Autoridades defendem, durante reunião da ALMG, a implantação de um centro de internação de menores infratores na cidade.
Durante a fase de debates, alguns pais e mães de jovens que se envolveram com drogas em Itamarandiba falaram de suas experiências ao lidar com o problema – Foto: Willian Dias
Em 2013, na Área Integrada de Segurança Pública (AISP) que engloba Itamarandiba, Carbonita e Aricanduva, no Vale do Jequitinhonha, dos 16 assassinados registrados, sete (43,7%) foram relacionados a drogas, sendo que em seis (37,5%) houve a participação de menores. A informação foi passada por Vinícius de Barros Mendonça, delegado de Polícia Civil de Itamarandiba, responsável pelas três cidades, que juntas possuem a população total de cerca de 50 mil habitantes. Ele participou, nesta quarta-feira (12/3/14), em Itamarandiba, da audiência pública da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O delegado Vinícius Mendonça ainda citou outros dados relacionados a tentativas de homicídio. No ano passado foram 26 tentativas de homicídio, a metade delas relativa à questão das drogas. Desse total de ocorrências, 11 (42,3%) tiveram envolvimento de menores. “Os traficantes colocam esses menores na linha de frente do tráfico porque têm certeza da impunidade”, resumiu.
Dados do Governo de Minas mostram que o Vale do Jequitinhonha tem o índice de 10,7 mortes por 100 mil habitantes, número mais alto entre as regiões do Estado, que tem uma média de 7,85 mortes por 100 mil.
Efetivo – Para atender aos três municípios, a delegacia local conta com três viaturas e um efetivo de um escrivão, quatro investigadores e um delegado. A necessidade da delegacia seria de três escrivães, oito investigadores e dois delegados, de acordo com Vinícius Mendonça.
Complementando as informações, o comandante da Policia Militar de Itamarandiba, tenente André Luiz Pinto da Rocha, afirmou que o efetivo da PM para atender aos três municípios é de 30 policiais. O grupamento conta com quatro viaturas e duas motocicletas, mas segundo ele, o ideal seriam 41 policiais, até mesmo para ter condições de operar todos os veículos.
O tenente Rocha destacou ainda que o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), que só tem um instrutor na cidade, formou 472 alunos no ano passado. Em 2014, serão mais 600 alunos formados.
Calamidade pública
O presidente da Câmara Municipal, vereador Eduardo César Moreira, considerou como calamidade pública a questão do menor infrator em Itamarandiba. De acordo com o parlamentar, na cidade há crianças de 11 anos envolvidas em execuções, muitas delas armadas, sem medo das autoridades, além de casos de estudantes ameaçados por menores traficantes. “A polícia prende o menor, mas depois de cinco dias ele é solto. Como vamos lidar com essa questão do menor infrator?”, deixou a pergunta no ar o vereador.
Autoridades defenderam a implantação de um centro de internação de menores infratores – Foto: Willian Dias
O ex-prefeito de Itamarandiba, Afonso Arinos, ajudou na resposta. Ele defendeu a implantação de um centro de internação de menores infratores na cidade. A comissão propôs, ao final da audiência, requerimento a ser aprovado em sua próxima reunião, para envio de ofício à Secretaria de Estado de Defesa Social, solicitando a implantação dessa unidade e a adoção das medidas socioeducativas em meio aberto.
Centro de internação – O prefeito da cidade, Erildo do Espírito Santo Gomes, informou que já solicitou ao Governo do Estado a implantação do centro de internação. Entretanto, ele ressaltou que não basta obter a unidade; são necessários recursos financeiros e humanos para sua manutenção. Ele reclamou do excesso de atribuições e da falta de recursos do município. “Os municípios estão no mesmo barco, todos falidos”, criticou.
Depoimento de ex-dependente emociona participantes
O ex-dependente químico José Alessandro Ferreira Gandra deu um depoimento, que emocionou os presentes, sobre seu envolvimento com as drogas e sua libertação. Relatou que, na sua casa, ele e seus irmãos fumavam maconha e seus pais bebiam muito. “Com 17 anos, perdi pai e mãe e afundei no crack. Roubava das pessoas para consumir. Era mal visto na sociedade”, disse. Quando chegou ao “fundo do poço”, quis sair do mundo das drogas e procurou ajuda da Associação Amar e Renascer (Aamar).
José Alessandro Ferreira deu um depoimento sobre seu envolvimento com as drogas e sua libertação – Foto: Willian Dias
Em 2007, como contou José Alessandro, fez tratamento de nove meses para desintoxicação em Ipatinga (Vale do Aço), com muita dificuldade. Em 2008, voltou para Itamarandiba, passando a trabalhar num posto de gasolina. Atualmente, é auxiliar de serviços na Aperan, siderúrgica local.
Por fim, ele fez um apelo aos jovens presentes: “O que nos leva às drogas é a desobediência aos pais, é achar que somos autossuficientes. Ouçam sua família, seus parentes – são pessoas que nos ajudam. E não larguem a escola”.
Recuperação – O presidente da Aamar e da Fazenda de Recuperação de Dependentes Químicos (Faamar), Gilberto Fernandes de Araújo, corroborou as palavras do jovem. “Precisamos tirar do nosso coração o orgulho e colocar mais amor naquilo que fazemos”, afirmou. Ele convidou a população e as autoridades locais a se unirem à entidade, que atende dependentes de 11 municípios. “Vamos parar de pregar e passar a agir. Todos precisam conhecer a Aamar para saber como o amor acontece, como as vidas são salvas”.
Brasil é quarto maior consumidor de drogas do mundo
O presidente da comissão, deputado Vanderlei Miranda (PMDB), fez o alerta de que o Brasil já é o quarto maior consumidor de drogas do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas. “Estamos vivendo um problema de segurança nacional, que não é só da Assembleia Legislativa ou das autoridades, mas é da sociedade, de todos nós”, constatou.
Na avaliação do parlamentar, se o atual quadro não for revertido, corre-se o risco de o País ter um vácuo entre gerações, devido à grande perda de jovens para as drogas. Ele aproveitou para divulgar aos estudantes o número de telefone 181, por meio do qual podem ser feitas denúncias anônimas. “Se você perceber que há algum traficante rondando sua escola, ligue e denuncie”, reafirmou.
Comunidades terapêuticas – Por sua vez, o deputado Neider Moreira (PSD), que requereu a reunião em Itamarandiba, enfatizou o papel das comunidades terapêuticas no tratamento de viciados em drogas. “Tornou-se muito importante a participação do terceiro setor nesse processo, pois ele preenche um espaço que deveria ser coberto pelo poder público”, advogou. “As comunidades terapêuticas precisam receber um olhar fraterno da sociedade para que seu trabalho de tratar os dependentes químicos seja valorizado”, acrescentou.
Já o deputado Adelmo Carneiro Leão (PT) postulou que exemplos existentes no mundo de abordagem da questão envolvendo as drogas podem ajudar na reflexão dos parlamentares sobre a realidade brasileira. Ele citou a política dos Estados Unidos que, a partir de 1964, começou a aplicar medidas coercitivas aos envolvidos com drogas, inclusive usuários. “O plano era acabar com a dependência química naquele país, o que de fato não ocorreu. Hoje, os Estados Unidos são campeões em número de encarcerados e o número de usuários continua enorme”, constatou.
Jovens nas prisões – O deputado Wander Borges (PSB) mostrou-se preocupado com a quantidade e o perfil dos presidiários no Brasil. “São 700 mil presos, além de 180 mil mandados de prisão a serem cumpridos. O Brasil é o quinto país no mundo que mais prende pessoas, que em sua maioria têm entre 18 e 25 anos. Isso significa que erramos em alguma coisa”, refletiu. Ele avalia que uma das causas desse fenômeno é a sedução do consumo em detrimento de valores fundamentais, como a família e o respeito.
Debates – Durante a fase de debates, alguns pais e mães de jovens que se envolveram com drogas em Itamarandiba falaram das tristes experiências que tiveram ao lidar com o problema. Mas, segundo eles, é possível vencer as drogas com muita persistência, diálogo, fé, e principalmente, amor aos filhos. (ALMG)
GALERIA DE FOTOS:
(Fotos: Willian Dias)