Em pelo menos 12 municípios, eleitores tiveram que voltar às urnas; em outros cinco, devem assumir os segundos colocados
Dois anos depois de escolherem seus prefeitos, os eleitores de cinco municípios mineiros – Campo Belo, Frei Inocêncio, Ibiaí, Itaú de Minas e Nova Lima – ainda convivem com a expectativa de mudanças no comando da Prefeitura. É que os prefeitos e vice-prefeitos desses municípios foram cassados por sentenças de primeiro grau já confirmadas pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), mas eles recorreram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e aguardam julgamento. Se o TSE confirmar a cassação, os segundos colocados nas eleições assumem o mandato até 2016.
Em outros três municípios, Ipiaçu, Jampruca e São Sebastião da Vargem Alegre, onde os eleitos cassados obtiveram mais de 50% dos votos válidos, foi necessário realizar novas eleições e os eleitos já se encontram no exercício do cargo.
O motivo principal e comum a todos esses oito casos foi a prática de abuso de poder econômico e político, por meio da utilização da máquina administrativa e de recursos públicos para obter votos de eleitores. Também houve compra de votos, captação de recursos ou gastos ilícitos na campanha, o chamado “caixa dois”, e a prática de condutas vedadas pela lei eleitoral, como contratações de servidores municipais sem concurso público e em período eleitoral.
Para o procurador regional eleitoral em Minas Gerais, Patrick Salgado Martins, “aos poucos, a população vai aprendendo a discernir o caráter nefasto de algumas práticas, infelizmente rotineiras em grande parte de nossos municípios, a exemplo da troca de votos por benesses, como doação de combustíveis, favorecimentos pessoais e atendimentos médicos”.
Ele exemplifica com o caso de Ipiaçu, município da região Sudoeste do estado, onde o prefeito Urbino Capanema Júnior e seu vice, Antônio Celso de Oliveira Júnior, reeleitos, perderam os cargos e estão inelegíveis por oito anos por motivo de compra de votos, distribuição gratuita de bens [conduta vedada aos administradores públicos, conforme artigo 73, § 10, da Lei 9.504/97] e abuso de poder econômico. Eles usaram dinheiro público para distribuir combustível a eleitores e cabos eleitorais, o que foi comprovado por 341 cupons fiscais juntados ao processo, que, por sua vez, estavam vinculados a recibos que detalhavam os abastecimentos no posto de combustível da cidade, o nome da pessoa que autorizava o abastecimento e o nome do eleitor beneficiado.
No parecer apresentado no recurso julgado pelo TRE-MG, a Procuradoria Eleitoral lembrou que “o gasto total em combustíveis atingiu R$ 25.741,24”, dinheiro que, além de caracterizar abuso de poder econômico, ainda saiu dos cofres públicos.
Em Campo Belo, município do Oeste de Minas, o abuso foi realizado por meio da rede pública de saúde. Segundo o acórdão do TRE-MG, que manteve a sentença do juízo eleitoral da 64ª Zona Eleitoral, “Os mandatários se apropriaram de um serviço público e o entregavam à população como se fosse favor pessoal, o que seria, posteriormente, retribuído nas urnas”. O esquema consistiu no agendamento de centenas de procedimentos médicos custeados com verbas públicas: parte provinha de recursos da saúde repassados pelo Estado; parte originava-se de repasses da Câmara Municipal ao caixa único do município. Por isso, além do prefeito e vice-prefeito, também foram cassados oito vereadores, todos integrantes da base aliada ao Poder Executivo.
Em São Sebastião da Vargem Alegre, na Zona da Mata Mineira, um vereador também foi cassado juntamente com o prefeito, Eloiz Massi, e a vice-prefeita, Cristiani Oliveira Pinto, ambos reeleitos. Segundo a decisão judicial, ficou comprovada a captação ilícita de votos por meio da doação de dinheiro a uma eleitora em troca de seu voto e de sua família.
A saúde também foi moeda de troca no município de Frei Inocêncio, no Vale do Rio Doce, região Leste do estado, cujos prefeito e vice-prefeito reeleitos também foram cassados por abuso de poder político e econômico.
Segundo o acórdão do TRE-MG, Carlos Vinício de Carvalho Soares, na condição de prefeito e médico, realizava atendimentos no hospital público da cidade ilegalmente [porque é proibida pela Constituição Federal a acumulação do cargo de prefeito com o exercício de outro cargo público] e, nessas ocasiões, nunca deixava de pedir, explicitamente, o voto e o apoio dos beneficiados. Além disso, o prefeito distribuiu auxílio financeiro, cirurgias e exames médicos, por meio de cheques emitidos pela prefeitura, para custear tratamentos de eleitores em outras localidades. Não havia nenhum tipo de controle no uso desses recursos, nem era exigida prestação de contas. Também foram distribuídas próteses dentárias.
Além disso, foram efetivadas 248 contratações temporárias de servidores no ano de 2012. Em seu parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral afirmou que “as contratações temporárias causam um estado de submissão dos contratados em relação ao Chefe do Executivo para garantir seus empregos, em razão da insegurança gerada pela precariedade dos contratos, que podem ser rescindidos a qualquer momento”, o que, por si só, teve potencial para gerar desequilíbrio considerável no resultado da eleição, já que a diferença entre o primeiro e o segundo colocados foi de apenas 161 votos.
Aliciamento de servidores municipais aconteceu também em Jampruca, município do Vale do Rio Doce, leste de Minas Gerais. A concessão de gratificações a servidores da prefeitura em troca de pedido de voto motivou a perda do mandato de Renato Vieira Cacique, prefeito, e Adelmo Amâncio Carreiro, vice-prefeito. Eles foram condenados por abuso de poder econômico e dos meios de comunicação, além de captação ilícita de sufrágio.
Distribuição de cestas básicas
A compra de votos por meio da distribuição de cestas básicas e de vales-compras motivou a cassação de Norival Francisco de Lima e Nísio Antônio Lima, respectivamente, prefeito e vice-prefeito eleitos de Itaú de Minas, município do sudoeste do estado. O abuso de poder econômico também ficou evidenciado pelo transporte de eleitores no dia da eleição e pelo custeamento de passagens e combustíveis.
Em Ibiaí, Norte do estado, o abuso de poder econômico e o chamado caixa 2 motivaram a cassação dos mandatos de Sandra Maria Fonseca Cardoso e Kleber Henrique de Freitas Martins. Citando parecer da Procuradoria Eleitoral, o TRE-MG citou a realização de vultosos gastos na campanha não declarados à Justiça Eleitoral, não transitados em conta bancária específica e, ainda, desprovidos dos respectivos recibos eleitorais e afirmou que a conduta é ainda mais grave por ter se dado em um município de pequena dimensão e com eleitorado de apenas 6.281 eleitores.
Por fim, o abuso de poder econômico e político e a captação ilícita de recursos para a campanha eleitoral também motivaram a cassação do prefeito e da vice-prefeita eleitos de Nova Lima, município da região Metropolitana de Belo Horizonte. Cássio Magnani Júnior e Maria de Fátima Monteiro Aguiar tiveram seus mandatos cassados por terem se beneficiado de atos praticados pelo então titular do cargo, que usou a máquina pública em favor de seus candidatos. No ano de 2012, a menos de um mês das eleições, a prefeitura de Nova Lima expediu inúmeros decretos de permissão de cessão de uso de imóveis públicos por particulares, tendo ainda concedido permissão de uso de um terreno público para construção da sede da Igreja Quadrangular. O acórdão do TRE-MG, citando a sentença de 1º grau, lembrou que, após receberem os lotes, os pastores da entidade deixaram de apoiar o candidato adversário do prefeito, sendo “indubitável a influência que a opinião deles exerce sobre os membros da igreja”.
A expectativa da Procuradoria Regional Eleitoral é que as decisões da Corte mineira sejam mantidas pelo TSE e que elas possam ter um efeito pedagógico para as eleições de 2016. “É dever indeclinável de todo cidadão acompanhar e fiscalizar a atuação das nossas autoridades e essa prática pode começar pelo próprio município, até pela proximidade e conhecimento maior que o eleitor tem de seus representantes. Quanto mais limpas as eleições, mais efetividade teremos no combate à corrupção”, afirma Patrick Salgado.
Saiba mais
– No total, em relação ao último pleito municipal, 12 municípios mineiros tiveram de voltar às urnas para escolher novos prefeitos. Além das três eleições deste ano, em 2013 já haviam sido realizadas eleições suplementares em Água Boa, Biquinhas, Cachoeira Dourada, Diamantina, Mathias Lobato, Montezuma, Santana de Cataguases, Santa Helena de Minas e São João do Paraíso.
– Além das cassações por abuso de poder, também foi negado o registro de candidatura do prefeito eleito de Ouro Preto, José Leandro Filho e de seu vice, Francisco Rocha Gonçalves, em virtude de inelegibilidade resultante da rejeição de contas pelo TCE confirmada pela Câmara Municipal. Na prática, a negativa do registro resultou na cassação do mandato, mas o prefeito obteve liminar junto ao TSE e permanece no exercício do cargo.
(Fonte: Ministério Público Federal)