O Projeto de Lei (PL) 1.480/15, que altera os limites do Parque Estadual Alto Cariri, nos municípios de Salto da Divisa e Santa Maria do Salto (Jequitinhonha), foi duramente criticado nesta terça-feira (7/12/2021), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Quase todos os convidados de reunião da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável fizeram ressalvas ao projeto de autoria do deputado Carlos Pimenta (PDT), boa parte considerando que ele representa um retrocesso socioambiental.
Mesmo julgando louvável a intenção de Carlos Pimenta, o presidente da comissão e autor do requerimento de audiência, deputado Noraldino Júnior (PSC), avaliou que o projeto trará prejuízo para o meio ambiente. “Estudando o projeto da forma como está, não vi ganho ambiental”, afirmou. Ainda na opinião dele, se, por um lado, a proposição aumenta o limite do parque, por outro, retira parte de reserva natural, gerando impactos ambientais e também sociais.
IEF – Maria Amélia Mattos Lins, diretora-geral do Instituto Estadual de Florestas (IEF), afirmou que a equipe técnica desse órgão, após visita ao Parque Estadual Alto Cariri, concluiu que a área a ser anexada, prevista no PL, está com atributos ambientais aquém daqueles da área atual.
O parque foi criado pelo Governo do Estado pelo Decreto 44.726, de 2008. A unidade abriga remanescente de Mata Atlântica que se estende pelo Sul da Bahia, sendo responsável pela preservação de espécies ameaçadas. A proteção do monocarvoeiro, maior primata das Américas, que está presente na região, é garantida por essa unidade de conservação (UC) em conjunto com o Refúgio de Vida Silvestre Mata dos Muriquis, em Santa Maria do Salto.
Projeto de morte – O assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Minas Gerais, frei Gilvander Luis Moreira, enfatizou que acompanha a luta do povo pobre de Salto da Divisa há muitos anos, tendo desenvolvido inclusive pesquisas acadêmicas na região.
“Chegamos à conclusão de que o PL 1.480 é um projeto de morte”, criticou. Ele lembrou de vítimas de violações de direitos humanos por terem defendido o Parque do Cariri, como duas pessoas que sofreram emboscada e outra que foi incluída em programa de proteção a testemunhas. De acordo com ele, se a área do parque for modificada, também a água que abastece as cidades próximas estará ameaçada.
O religioso afirmou que na região do parque há os assentamentos Dom Luciano Mendes, com 28 famílias, e Irmã Geraldinha, com 80 famílias. Além disso, existe a comunidade quilombola Braço Forte, com 23 famílias. “Essas 131 famílias, com mais de 600 pessoas, geram muito mais renda do que a Nacional Grafite”, ressaltou Gilvander, referindo-se à mineradora que pretende se instalar em área a ser desafetada pelo PL 1.480/15. Por fim, ele defendeu o arquivamento do projeto.
Famílias – Também o deputado federal Padre João (PT-MG) considerou não haver ganho ambiental e social com a mudança proposta no PL. “Deve-se olhar primeiro o lado das famílias atingidas. É possível elas permanecerem no território com atividades sustentáveis”, defendeu.
Também criticou os projetos minerários que não garantiriam desenvolvimento para as cidades onde se instalam: “Já morei em Mariana, Ouro Branco e Ouro Preto; se mineração resolvesse, essas cidades não teriam miséria, desemprego, deficit habitacional”.
Grupo de trabalho – Francisco Mourão Vasconcelos, biólogo e conselheiro da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), destacou que a entidade não é completamente contrária à revisão de limites de unidades de conservação. Mesmo reconhecendo que não tinha informações suficientes sobre o projeto de Carlos Pimenta, o dirigente avaliou que até a proposta original de criação do Parque do Alto Cariri apresentava deficiências.
Segundo ele, foram incluídas áreas antropizadas (com ocupação humana) na unidade, a qual, além disso, teria ficado “estreita e comprida”, o que dificultaria a movimentação de espécies selvagens. Ele sugeriu que o IEF crie um grupo de trabalho para analisar todos os impactos relacionados à desafetação proposta, “principalmente no tocante à segmentação da área de proteção”.
Alteração permitirá que se instale mina de grafite
Defendendo o projeto de sua autoria, o deputado Carlos Pimenta afirmou que o Parque Estadual Alto Cariri foi criado em 2008, com 6.151 hectares. E que seu PL retira da unidade de conservação 368 hectares, 75% já antropizados, e acrescenta outros 436 hectares, que incluem “áreas de mata, capoeirão e capoeirinha”, ficando o parque com 6.214 hectares.
Ainda conforme o parlamentar, a demanda pela mudança no parque partiu de alguns políticos de Salto da Divisa, defensores da instalação de uma mineração de grafite em área pertencente à unidade de conservação. A Nacional Grafite já possui na região uma mina, que estaria se exaurindo rapidamente, afirmou Carlos Pimenta. O empreendimento geraria 600 empregos diretos e outros 1 mil indiretos.
“Foi descoberta uma das maiores jazidas de grafite do mundo em uma área do parque. Se a mina atual se extinguir, a Nacional Grafite vai sair de Salto da Divisa e causar um grande desemprego por lá”, disse.
O deputado declarou não possuir nenhum vínculo com a empresa: “Não tenho qualquer relação com a Grafite; tenho, sim, com o município, que pode perder empregos para cerca de 10% da sua população”. A cidade conta com 7 mil habitantes.
Sobre as denúncias de que a instalação da mina acabaria com a água nas cidades próximas, Carlos Pimenta rebateu dizendo que a água vem da Barragem do Rio Jequitinhonha. Ele acrescentou que os prefeitos e os vereadores do município e também de Santa Maria do Salto estão apoiando o PL 1.480/15.
Moradores do parque foram obrigados a sair do local
Emocionada, Maria Emília da Silva, coordenadora do Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, lembrou que várias famílias que moravam em áreas do parque foram obrigadas a se mudar. “Eram 30 famílias que ocupavam o parque, muitas há mais de 60 anos; mas isso foi se reduzindo, e hoje, são apenas quatro famílias, por causa de reiteradas intimidações e ameaças”, relatou.
Sobre esse ponto, a defensora pública Ana Cláudia da Silva Storch, da Defensoria de Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais, acrescentou que uma ação judicial possessória fez com que famílias da comunidade tradicional do Piabanha tivessem de se deslocar.
Da mesma forma, Maria Alves de Souza, coordenadora da Comissão Permanente de Povos e Comunidades, destacou que lei estadual de 2014 garante às comunidades tradicionais o direito ao território. E colocou-se contra a aprovação do PL 1.480/15, que não garantiria a preservação do parque nem o direito das pessoas.
Piabanha – O deputado Doutor Jean Freire (PT) relatou que, ao saber das denúncias, foi até a cabeceira do Piabanha. “Vi ali um povo rico, pessoas com relação de irmandade com a floresta, a água, os animais. Outros produzindo e respeitando o ambiente”, lembrou. Por outro lado, afirmou não ser, a priori, contrário à mineração, mas alegou que essa deve ser praticada com responsabilidade e respeito às comunidades.
A deputada Andréia de Jesus (Psol) assumiu o compromisso de fazer também uma audiência sobre o tema. E mostrou preocupação com o avanço da mineração no Estado, o que pressionaria as comunidades tradicionais, justamente as maiores protetoras das reservas ambientais.
Diligência – Após ouvir os convidados, o deputado Carlos Pimenta afirmou que solicitaria novas informações à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável para esclarecer os pontos mais polêmicos da alteração de limites do parque. Defendeu ainda ser preciso verificar a legalidade dos acordos judiciais, a existência de famílias que se recusam a firmar esses acordos e a reavaliação ambiental das áreas a serem substituídas na unidade de conservação.
O deputado Noraldino Júnior, relator do PL 1.480/15, disse que esse novo requerimento de diligência à Semad será votado na próxima reunião da comissão.
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