Como outras cidades do semiárido mineiro, o município de Pai Pedro – de 5,9 mil habitantes, a 582 quilômetros de Belo Horizonte, no Norte de Minas, sofre com a seca. A cidade tem cerca de 400 famílias que precisam ser abastecidas diariamente e a prefeitura tem dificuldade para atendê-las, já que conta somente com um caminhão-pipa. A saída para amenizar o problema é a perfuração de poços tubulares. Além da escassez de água doce na superfície, Pai Pedro enfrenta outro drama: a água subterrânea da região é salobra (tem alta concentração de sal), sendo imprópria para o consumo. Dessa forma, surgiu um novo comércio na cidade: a venda de água potável.
Todos os dias, o agricultor Santos Mendes da Silva, de 48 anos, deixa o seu sitio e desloca 15 quilômetros até a sede do município, dirigindo um trator, que puxa uma carretinha carregada com tambores d´água. A população recebe água tratada em casa. Só que água, captada em poço tubular, tem excesso de sal e não serve para matar a sede. Assim, a saída encontrada pelos moradores é comprar água doce ou, então, buscar o produto em Porteirinha, a 25 quilômetros de distância, medida adotada por aqueles que têm carro.
Seca castiga o município de Pai Pedro – Foto: Solon Queiroz/Estado de Minas
O drama de Pai Pedro se repete em outros lugares, atingindo, sobretudo, moradores da zona rural. A situação é comum, principalmente, na área de clima semiárido, onde 70% das águas subterrâneas são consideradas salobras ou salinas, ou seja, têm uma quantidade de sais dissolvidos (entre 0,5 e 30 gramas de sais por litro) superior à água doce e inferior à do mar. De acordo com informações do Ministério do Meio Ambiente (MMA), dos 85 municípios do Norte de Minas, vales do Jequitinhonha e Mucuri que estão dentro do semiárido, 60 apresentam lençóis freáticos contaminados por concentrações de sais que impossibilitam o consumo humano e animal.
O secretário municipal de Agricultura de Pai Pedro, Hamon Ferreira de Souza, relata que o problema é tão sério que, há quatro meses, a prefeitura conseguiu recursos e perfurou um poço tubular na comunidade rural de Salinas 5. O poço seria a solução para o abastecimento das 22 famílias do lugar. “Mas, a água subterrânea é tão salgada e apresenta tanto calcário que não teve nem como equipar o poço”, lamenta. “O jeito continuar enviando a água no caminhão-pipa”, acrescenta Hamon. Ele disse que a prefeitura não está conseguindo atender a demanda de água para os flagelados da seca. “Temos somente um caminhão-pipa rodando no município. Para atender todas as famílias necessitadas nesta época, precisamos de pelo menos 10 caminhões”, disse.
O Governo Federal anunciou o Programa Água Doce, para instalar dessalinizadores em 69 comunidades mineiras. Pai Pedro está na lista dos municípios a serem beneficiados. Mas, enquanto o programa não sai do papel os moradores se viram como podem para ter água doce em casa.
A própria prefeitura da cidade providencia a busca água doce em carro-pipa e outros veículos em Porteirinha para o atendimento de creches e escolas e para o consumo dos funcionários de suas repartições. Comerciantes da cidade adotam o mesmo mecanismo. É o caso de Alvelina Gomes, a “Nenzinha”, dona de um restaurante em Pai Pedro. A comerciante conta que um sobrinho dela busca água doce, de carro, a oito quilômetros de distância. “É o jeito. A água que recebemos aqui não serve para cozinhar. Só presta mesmo para o banheiro e para limpar o chão”, lamenta a mulher.
Moradores que não têm carro para transportar água de uma localidade vizinha precisam recorrer ao serviço “delivery” de Santos Mendes, que todas as manhãs carrega 10 tambores de 240 litros cada (total de 2.400 litros). “As pessoas ligam para meu celular e eu entrego a água”, afirma Santos, que faz a captação de água doce que “brota” de uma serra nas proximidades do seu sítio.
Ele cobra R$ 15,00 pelo tambor de 240 litros. “Mas, não vendo água. Cobro somente pelo serviço de levar água até a cidade”, despista Santos, que faz o “serviço” há 20 anos e de lá pra conseguiu melhorar de vida. “Eu gosto de servir o povo e ao mesmo tempo, (as pessoas) me ajudam também”, completa. Ele disse que fatura em torno de R$ 800, 00 por mês.
A biomédica Vanessa Moraes Santos, de 31 anos, é uma das pessoas de Pai Pedro que compram água doce. Ela conta que chegou à cidade recentemente e que desconhecia o problema com a água que chega as casas. “Eu não sabia que existia isso aqui. Usei a água (da tubulação) para cozinhar, mas a comida ficou escura e com um gosto ruim”, diz Vanessa, acrescentando que também usou a água salgada para dar banho no filho Adones, de dois anos, e a criança teve alergia nos braços e no cabelo. “A água salobra não serve pra nada”, reclama a biomédica.
Outra moradora que compra água é Geralda Neres de Souza, de 59 anos. Ela conta que mora somente com uma filha. O tambor de 240 litros dá para beber o consumo (beber e cozinhar) durante um mês. “Uso a água salobra para lavar roupas. Mas, como a água tem muito sal, a roupa fica muito dura e a gente tem que usar amaciante”, relata. A lavradora Terezinha Angélica dos Santos também compra água doce e conta que já chegou a ferver a água salobra, na tentativa de retirar o excesso de sais.
Como reconhece o próprio vendedor Santos Mendes, “existem pessoas em Pai Pedro que não tem um salário suficiente para comprar água e, muitas vezes tem que beber água salobra ou passam sede”. A aposentada Leonor Maria de Jesus, de 58 anos, enfrenta dificuldades financeiras. Todos os dias, por diversas vezes, ela caminha por cerca de 500 metros e vai até o Rio Serra Branca para apanhar água, que carrega em tambores, conduzindo um carrinho de mão. A água que retira no manancial não tem tratamento, “mas não é salgada e serve para beber”, diz a moradora.
Leonor sente a aproximação de viver maior drama ainda, pois no período critico da estiagem, o Rio Serra Branca seca completamente. “Aí, terei que usar a água salobra mesmo, pois cuido de sete netos”, diz a aposentada, explicando que não sobra dinheiro para comprar água doce.
Drama de comunidades rurais
Em várias comunidades rurais de Pai Pedro existe poço tubular, mas os moradores do atendimento feito pelo caminhão-pipa porque a água subterrânea é imprópria para o consumo humano. A situação é verificada na localidade de “Atrás dos Morros”, a 25 quilômetros da área urbana. O agricultor Osvaldo Lima da Silva, explica os “males” provocados pelo uso da água retirada do poço tubular aberto na comunidade. “A água tem muito sal. Se a gente lavar o cabelo com ela, o cabelo fica duro e o pente embaraça. Também não serve para lavar roupa”. Segundo ele, o excesso de sais na água é tanto que prejudica até as plantas. “A única planta que dá certo com essa água é o coqueiro. Usei a água do poço para irrigar uma plantação de banana, mas passou dois anos e as bananeiras morreram”, diz ele. “A gente só usa a água do poço mesmo para dar para os animais”, assegura o agricultor.
A mulher de Osvaldo, Josefina Barbosa de Souza, também reclama da pouca serventia da água retirada do lençol freático. “Para cozinhar não dá que empreta a comida e panela. Se usar (a água) para lavar casa, o sal “come” (corrói) o pé da parede. Então, só uso a água salobra mesmo para enxaguar roupa”, informa Josefina. A família recebe água doce do caminhão-pipa da prefeitura, que visita a comunidade com intervalo de mais de 30 dias.
Osvaldo conta que também ameniza o problema com a captação de água de chuva, que é armazenada numa cisterna com capacidade para 16 mil litros.O morador Evangelista Alves da Silva, de 69 anos, conta que o poço tubular da localidade de Atrás dos Morros foi perfurado há 30 anos e tem 90 metros de profundidade. “Certa ocasião, usei a água do poço para molhar uns pés de laranja e as plantas morreram”, recorda.
A quantidade excessiva de sais em águas subterrâneas é verificada em outros municípios do extremo Norte de Minas, onde moradores de comunidades rurais sofrem com a pouca disponibilidade dos recursos hídricos na superfície, por conta das secas incessantes. O agricultor José Mendes Silva, da localidade de São Sebastião, no município de Monte Azul, mostra uma água com uma coloração escura em uma caixa, que é retirada de um poço. “Esta água é salobra e só serve para o gado”, afirma José Mendes, que apanha água doce no sítio de um vizinho, que, por sua vez, recorre a captação de uma serra, como também faz outros moradores de São Sebastião, distante 40 quilômetros da área urbana. “Mas, existem lugares mais isolados do município, onde não chega o carro pipa para levar água potável e as pessoas têm que se contar em beber água salobra mesmo”, revela Francisco de Assis Gonçalves (PP), vereador em Monte Azul. (Com Mateus Parreiras).
Suspeita de contaminação por enxofre
A água retirada de um poço tubular perfurado próximo ao Assentamento Santa Claudia, no município de Pai Pedro, não tem serventia para o consumo humano. O motivo do não aproveitamento do poço é que a água apresenta um cheiro muito ruim. Segundo Gilberto Siqueira, técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG) no município, a suspeita é que a água do poço tem contaminação por enxofre, elemento altamente nocivo para a saúde, que pode provocar câncer. “Coletamos a amostra da água, encaminhamos para análise e ainda estamos esperando o resultado”, diz o técnico. As 49 famílias do assentamento são atendidas por intermédio de dois poços abertos na região, que, segundo a Prefeitura de Pai Pedro, contam com água doce, sem apresentar o problema da salinização.
Copasa diz água não faz mal para a saúde
O chefe do distrito regional da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), Helber Garibaldi, que responde por Pai Pedro, disse que companhia usa um processo de tratamento da água captada em poços tubulares que provoca um “abrandamento” da quantidade de sais, permitindo que a água sirva para o consumo humano, sem causar mal à saúde. “Usamos elementos que reduzem a dureza da água, que é colocada dentro do padrão de qualidade exigido pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial de Saúde (OMS), afirma o representante da Copasa. “Além disso, são coletas amostras e feitas análises da água dos poços tubulares, de duas em duas horas. A água não oferece nenhum risco para a saúde, pois é tratada”, assegura Garibaldi.
(Estado de Minas)