A pandemia de covid-19 contribuiu para o aumento do uso de álcool, tanto líquido quanto em gel, no ambiente doméstico. No entanto, a utilização exige precaução, especialmente durante o período de isolamento, já que algumas famílias têm passado a maior parte do tempo em casa e podem estar mais suscetíveis a acidentes envolvendo o produto.
A questão tem preocupado a equipe da Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital João XXIII – um dos centros de referência no país para esse tipo de atendimento, integrado à rede da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), em Belo Horizonte. Os dados de admissão em enfermaria e em terapia intensiva, em 2020 e 2021, demonstram a gravidade das queimaduras causadas por álcool.
Nos quatro primeiros meses deste ano, o Hospital João XXIII recebeu 138 pacientes, sendo 40 por queimaduras causadas por álcool – quase 30% das internações. Já na UTI de queimados, nesse mesmo intervalo de tempo, 17 das 41 admissões foram por acidentes envolvendo a substância. Ou seja, mais de 40% das internações graves, neste ano, ocorrem em razão da má utilização do produto.
Entre os quase 430 casos de internação em 2020, 93 tiveram o álcool como agente causador do acidente, o que representa pouco mais de 20%. No entanto, quando se considera as queimaduras ainda mais graves, o produto aparece com maior frequência: entre os 110 pacientes que passaram pela UTI específica para o tratamento de queimados da instituição, 39 foram devido ao uso de álcool – número equivalente a mais de 30% das ocorrências.
Uso correto
De acordo com a cirurgiã plástica e coordenadora do serviço, Kelly Danielle de Araújo, o risco de explosões é potencializado com o uso e o armazenamento de álcool em casa. “As queimaduras por fogo costumam ser as mais profundas e, por isso, as mais graves. Há ainda o perigo da inalação de fumaça e, por consequência, a queimadura de vias aéreas. Por isso, não recomendamos o uso de álcool para higienização da casa, tampouco para assepsia de mãos em ambiente doméstico”, ressalta Kelly.
A cirurgiã explica que o álcool deve ser utilizado apenas quando a pessoa está na rua, onde não há outra possibilidade de higienização das mãos. Outra opção é a espuma antisséptica com clorexidina, que dispensa o uso de água e não tem o risco de combustão. Em casa, deve-se dar preferência à água e sabão, friccionando palmas, dorso, dedos e unhas por pelo menos 20 segundos antes de enxaguar.
Para fazer a limpeza comum da casa, o álcool pode ser substituído por outros produtos sanitizantes mais seguros, como o hipoclorito de sódio (água sanitária) na concentração de 2,0% a 2,5%.
A aplicação do álcool em gel nas mãos ainda exige outros cuidados. “É importante ter cautela para que o produto não espirre nos olhos, o que pode causar queimaduras oculares e, inclusive, sequelas. O fumante também deve redobrar a atenção para não acender o cigarro antes da secagem completa do álcool nas mãos”, enfatiza a médica.
Vigilância com crianças em casa
Mais da metade das queimaduras atendidas no Hospital João XXIII, considerando tanto os casos graves quanto os que nem sempre exigem internação, são causadas por contato com líquidos muito quentes – as chamadas escaldaduras. Em 2020, dos 1.537 atendimentos a queimados na unidade, 922 foram em decorrência desse tipo de acidente. Desse total, 181 foram com crianças de 0 a 11 anos.
Com o isolamento social, a precaução deve ser aumentada. “Pedimos aos pais que tomem bastante cuidado com panelas quentes, não as deixando na beirada do fogão e sempre com os cabos virados para o fundo”, pontua a coordenadora da Unidade de Tratamento de Queimados, Kelly Araújo. Outro risco são as queimaduras elétricas. “Se possível, indicamos o uso de protetores de tomadas para evitar que as crianças coloquem o dedo e se queimem”, alerta.
O autônomo Fábio Lúcio Oliveira Costa vivenciou uma situação alarmante, em 2018, quando a filha, Luíza, na época com 1 ano e 8 meses, se envolveu em um acidente doméstico. “Eu estava me preparando para ir trabalhar e deixei o ferro de passar esquentando, na tomada, por alguns segundos. Nesse curto intervalo de tempo, ela acordou, saiu da cama e encostou a mão na parte quente. Foi um susto muito grande. Saímos desesperados para o posto de saúde. A queimadura foi tão grave que ela foi encaminhada com urgência para o João XXIII”, relata.
Luíza ficou 14 dias internada e precisou fazer enxerto para recuperar a palma da mão. “Durante o tempo em que estivemos no hospital com ela, fiquei impressionado com a quantidade de crianças que chegam, todos os dias, acidentadas com água quente, churrasqueira, álcool e outras coisas. Hoje ela está bem, sem sequelas, apenas com uma cicatriz”, revela. “Hoje em dia, se estou mexendo com panela na cozinha, coando um café ou o que quer que seja, peço sempre que ela saia de perto. São situações simples de se evitar, mas que a maioria das pessoas pensam que nunca acontecerá. E, infelizmente, acontecem”, conta o pai da criança, que também destaca a gratidão à equipe do hospital.
Junho laranja
Promovido pela Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ), o Junho Laranja visa à conscientização da população e das autoridades quanto à prevenção de acidentes com queimaduras. Neste ano, o tema da campanha é “Álcool e fogo: mantenha distanciamento. Contra queimaduras, prevenção é a vacina”.
De acordo com a organização, no Brasil, são cerca de 150 mil internações por ano em razão de queimaduras. Desse total, em média, 30% são crianças. Prédios públicos estão sendo iluminados com a cor laranja em razão da data, entre eles, o Hospital João XXIII, Hospital Infantil João Paulo II (HIJPII) e o Hospital Maria Amélia Lins (HMAL).
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