Veja como foi a saga do longo caminho, o mais distante que se pode ir de ônibus em Minas Gerais
As curvas de asfalto e terra que seguem o contorno do Rio Jequitinhonha, em direção à sua foz, na Bahia, formam um caminho sofrido e longo, o mais distante que se pode ir de ônibus em Minas Gerais, saindo do Terminal Rodoviário Governador Israel Pinheiro (Tergip), em Belo Horizonte. São 865 quilômetros cumpridos em praticamente 16 horas, entre BH e Salto da Divisa, no transporte de cada vez menos pessoas para os municípios da região do vale conhecido por sua pobreza e cultura tradicional. O Estado de Minas embarcou nesta viagem para mostrar o percurso e os passageiros dessa jornada desgastante. Gente que traz, além da bagagem, a saudade de parentes que há muito não veem e as memórias de tempos deixados para trás em busca de sorte melhor na capital. Sentimento que dá coragem para enfrentar o desconforto dos solavancos, a poeira que invade o ônibus, os enxames de pernilongos e a precariedade das paradas.
As estradas desse trajeto, as BRs 381, 116 e 367, foram estigmatizadas pela violência de acidentes. Mas, para muitos que evitam a BR-381, que foi apelidada de Rodovia da Morte por causa do alto índice de desastres viários, e que consideram ser incômodo rodar pela estreita e movimentada BR-116, ingressar na BR-367, que vai de Almenara para Salto da Divisa, pode ser uma experiência ainda pior e mais perigosa. São praticamente 40 quilômetros de pavimento deteriorado, com buracos profundos, animais na pista e 60 quilômetros de terra batida. Para se ter uma ideia da dificuldade desse deslocamento, até Almenara a velocidade média do ônibus é de cerca de 60km/h. No trecho final, de lá até Salto da Divisa, o ônibus não consegue desenvolver mais do que 33km/h, um rendimento 45% pior.
Entre Almenara e Salto da Divisa, o calor e a poeira incomodam os viajantes – Foto: Beto Novaes/EM
O descaso vem de muitos anos. “Lembro-me de quando Juscelino Kubistchek inaugurou a rodovia há 60 anos, montado num trator. De lá para cá houve várias promessas de asfaltamento que nunca se concretizaram”, afirma um dos mais idosos moradores de Salto da Divisa – cidade de 7 mil habitantes, o médico Bolivar Oliveira, de 82 anos.
E o que deixa irritados o médico e outros moradores de municípios que dessa via dependem, como Jequitinhonha, Jacinto e Santa Maria do Salto, é que em vez de pavimentação as máquinas do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) têm apenas espalhado cascalho e nivelado a estrada de terra, numa forma de paliativo. Segundo a assessoria do departamento, os projetos executivos de pavimentação da rodovia estão em fase de conclusão, sendo que o primeiro lote, entre Salto da Divisa e Almenara, deverá ficar pronto em outubro. “Portanto, no início de 2015 os projetos já estarão aptos a ter editais publicados para contratação das obras”, espera o órgão.
Por isso, cada vez menos gente encara o trecho que vai além de Almenara. “A maioria dos passageiros dessa linha só segue até Jequitinhonha e Almenara. Poucos seguem até Salto da Divisa”, afirma o cobrador Joilson Pereira de Oliveira, de 25 anos. “Muitos preferem ir a Porto Seguro (173 quilômetros) e de lá embarcar num avião para Belo Horizonte (1hora e 30 minutos de voo). É mais rápido, menos sofrido e a passagem pode custar apenas R$ 90 se for comprada com antecedência, enquanto a de ônibus custa R$ 216”, compara o motorista Rodiney Pinheiro de Oliveira, de 63. Apenas ele e o também motorista Louzinho Floriano, de 68, enfrentaram as 16 horas de BH a Salto da Divisa, na viagem acompanhada pela reportagem, no último domingo.
Trecho entre Almenara a Salto da Divisa tem sol forte e poeira
A imagem do ônibus antigo, de pintura encardida de poeira, bancos desbotados, com pedaços do acabamento se desprendendo do piso e dos encostos das janelas, invoca a sensação de que o desconforto das 14 horas de viagem entre Belo Horizonte e Almenara era só o começo. Para encarar os 100 quilômetros restantes, até Salto da Divisa, as malas dos passageiros são levadas do ônibus executivo para esse modelo mais antigo e resistente. Segundo os motoristas, as suspensões modernas, de bolsas de ar, não resistem aos buracos e à poeira, necessitando de um sistema de molas de metal.
Logo na saída, o calor intenso, de cerca de 36 graus, obriga os passageiros a abrir todas as janelas do ônibus e até os dois alçapões do teto. Com isso, a ventania da viagem faz as cortinas tremularem bruscamente, num ruído forte e contínuo, acompanhada pelo bater de peças e das janelas causado pela trepidação. Ao sair da cidade e entrar novamente na BR-367, a paisagem começa a mudar para cenas típicas do interior pobre do Vale do Jequitinhonha. Do lado esquerdo, a estrada esburacada acompanha o rio que dá nome à região e suas águas barrentas, muito rasas por causa da seca. Do lado direito aparecem pastos secos salpicados pelo gado branco que se alimenta. Manchas negras de queimadas intercalam a vegetação e os casebres feitos de pau a pique e de telhas rústicas de barro de coxa – assim chamadas por serem confeccionadas usando as pernas como forma. Em alguns vilarejos ainda se veem vendas de beira de estrada expondo em varas grandes pedaços de carne seca coberta de mosquitos e da poeira da estrada.
Um dos motoristas que faz o trajeto, Anagildo de Oliveira, de 52 anos, conta que os buracos no asfalto e as outras irregularidades do pavimento não são o maior perigo que os passageiros correm nesse trajeto. “Às vezes, quem está nas poltronas não vê, mas a gente passa por muitas situações que poderiam acabar num acidente”, afirma. Em oito anos fazendo o trecho, ele conta que é comum encontrar animais soltos na pista, pastando o mato dos acostamentos e atravessando de um lado para o outro da pista. “A gente precisa reduzir e sinaliza para os outros motoristas. Já aconteceu de um dos bichos desembestar e eu ter de desviar. Mas, com tanto solavanco, o passageiro mal percebe a manobra mais brusca”, conta.
Acidentes também são frequentes, principalmente devido à estrada ser estreita e ainda cruzar córregos e rios secos nesse período, por três pontes de madeira que permitem a passagem de um veículo por vez. “Já ajudei muita gente que se acidentou. Não me sai da cabeça um casal que bateu num caminhão. A passageira morreu e nós ajudamos o motorista, sinalizamos a estrada, mas foi só o que pudemos fazer”, lamenta.
Cada caminhão que passa pela parte de terra da estrada lança nuvens de poeira para dentro do ônibus. Os olhos dos passageiros ardem. Muita gente tosse sem parar. Mas ninguém se arrisca a fechar as janelas, já que mesmo com a ventania o calor ainda é muito forte. Ao final da jornada, ao descer na rodoviária de Salto da Divisa, o suor e a poeira vermelha se transformam em manchas de barro nas roupas das pessoas.
(Fonte: Estado de Minas)
Adorei a reportagem , perdi a conta de quantas vezes fiz esse trajeto,,,,,,Eta saudade!!!!