Cansados de esperar pela melhoria do acesso à saúde nas comunidades, seis indígenas de Minas, Mato Grosso e Bahia decidiram sair das tribos em busca de solução. Prestaram vestibular, dedicam-se a horas de estudo, driblam a saudade da família e as dificuldades iniciais de convívio com os demais estudantes. Tudo para se tornarem os primeiros médicos de origem indígena formados pela UFMG.
O seleto grupo de estudantes – duas moças e quatro rapazes de etnias diferentes – tem a mesma meta: depois de formados, querem regressar às aldeias onde nasceram e aplicar o conhecimento adquirido na comunidade.
Aos 25 anos, o Pataxó Vazigton, o Zig, nascido em Cumuruxatiba, Sul da Bahia, frisa que é grande a demanda por profissionais de saúde nas tribos. “Gente do Rio e São Paulo fica pouco tempo na aldeia e logo vai embora. Quem sofre com isso é a comunidade”.
Zig cursa o 8º período de medicina por influência dos mais velhos de sua etnia, que o convenceram a deixar o curso de Biologia na Universidade Estadual da Bahia, onde era bolsista. Zig prestou vestibular para a UFMG em 2009 e ingressou na Faculdade de Medicina em 2010.
“Por ser um curso elitizado, fiquei surpreso com a maneira como fomos recebidos. As relações de amizade dentro da escola minimizam as dificuldades”, conta, referindo-se à adaptação inicial.
Amaynara, Pataxó de Carmésia, no Vale do Rio Doce, acredita na saúde preventiva como forma de melhorar o dia a dia nas aldeias. Ela defende o trabalho em equipe, holístico, com os demais agentes de saúde. “Sou muito sonhadora. Só pelo fato de conhecer a comunidade temos muito a contribuir enquanto profissionais”, diz a aluna do 7º período.
Provocar o diálogo entre a medicina ocidental e a medicina tradicional indígena é uma das metas de Adana Omágua-Kambeba, que trocou a aldeia em Manaus por Belo Horizonte. A jovem quer se tornar médica para ajudar na melhoria da saúde indígena da Amazônia, onde, por falta de estrutura e assistência, muitas crianças morrem.
“Quero contribuir com o meu exemplo e incentivar outros jovens da etnia”.
ADANA – “Pertenço aos dois mundos. Sento com os velhos e como peixe com farinha, mas sei usar garfo – Foto: CARLOS RHIENCK
Médica será também pajé da tribo
Cantora, compositora e pesquisadora da cultura Omágua-Kambeba, a jovem Adana – a idade ela não quis revelar – chegou à UFMG em 2012, após três meses no set de filmagens de Xingu, filme de Cao Hamburguer que narra a história dos irmãos Villas Boas. Popular, com 2.140 amigos no Facebook, ela pretende conciliar as agendas acadêmica e artística, mas recusou convite para novos filmes, por causa do curso.
“Meu tataravô, bisavô e avô eram pajés que as pessoas procuravam para as curas. Desde criança tive tendência para cuidar de pessoas, plantas e animais”, conta Adana, futura pajé da aldeia, no Amazonas. O pajé é uma pessoa de destaque em certas tribos indígenas. São curandeiros, tidos como portadores de poderes ocultos ou orientadores espirituais.
“Meu médico já chegou aqui” é a frase mais ouvida pelo Pataxó Vazigton, o Zig, quando ele vai à aldeia, duas vezes a cada ano, nas férias escolares. “A gente é exemplo e abre as portas para outros”, orgulha-se.
“A comunidade e as lideranças ficam orgulhosas de saber que estamos estudando para ser médicos”, emenda Amaynara, da tribo Pataxó no Vale do Rio Doce. A jovem também pretende unir os conhecimentos acadêmico e tradicional para a prática da medicina preventiva, mas admite que a chamada “medicina de branco” tem tido mais cartaz. “Temos de valorizar os raizeiros, os sábios. Todos têm conhecimento das plantas medicinais.
Ao todo, 21 comunidades nos bancos da UFMG
O programa da UFMG de licenciatura para a comunidade indígena tem atualmente 140 alunos de 21 aldeias de Minas, Bahia, Mato Grosso e Pernambuco. A cada ano, a instituição oferece 12 vagas suplementares em seis cursos: medicina, enfermagem, odontologia, ciências agrárias, ciências sociais e ciências biológicas.
A UFMG criou o Conselho Consultivo Indígena, composto de professores e membros de comunidades tradicionais, para institucionalizar as políticas voltadas às comunidades indígenas.
“A universidade tem um papel político de ampliar o diálogo entre os saberes tradicionais e acadêmicos, para que os povos indígenas possam se expressar”, afirma a vice-reitora da UFMG, Sandra Goulart.
Segundo ela, a UFMG pretende trabalhar com outras instituições para que o programa voltado aos indígenas torne-se política de Estado. “Tentamos ampliar o diálogo para implementar uma política de inclusão”.
(Hoje em Dia)