Nova norma que flexibilizou limites de presença de pelos de roedores e material estranho em alimentos industrializados provoca insegurança e críticas de advogados especializados
O que não mata, engorda? Para quem conhece, o ditado poderia se encaixar na repugnante situação de comer pelos de roedores imersos em produtos industrializados, a exemplo de extrato de tomate, ketchup, achocolatados, pimentas e canela em pó. Por mais absurdo e nojento que possa parecer, é o que permite uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicada em março no Diário Oficial da União. A RDC 14/2014 define limites de tolerância para matérias estranhas em alimentos e bebidas e para fragmentos de pelos de roedores (rato, ratazana e camundongo) em alguns tipos de alimentos. No percentual permitido pela agência, a presença deles não pode ser vista a olho nu pelo consumidor, por isso, a coordenadora institucional da Proteste Associação de Consumidores, Maria Inês Dolci, recomenda que a população fique atenta aos testes de produtos elaborados por instituições de defesa do consumidor.
Cátia Sousa não se convenceu de que os limites estabelecidos são seguros do ponto de vista da saúde – Foto: Edésio Ferreira / Estado de Minas
Com base na legislação anterior, a presença de pelos de roedores, independentemente da quantidade, tornava o produto impróprio para consumo humano. Em 2013, antes, portanto, da publicação da norma, a Proteste analisou marca de ketchup em que foram encontrados três pelos de roedor em amostra de 100 gramas do produto. Já em 2012, a associação também detectou a presença de pelo de roedor em três amostras de uvas passas e castanha-do-Pará sem casca, em teste com itens adquiridos em São Paulo. O problema também foi detectado em avaliações de ketchup e molho de tomate, realizadas em anos anteriores.
A administradora Cátia Sousa ficou surpresa com a nova resolução, que, para ela, pode acarretar riscos à saúde de milhares de consumidores brasileiros. “Se quando estavam proibidos esses materiais já eram encontrados, imagine agora que a legislação permite. As empresas vão fazer a festa”, critica. Para evitar problemas, a consumidora conta que procura não comprar muitos produtos industrializados, tentando, na maioria das vezes, elaborar as receitas em casa, como a do molho de tomate. Assim, usa apenas o próprio fruto com a adição de corante.
À época da edição da nova norma, a Anvisa divulgou que os limites estabelecidos de presença desses materiais – tudo o que não faz parte da composição do alimento e pode estar associado a condições inadequadas de produção, manipulação, armazenamento ou distribuição – são seguros do ponto de vista da saúde e baseados nos métodos da produção alimentícia no Brasil. Cuidadoso, o consumidor Alexandre Gomes da Silva já tinha conhecimento da norma e, por isso, procurava pesquisar as marcas de produtos testados antes de ir ao supermercado, evitando ao máximo aqueles que tenham sido flagrados em irregularidades.
Outra providência que Gomes da Silva toma sempre é verificar a data de validade dos produtos e a procedência. “Acho um absurdo permitir esse percentual (de incidência de matérias estranhas e fragmentos de pelos de roedores), mesmo que seja mínimo. Acredito que isso pode colocar a saúde do consumidor em risco”, afirma.
Para produtos derivados de tomate, é tolerado um fragmento em 100g; canela em pó, um em 50g; chocolate e produtos achocolatados, 1 em 100g. De acordo com a Anvisa, a definição de limites de tolerância para produtos de tomate considerou a análise de 7 mil amostras: 12% tinham pelo de roedor. A agência informou que tolera quando há ocorrência mesmo com boas práticas de fabricação, e sem pôr em risco à saúde da população.
DEVIDA INDENIZAÇÃO
A regra que permite a presença de pelos de roedores ou de materiais estranhos, assim como fragmentos de insetos nos produtos, evidencia grave falha na implementação das boas práticas de fabricação, na avaliação de Maria Inês Dolci, da Proteste. “Os roedores são responsáveis por 200 doenças transmissíveis que podem contaminar os alimentos e gerar complicações na saúde do consumidor”, diz.
A RDC 14/2014 define dois tipos de matérias estranhas, as que indicam risco à saúde e as que não apresentam riscos, mas demonstram falhas no processo de produção, manipulação ou armazenamento. Anteriormente, não havia limites de tolerância para as matérias consideradas prejudiciais à saúde, cabendo à fiscalização avaliar em cada caso a situação de risco. Todos os limites estabelecidos referem-se a fragmentos microscópicos que podem estar presentes no processo de produção do alimento, mas que não podem ser totalmente eliminados mesmo com a adoção das boas práticas.
O coordenador do Procon Assembleia, em Belo Horizonte, Marcelo Barbosa, critica a mudança na regra e afirma que, mesmo que a presença dos materiais não apresente riscos à saúde como afirma a Anvisa, ele deve ficar atento e procurar os órgãos de defesa do consumidor em casos de qualquer suspeita. Se encontrar qualquer corpo estranho no produto, ele deve pleitear indenização por danos morais. “Essa resolução não deveria existir. Ela jamais vai eximir o consumidor de pleitear indenização por passar por uma situação constrangedora de encontrar algo dentro do produto que não faz parte da composição dele. A empresa tem que prezar pela qualidade do produto e fazer como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece”, alerta.
(Estado de Minas)