O Ministério Público Federal (MPF) pediu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) a suspensão dos efeitos de uma decisão da 1ª instância da Justiça Federal em Belo Horizonte que homologou proposta de indenização e reassentamento de famílias que vivem às margens da BR-381, em Minas Gerais, apresentada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e pela União.
No último dia 21 de fevereiro, o Juízo da 7ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte (MG) acatou proposta chamada “Programa de Reassentamento e Compensações Financeiras destinado aos ocupantes socioeconomicamente vulneráveis da faixa de domínio da BR-381/MG/Norte (Belo Horizonte – Governador Valadares)” apresentada pelo Dnit no dia 7 do mesmo mês.
No recurso, o MPF questiona tanto aspectos de natureza processual, entre eles o fato de que a decisão homologou uma proposta unilateral e não o resultado de efetivo ajuste entre as partes, contrariando, portanto, o artigo 166 do Código de Processo Civil, quanto aspectos relacionados ao próprio conteúdo do acordo.
Deve-se registrar que a Justiça Federal vem realizando uma série de tratativas no âmbito do Programa Judicial de Conciliação denominado Concilia BR, instaurado para, em tese, agilizar o reassentamento e o direito à moradia adequada das famílias que serão atingidas pelas obras viárias a serem executadas no chamado Anel Rodoviário de Belo Horizonte.
Também é oportuno esclarecer que a ação civil pública ajuizada por MPF e Defensoria Pública da União (DPU) no ano de 2013 tratava apenas da reforma do Anel, mas, em um acordo celebrado em 2014 foram incluídas também as obras de duplicação da BR-381, no seu trecho compreendido entre Belo Horizonte e Governador Valadares (MG). O novo acordo tratou justamente dos ocupantes da faixa de domínio desse trecho rodoviário da BR-381/MG/Norte que liga BH a Valadares, entre o entroncamento da BR-116/MG (Governador Valadares) e a BR-262/MG (Sabará).
Desconhecimento – No “acordo” homologado no dia 21 de fevereiro, o Dnit apresentou uma lista de famílias a serem beneficiadas, elaborada, segundo o MPF, a partir de “levantamentos sociais incompletos e lacunosos” e sem que o correspondente diagnóstico social tivesse sido submetido previamente à validação dos parceiros processuais.
Na verdade, nem mesmo a Comunidade dos Moradores em Áreas de Risco (Cmar), órgão representativo dos reassentandos, que são os maiores interessados no Programa Judicial de Conciliação, tampouco qualquer associação de moradores ou entidade semelhante, participou das discussões acerca da proposta apresentada. A representante da Cmar esteve presente na audiência em que se fez a homologação, mas não teve acesso prévio ao conteúdo da proposta.
O recurso também afirma que “não foram chamados à audiência ou às discussões os Municípios de Santa Luzia e Sabará, que são também partes na ação, nem tampouco os Municípios de Caeté, Nova União, Bom Jesus do Amparo, Barão de Cocais, São Gonçalo do Rio Abaixo, João Monlevade, Bela Vista de Minas, Nova Era, Antônio Dias, Jaguaraçu, Timóteo, Coronel Fabriciano, Ipatinga, Santana do Paraíso, Belo Oriente, Naque, Periquito e Governador Valadares em cujos territórios, às margens da BR-381, subsistem ocupações com fins de moradia que deveriam ser alcançadas pelo diagnóstico e pela selagem. Todavia, inexiste nos autos documento comprobatório de que os órgãos de tais municípios tenham sido acionados”.
Além da falta de chamamento de todos os interessados à participação na formulação do acordo, o MPF aponta que as partes sequer tiveram acesso a todos os documentos citados na proposta, porque, até a data da interposição do recurso inclusive, eles não haviam sido juntados aos autos originários nem tampouco remetidos ao Ministério Público Federal.
“Ora, são princípios básicos e norteadores das conciliações e composições a transparência e o conhecimento prévio dos termos da avença e dos documentos que a sustentam, do seu teor e, ainda de suas consequências. Sem isso, como será possível às partes decidirem?”, questiona o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Helder Magno da Silva.
De acordo com o MPF, a falta dos documentos impede que qualquer ente externo ao Dnit saiba de onde foram extraídos os dados ou como contactar qualquer das pessoas ali nominadas, para se apurar a veracidade das informações sobre elas.
“Há mesmo algumas situações curiosas”, lembra o procurador da República. “Por exemplo, no 4º parágrafo da 2ª cláusula do Anexo II, prevê-se que a ausência do nome do beneficiário da relação de reassentados não o exclui automaticamente da elegibilidade, desde que sua inclusão possa ser demonstrada nos cadastros ou relatórios pré-existentes mencionados nesta cláusula, mediante provocação do interessado. O problema é que tais cadastros não foram juntados em sua inteireza aos autos originários. Então, onde a pessoa vai conferir sua situação? Não tem como”.
Nulidade – O recurso ainda aponta possível nulidade decorrente de mudanças promovidas, durante a audiência de conciliação, em alguns itens da proposta.
É que, diante dessas alterações, os representantes do Dnit informaram que teriam que levar o assunto ao conhecimento de sua diretoria, porque os novos termos do acordo necessitariam de aprovação por aquele órgão, conforme estabelece o estatuto da autarquia. Em suma: eles só estavam autorizados a assinar o acordo na forma como originalmente aprovado pela diretoria colegiada do Dnit. Qualquer inovação exigiria uma reanálise por esse órgão.
O Juízo, no entanto, negou o pedido, dizendo, em síntese, que decisões judiciais prevalecem sobre decisões administrativas e que, caso houvesse recusa do Dnit, ele simplesmente determinaria o bloqueio dos recursos necessários ao cumprimento do acordo.
Para o MPF, a decisão acabou causando a nulidade do ato, pois faltou ali um requisito básico da validade dos negócios jurídicos: a capacidade do agente. Isso porque o agente que firmou o acordo em nome do DNIT não tinha atribuição para assumir, em nome da autarquia, o compromisso com as modificações efetuadas.
“Por óbvio, não pode o Juízo sub-rogar-se nas atribuições do órgão administrativo colegiado do DNIT, à revelia da lei e atos normativos regulamentadores, para assumir compromisso em nome da autarquia federal e, na sequência, homologá-lo”, diz o recurso.
Helder Magno explica que “ao invés de homologar um acordo celebrado entre as partes, o Juízo impôs sua decisão, ignorando a premissa básica da conciliação, que é o entendimento voluntário”.
O recurso ainda questiona outros aspectos que considera irregulares na decisão, como a não inclusão da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) na tratativa, eis que será dela a responsabilidade de exigir o cumprimento do acordo pela concessionária que vencer a licitação para as obras, sendo que, nesse aspecto, sua personalidade jurídica e responsabilidades não se confundem com as da União, e também cláusulas que limitam ou isentam determinados entes públicos de responsabilidade em caso de descumprimento do acordo, ou, até, contrariam obrigações já assumidas em acordos anteriores.
No pedido feito ao TRF1, o MPF pede que, caso não se entenda pela anulação, que a decisão então seja reformada, para incluir a obrigação de prover o reassentamento humanizado de todas as pessoas vulneráveis que ficaram de fora desta nova avença e para retirar as cláusulas que limitam ou sejam contrárias a acordos anteriormente celebrados e já transitados em julgado.
Clique aqui para ter acesso à íntegra do recurso.
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