Sardoá foi arrasada por temporal há 20 dias. Além da tristeza pela morte de seis pessoas, maior drama está na zona rural, que sofre com perdas na lavoura e na criação de animais
Terezinha mostra o lamaçal que engoliu casa dos vizinhos e matou seis pessoas da mesma família (Foto: Túlio Santos)
Sardoá – “Cruz! Amado! Peço a Deus que livre a gente do perigo.” Com a mão escondendo o sol e os pés descalços no barro, Terezinha Tomaz de Jesus, de 74 anos, mede 1,5 metro de altura e parece ainda menor diante do enorme barranco desmoronado. É a primeira vez que ela caminha pelo lamaçal que cobriu a casa da vizinha Conceição e tirou a vida de seis pessoas da mesma família em 17 de dezembro. As cruzes com os nomes de cada um dos mortos foram fincadas no local, onde restos da construção e pertences dos antigos moradores brotam no meio de uma imensidão marrom.
Vinte dias depois da tragédia na comunidade rural de Malacacheta, em Sardoá, a 315 quilômetros de BH, no Vale do Rio Doce, a ferida aberta na terra impede que a vida siga seu curso normal. O local foi o mais atingido pelas chuvas de dezembro, que teve recorde de mortes em Minas e levou à decretação de estado de calamidade pública. Os habitantes da área rural do município correspondem a 64% do total de 5,5 mil e foram os mais atingidos, com queda de várias barreiras. “Os vizinhos sumiram”, reclama dona Terezinha, que tem vivido tempos de isolamento.
Em Malacacheta, vivem nove famílias e pelo menos duas estão com as casas condenadas. A maior parte dos acessos do município à zona rural foi comprometida e estradas são abertas de maneira precária. São como montes de terra solta cortados por um trator. “A gente está pedindo uma máquina para fazer a estrada direito”, diz a lavradora, uma das primeiras a retornar para a comunidade, mesmo sem a avaliação de geólogos sobre o risco de sua moradia. “Tenho criação e, se não ficar aqui, ela vai morrer”, diz, enquanto um cachorro passa carregando uma carcaça de um bicho encontrada no meio do barro.
Assim como as estradas e a contenção de barreiras, a avaliação do risco das casas só será feita a partir da liberação de recursos para a reconstrução pelo governo federal. Dinheiro insuficiente para trazer de volta à vida a família de Maria Antônia de Oliveira, de 72, e José Rodrigues de Souza, de 79. Além da casa, comprometida pelo temporal do dia 17, os dois perderam a filha mais velha e cinco netos.
SUPERAÇÃO
O sofrimento é grande, mas, na casa alugada pela prefeitura numa comunidade vizinha, Córrego Sardoazinho, os dois ensinam como enfrentar outra tempestade, aquela que arrasa os corações. “Quando vi aquele monte de terra cobrindo meus filhos, falei com meu Deus que vou ser uma mãe consolada. Tenho pouco estudo e muita fé”, diz dona Maria, agarrada ao terço que estava rezando na hora da tragédia. “Tenho certeza que meus filhos estão em Tuas mãos, meu Deus”, completa.
Mesmo na tragédia, a família de olhar triste consegue encontrar motivo para sorrisos. É quando o vira-latas Totó chega abanando o rabo. “Foi ele quem achou meu sobrinho quase uma semana depois. Ele não saiu de lá até achar o Leonardo”, conta Maria Goreth de Souza, de 49. Filha de Maria e José, ela perdeu o filho Vladmir.
Vestidos com as roupas vindas de doações, a família ainda não sabe falar sobre o futuro, sem a horta, as plantações e a casa. “Só estamos nos alimentando com produtos de supermercado. Queria menos para trabalhar lá, porque tudo dá naquela terra”, conta dona Maria.
O desafio da Prefeitura de Sardoá é reconstruir as áreas afetadas pela chuva e abrigar quem perdeu tudo. O secretário municipal da Fazenda, Gilson de Castro Santos, dá a dimensão do drama ainda sem solução. “Estamos com um problema social grande. A zona rural perdeu a produção. Não temos imóveis disponíveis para locação para o pessoal que está com casa condenada”, informa.
Segundo o prefeito Cléber Pereira da Silva (PP), máquinas trabalham na reabertura de estradas que ligam a sede aos 12 distritos do município, onde o acesso ficou interrompido. Mais de 20 pontes foram danificadas e seis delas foram completamente destruídas. “Foram mais de 50 pontos de deslizamento de terra. As pessoas que vivem em povoados ficaram sem poder vir à cidade. No perímetro urbano, muitas casas sofreram danos estruturais. Algumas foram totalmente destruídas enquanto outras foram condenadas”, afirmou Cléber.
Ao todo, 40 pessoas ficaram desalojadas e precisaram ir para prédios públicos ou casas de parentes. “Estamos abrigando moradores em casas por meio do aluguel social e fazendo um levantamento de quantas ainda estão fora de suas casas”, garantiu. (Colaborou Valquiria Lopes)
VIDAS PERDIDAS
A tragédia em Sardoá chegou logo cedo. Por volta das 7h da manhã chovia muito quando, por volta das 7h da manhã, um barranco de cerca de 20 metros de altura, coberto de pés de eucaliptos, desmoronou sobre uma casa na comunidade rural de Malacacheta, em Sardoá, matando todas as pessoas que estavam no imóvel. Morreram Maria Conceição de Souza, de 50 anos, o filho dela Wallace Catarino Costa Souza, de 9, além dos sobrinhos Vladmir Souza, de 22, Wanderson de Souza, de 10, Gabriela de Souza Batista, de 6, e Leonardo de Souza Batista, de 7. Leonardo só foi localizado nos destroços uma semana depois do acidente.
(Fonte: Jornal Estado de Minas)