População das cidades no Vale do Rio Doce enfrentam problemas com doenças e à falta de casa, água e comida
Lucineia Nunes, moradora de Virgolândia: “O povo todo está trabalhando dia e noite desde a chuva (Foto: Túlio Santos)”
O sol brilha no Vale do Rio Doce, mas, em terra firme, o sentimento é de que as tempestades de dezembro que devastaram a região foram ontem. Em Virgolândia e Sardoá, municípios que decretaram calamidade pública, o tempo já não é marcado pelo relógio. É o esforço para retomar a vida que dita as horas e os dias. Ontem, o caos; hoje, a limpeza; amanhã, quem sabe, a normalidade. Um amanhã, aliás, que parece distante para olhares ainda incrédulos diante da força da natureza e do tamanho da reconstrução. A população sofre com surto de diarreia provocado pela enchente, o comércio funciona parcialmente, serviços bancários e telefonia estão comprometidos e a produção de hortigranjeiros foi arrasada. Para amenizar o drama, moradores podem pedir adiantamento de pensões e aposentadorias, financiamentos a empresários foram facilitados pelo governo estadual e R$ 219 mil liberados pelo Ministério da Integração Regional.
Os dois municípios mais devastados pelas chuvas foram percorridos pela reportagem. No caminho, muita lama, destruição e incerteza, mas também a solidariedade para ajudar a seguir em frente. Quem chega a Virgolândia, a 361 quilômetros de BH, se depara com uma legião de gente com enxadas, vassouras e baldes empenhadas em recuperar o pouco que restou. Às vezes, falta até tempo para lamentar diante de tanto trabalho a ser feito.
Por causa da enchente, a cidade teve um surto de diarreia e, nas paredes da escola municipal, cartazes alertam sobre os cuidados para afastar doenças. A prefeitura perdeu a maior parte dos documentos. O comércio não voltou a funcionar totalmente. Numa cidade que produzia seus próprios alimentos, faltam verduras, legumes e frutas. A população está sem serviços bancários e com parte da telefonia comprometida.
Na noite do dia 26, um temporal fez o Ribeirão Palmital transbordar. Três pessoas morreram e quase dois terços dos imóveis do município de 6 mil habitantes ficaram com água até o telhado. A tragédia ocorreu há duas semanas, mas parece que foi ontem. O que se vê por todos os lados são escombros de casas, carros revirados, pontes destruídas, montes de lama pelas ruas. O comentário geral é de que, se o temporal tivesse ocorrido um pouco mais tarde, centenas de pessoas teriam morrido.
“Em Virgolândia não tem rico nem pobre mais. Todo mundBoa parte da população conta com a água potável fornecida pela prefeitura, já que a encanada ainda está amarelada. Por causa da enchente, a cidade teve um surto de diarreia e, nas paredes da escola municipal, cartazes alertam sobre os cuidados para afastar doenças. A prefeitura perdeu a maior parte dos documentos. O comércio não voltou a funcionar totalmente. Numa cidade que produzia seus próprios alimentos, faltam verduras, legumes e frutas. A população está sem serviços bancários e com parte da telefonia comprometida.
PERDAS
Pelo menos quarenta famílias estão morando com parentes porque não podem ficar nas casas ameaçadas de desabar. As histórias de perdas se multiplicam pelas ruas. O lavrador Cláudio Onorato, de 53, está morando de aluguel, pago com sua aposentadoria, porque sua casa também está ameaçada. “Foi a primeira vez que sentei e chorei”, diz. Kelly Andrade Vieira, de 37, perdeu, além da maior parte dos pertences, roupas e carros em casa e todo o estoque e mostruário de sua loja de eletrodomésticos e móveis. “Foram 17 caçambas de prejuízo”, conta.
Waldir José Felipe, de 54, está morando com a famíila de favor na casa de um amigo, mas tenta recuperar o que sobrou da sua casa, na Rua Alvim Passos, uma das mais castigadas. Com mangueira na mão, ele ainda não acredita como a família se salvou. “Tenho um menino deficiente e tive que tirá-lo pela janela com a água acima da cintura”, conta, ainda sem saber do futuro. “Não sei como vai ser. Virgolândia só vai voltar ao que era daqui a uns 20 anos”, lamenta.lia, completamente destruída. Às margens do Palmital, a oficina ficou ilhada com a destruição de uma ponte. O local era cercado por bananeiras e agora mais parece um cemitério de troncos e carcaças de carros. E como fazer para recomeçar? “Eu nem sei te informar”, responde Barroso.
E olha que não faltam braços para reconstrução. “O povo todo está trabalhando dia e noite desde a chuva”, afirma Lucineia Aparecida Nunes, de 37, em meio aos destroços da casa dos pais. As doações também não param de chegar e lotaram a quadra da escola municipal, onde moradores fazem fila para pegar roupas, cobertores, colchões e alimentos. “Essa chuva foi uma prova para a população de Virgolândia, mas estou muito satisfeita com as doações”, agradece a professora Osair Pereira da Silva Brandão, que também está com a casa comprometida.
A reportagem tentou falar com o prefeito de Virgolândia, Arnaldo de Oliveira Braga (PMDB), mas não conseguiu porque, segundo o secretário municipal de Administração e Finanças, Aurelindo Fernandes da Silva, o chefe do Executivo estava na fazenda e só voltaria segunda-feira. A assessora de Arnaldo também foi procurada, mas não atendeu o telefone.
MORADORES TERÃO BENEFÍCIOS ANTECIPADOS
Moradores de Sardoá e Virgolândia que tiveram prejuízos com as chuvas de dezembro podem solicitar adiantamento de aposentadoria ou pensão ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O valor antecipado será o mesmo recebido mensalmente. A autorização foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) e vai vigorar enquanto os municípios estiverem em situação de calamidade pública, decretada pelo governo federal.
Os interessados devem ir ao banco onde recebem o pagamento e assinar um termo para pedir o adiantamento. A medida não vale para segurados que recebem benefícios temporários, como auxílio-doença, salário-maternidade e auxílio-reclusão. O adiantamento deverá ser ressarcido em até 36 parcelas mensais fixas, a partir do terceiro mês seguinte à antecipação. No meio da semana, o Ministério da Integração Nacional autorizou ainda o repasse de R$ 219,2 mil para o município para ações de socorro, assistência às vítimas e restabelecimento dos serviços essenciais.
Já micro e pequenos empresários com faturamento de até R$ 30 milhões terão linhas de crédito disponibilizadas pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG). Com a medida, serão beneficiados empreendedores de 15 cidades das regiões do Rio Doce, Jequitinhonha/Mucuri, Zona da Mata e Noroeste do estado. Para obter o financiamento, os empresários devem procurar um correspondente bancário do BDMG que atue nas regiões atingidas reconhecidas oficialmente pela Defesa Civil de Minas Gerais (Cedec).
(Fonte: Jornal Estado de Minas)