro filho apareça.
“Tive minha filha, mas acabei não ficando com o pai dela. Penso em ter mais filhos se me casar e tiver alguém para criá-lo comigo. Gostaria de ter pelo menos mais um filho”, disse Priscila. “Acho ótima a possibilidade de planejar. A gente fica mais segura. Uma gravidez indesejada pode complicar muito a vida de uma pessoa”, acrescentou.
A professora Carla Simone Castro, 41 anos, também fez uso da pílula anticoncepcional, mas tem uma história bem diferente para contar. Após seis meses utilizando a medicação, recomendada por uma ginecologista, ela sentiu fortes dores de cabeça seguidas de três acidentes vasculares cerebrais. Como sequela, Carla ficou 60 dias cega, 45 dias sem o movimento dos braços e pernas e com a fala comprometida.
“Nunca tinha usado anticoncepcional. A médica me indicou para diminuir as cólicas. Conversei muito sobre o risco de trombose que continha na bula, mas ela garantiu que, em 20 anos, não teve conhecimento de nenhum caso”, explicou. Carla enfrentou 67 dias de internação, sendo sete em uma unidade de terapia intensiva. Hoje, menos de um ano depois, ela precisa tomar remédio anticoagulante e tem fístulas no cérebro que podem se romper a qualquer momento.
Casos como o da professora, com mutação genética e um risco aumentado para trombose, são raros, segundo a presidenta da Comissão Nacional de Anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, Marta Finotti. Ao comentar os 55 anos do surgimento da pílula anticoncepcional, completados esta semana, ela lembrou que o medicamento evoluiu muito e que os riscos para as pacientes já foram bem maiores.
“Tivemos grandes mudanças, com uma redução significativa das doses dos componentes, principalmente do estrogêneo. Atualmente, temos uma grande variedade de pílulas, desde as hormonais combinadas, com estrogêneo e progesterona, às pílulas só com progesterona e com estrogêneo natural no lugar do sintético. São avanços muito significativos na redução dos efeitos adversos.”
Para a ginecologista e integrante da Associação de Ginecologia e Obstetrícia de São Paulo, Cristina Benetti, a entrada da pílula anticoncepcional no mercado possibilitou às mulheres maior dedicação à vida profissional, liberdade de escolha e mudanças nos hábitos sexuais. Ela ressaltou, entretanto, a importância da orientação médica especializada e de se fazer um histórico clínico cuidadoso de cada paciente antes de prescrever o medicamento.
“Olhamos o histórico familiar, hábitos como tabagismo, características de obesidade, doenças associadas como hipertensão, diabetes e síndrome metabólica. Com esse histórico clínico, temos condição de avaliar se a paciente tem alguma contraindicação para a pílula. Não é necessário exames complementares para rastrear predisposição à trombofilia. Não é custo efetivo e não é clinicamente viável.”
A gerente-geral de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Maria Eugênia Cury, esclareceu que, como a pílula anticoncepcional tem como base hormônios com certo tipo de risco, o medicamento é do tipo tarja vermelha e não tem venda livre no Brasil.
“Para que a mulher possa ter acesso aos anticoncepcionais, é preciso passar por avaliação do médico”, disse. “O papel da Anvisa é registrar o produto e fazer a análise. E a gente monitora. Temos um sistema para receber notificações de eventos adversos e informativos e alertas com informações sobre anticoncepcionais.”
Socióloga e assessora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Jolúzia Batista também avaliou a pílula como uma espécie de revolução no comportamento feminino, sobretudo ao propor a alternativa de relações sexuais livres, sem a imposição de um relacionamento ou de um casamento.
“Mesmo assim, 55 anos depois, ainda existe uma parcela de mulheres, a maioria da periferia e com baixa escolaridade, que não tem acesso à informação nem ao anticoncepcional. Conhecemos mulheres que acham que o uso da pílula não deve ser continuado e que só tomam, por exemplo, no dia em que vão ter relação sexual. Há um longo caminho a percorrer para que a pílula consiga cumprir o papel a que se propôs de contraceptivo”, destacou. (Agência Brasil)