Veículos escolares interditados pela Justiça rodam lotados em Paulistas

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Frequentar a escola ainda é um desafio que coloca em risco a vida de pelo menos mil alunos do ensino fundamental e médio em Paulistas, no Vale do Rio Doce. Dois anos após as primeiras denúncias, os estudantes continuam atravessando um rio a nado, percorrendo vários quilômetros a pé e sendo transportados em ônibus sucateados e superlotados. A novidade é agravante: todos estão interditados pela Justiça desde 2012.

Quatro dos sete ônibus interditados foram enviados para reforma ano passado. Em fevereiro deste ano eles voltaram à ativa, mas desde então vem sendo alvo de reclamações feitas por alunos, pais e vereadores que denunciam uma “maquiagem” nos veículos supostamente reformados apenas “para burlar a lei e a justiça”. Dos quatro, um já está parado e outro com problemas elétricos. Em dois boletins de ocorrência a Polícia Militar comprova os riscos.

Pontas de ferro no assoalho, cadeiras desprendidas na base, abraçadeiras de metal prendendo cintos de segurança com pontas que cortam como navalhas; pneus gastos, falta de vidros nas janelas, cheiro de combustível e porta presa por arame são algumas irregularidades apontadas pela PM nos veículos que consumiram pelo menos R$ 215 mil em reformas. Além de trajetos pela metade, a superlotação é outra falha do serviço: com 45 lugares, transportam 70 alunos.

A solidariedade faz com que num banco para duas pessoas caiba quatro e até cinco crianças. “Mas chego cansada em casa”, conta Daiane de Souza, de 12 anos, que hora carrega a irmã de 10 anos no colo e noutra uma colega qualquer que não foi rápida o suficiente para conseguir um lugar. “Eu vou em pé mesmo. Fazer o quê?”, desabafa Rodrigo Rocha, de 16 anos. A disputa por lugares aumenta o cansaço de Silvéria Queiroz, 16 anos, que sai da escola às 11 horas, chega ao final da linha às 11h55 e em casa às 13 horas.

O percurso que faz inclui caminhada por morros e vales e a travessia do rio em uma canoa a remo. Para ir para a escola, acorda às 5 horas. “A gente tem que estudar para ser alguém na vida, mas fácil não é não. Fico cansada, com os braços moídos e o corpo doendo o tempo todo”, conta a menina que está no primeiro ano e sonha ser veterinária. “Mas tem vez que o ônibus quebra e a gente anda mais”, avisa Pricieli Meireles, de 16 anos.

A dona de casa Odília de Souza, de 40 anos, tem cinco filhos e quatro usam os ônibus. “É Deus que guarda esses meninos”, diz, contando que a filha de dez anos cortou o dedo em uma abraçadeira do cinto. “Quando dá entro no ônibus para ver onde vão sentar”, revela.

A aventura diária e arriscada nos veículos que percorrem 200 quilômetros de estradas vicinais sinuosas com pontes comprometidas pelas chuvas e a ação do tempo ainda é melhor que atravessar o rio e andar dez quilômetros apenas para ir à escola. A avaliação é feita pelo lavrador José Lopes da Mota, de 45 anos, cujo percurso é feito por quatro dos oito filhos que estudam em Paulistas. “Esta semana o rio está cheio e não dá para cortarem caminho por aqui”, contou o pai que às 14h30 de segunda-feira (31) ainda esperava pelos filhos sem saber onde estavam.

Sucatas irregulares

A ocorrência feita pela Polícia Militar dia 18 de março relata que as informações contidas no painel do ônibus placas GMM-9038 diferem das existentes no documento. Segundo a presidente da Câmara de Paulistas, vereadora Carla Oliveira Costa (DEM), o veículo é de 1986 e estava identificado como sendo de 1988. “Esta é apenas uma das irregularidades que encontramos nas ‘sucatas reformadas’ pela prefeitura”, denuncia.

Costa e o vereador José Carlos dos Santos (PT) suspeitam de alteração nos chassis para prolongar a vida útil dos veículos, um deles fabricado em 1977, falta de tacógrafo e de superfaturamento nas notas. Segundo contam, desde 2009 o município recebe por meio de convênio com o governo de Estado, verbas anuais para manutenção e custeio do transporte escolar e notas teriam sido emitidas mesmo quando estavam interditados, sem rodar.

O repasse de 2013 teria sido de R$ 205 mil e deste ano de R$ 322 mil. “O município deveria ter avisado que não tinha ônibus para reformar, que eram sucatas. Assim não desperdiçaria dinheiro público”, diz a presidente, que considera uma afronta os ônibus interditados pela justiça com base em laudo do Inmetro estarem circulando e mesmo “reformado” um deles estar parado por problemas mecânicos desde a primeira semana de aula, em fevereiro.

Outro estaria rodando com problemas elétricos como admitiu o motorista Flávio de Miranda Barbosa a reportagem. “A mecânica está boa, mas a parte elétrica de vez em quando dá problema”, disse. O diretor de Transportes da Prefeitura, Luciano Costa, informou que tem dois laudos da Polícia Civil que atestam o bom estado dos ônibus e considera os documentos suficientes para a liberação de frota. A documentação 2014 também teria sido emitida pelo Detran.

Sobre as reformas, disse que gastou cerca de R$ 215 mil nos serviços, todos satisfatórios. “Não estou preocupado com denúncias. Isso é intriga da oposição, briga política”, resumiu. Quanto à superlotação disse que não há data prevista para a solução. “O município não tem dinheiro para adquirir ou alugar novos veículos”, assegura.

Prazo

O prefeito de Paulistas, Leandro Miranda Barroso, tem dez dias para explicar ao Ministério Público (MP) porque os escolares interditados pela Justiça continuam em circulação. O prazo começou a contar na sexta-feira (28) data que a multa de R$ 10 mil aplicada anteriormente apenas ao município pela desobediência foi majorada para R$ 20 mil, passou a ser diária e a incluir também o prefeito, como pessoa física.

Segundo a promotora Kelly Maria de Araújo, o prefeito vem descumprindo liminares desde maio de 2012, a última de 21 de março. Nos pedidos que fez agora, além do pagamento das multas e condenação do prefeito solidariamente, quer informações sobre todos os demais escolares como documentação, motoristas, capacidade de lotaçã, número de alunos transportados e rotas. Também quer que a PM de Guanhães faça uma fiscalização em todos eles no prazo de 30 dias.

A promotora acredita que a vistoria feita pela Polícia Civil foi mais visual que técnica – não olhou funcionamento de motor e freios – e quer novas avaliações, inclusive do Inmetro. Para ela, a decisão do diretor de Transportes de colocar os ônibus para rodar com base nos laudos da PC configura desobediência, já comunicada à Procuradoria e ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), além de contraditória.

“Se o laudo da PC autoriza a rodar, porque pediram a suspensão da interdição?”, questiona. Sobre os documentos de 2014 emitidos pelo Detran, explica que a ordem de interdição foi dada à prefeitura e não ao órgão do Estado. Além do crime de desobediência e execução das multas, o prefeito pode sofrer ação por improbidade administrativa. As demais denúncias, como superfaturamento e distancias “desarrazoadas” a pé percorridas pelos alunos serão alvo de novos procedimentos administrativos. O prefeito foi procurado, mas de acordo com informações na prefeitura, estaria viajando. Em nome dele falou o diretor de transportes. (Jornal Hoje em Dia)

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