Agricultores cobram regularização fundiária na Serra Negra

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Conflito com o Estado se deve à necessidade de desapropriações para criação de parque estadual.

A regularização fundiária dos agricultores que vivem no Parque Estadual da Serra Negra, em Itamarandiba (Vale Jequitinhonha), foi cobrada durante audiência pública, nesta quarta-feira (20/11/13), promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

O processo de desapropriação das cerca de 130 famílias que lá vivem se arrasta há 15 anos, desde que o Governo do Estado criou o parque, que tem 13,6 mil hectares. A reunião, solicitada pelo deputado Durval Ângelo (PT), teve a participação de dezenas de moradores do local, que viajaram 420 quilômetros, à noite, para acompanhar o debate.

Cobrando uma imediata solução do impasse, agricultores, autoridades e representantes de entidades criticaram a forma como é criada uma unidade de conservação, sem planejamento, estudo e infraestrutura, além do baixo valor das indenizações oferecidas aos proprietários de terras desapropriados.

Do outro lado, dois representantes do Instituto Estadual de Florestas (IEF) argumentaram que o processo de regularização fundiária é complexo, mas que ele já foi iniciado no Parque da Serra Negra, com seis indenizações já autorizadas.

O presidente da Associação dos Defensores e Amigos da Serra Negra, José Raimundo da Silva, disse que a indignação das pessoas é grande já que, segundo ele, o IEF anunciou falsas expectativas. José Raimundo afirmou que não quer deixar sua terra para morar na cidade. “Eu não aceito morar na cidade por causa de uma lei que me tirou minha propriedade e quer me levar para um local ignorado”, contestou.

Mesma indignação foi relatada pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itamarandiba, Heli de Souza Nunes. Ele criticou o baixo valor das indenizações e o desrespeito com o trabalhador e com a vida das pessoas que sempre trabalharam no campo.

O assessor jurídico da Associação dos Defensores e Amigos da Serra Negra, Luiz Fernando Alves, informou alguns exemplos de indenizações que estão sendo oferecidas aos moradores do parque. “Como avaliam hoje um imóvel de 6 hectares, com casa e curral, por R$ 17 mil, sendo que a mesma propriedade já foi avaliada há anos por R$ 30 mil?”, perguntou.

Segundo ele, em outro imóvel, de 108 hectares de terra, a Advocacia Geral do Estado (AGE) mandou pagar R$ 34,9 mil. “Essas decisões destroem sonhos, sentimentos e famílias”, disse, ao denunciar o desrespeito aos trabalhadores que pleiteiam indenização e tratamento justos.

Luiz Fernando Alves disse que, em 2009, foram feitas promessas por parte do Estado e a situação do trabalhador rural da Serra Negra continua a mesma. De acordo com ele, em 2012, houve várias reuniões com o IEF e até hoje os trabalhadores não têm posicionamento sobre o cronograma das desapropriações e a aplicação dos recursos de compensação ambiental. Em sua opinião, o Governo do Estado e o IEF são inoperantes já que, desde a criação do parque, há 15 anos, não há estrutura nem planejamento para a unidade de conservação.

IEF afirma que haverá revisão dos limites do parque

Para explicar o processo de indenização no Parque Estadual da Serra Negra, o analista ambiental do IEF Patrick de Carvalho Timochenco informou que está sendo feito um estudo para revisão dos limites do parque, na tentativa de reduzir os conflitos.

Segundo ele, em 2012, foi feito cadastramento dos proprietários e em novembro do mesmo ano houve reuniões com a participação de 50 famílias. Dessas, seis estavam com a documentação completa e em fevereiro de 2013 foi feita a avaliação dos imóveis. Patrick Carvalho informou que o IEF está contactando mais uma vez os proprietários que ainda têm documentos pendentes para avaliação do imóvel.

O diretor-geral do IEF, Bertholdino Apolonio Teixeira Júnior, confirmou que, durante o processo de regularização fundiária, vários documentos estavam incompletos, e aqueles que estavam completos foram encaminhados à AGE. De acordo com ele, o processo de regularização fundiária é complexo e dinâmico, e o instituto precisar seguir os ritos. Ele ponderou, no entanto, que a avaliação do imóvel pode ser questionada judicialmente.

Representantes criticam ausência de estudo

A ausência de estrutura, de estudos técnicos e de avaliação do impacto social e ambiental no momento de criação de uma unidade conservação foi criticada pela assessoria jurídica da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), Ênnia Rafael Guedes. Segundo ela, até hoje não existe um plano de manejo para o Parque da Serra Negra, e os agricultores estão engessados, sem conseguir produzir.

O assessor do Departamento de Política Agrária da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado de Minas Gerais (Fetaemg), Eduardo Nascimento, também criticou que tanto o governo estadual como o federal não adotam procedimentos corretos para a criação de uma unidade de conservação.

Segundo ele, as pessoas que moram em uma unidade de conservação são impedidas de trabalhar, e as políticas públicas não chegam a esses locais. Ele classificou o tratamento dado aos agricultores familiares da Serra Negra como uma “falta de humanidade”.

Mesmo sentimento tem o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Conflitos Agrários, o procurador Afonso Henrique de Miranda Teixeira. Para ele, a situação na Serra Negra é um atentado à dignidade das pessoas.

Ele ponderou que os imóveis rurais não são apenas moradia, mas unidades de produção de trabalho, e isto deve ser contabilizado no momento da indenização. E sugeriu que este caso seja levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para que o Brasil comece a ser punido por tratamentos como este.

O presidente da Fetaemg, Vilson Luiz da Silva, também criticou a ausência de estudos antes da criação de unidades de conservação. Em sua opinião, o problema é criado para depois “ficar empurrando com a barriga”. “Não estamos aqui pedindo esmola, estamos reivindicando nossos direitos, lutando para continuarmos no campo. Não queremos miséria para ir para a cidade”, disse.

Deputados condenam atuação do Estado

O deputado Rogério Correia (PT) também salientou que as pessoas já estavam lá antes da criação do parque. Ele também criticou a criação da unidade sem ouvir antes aqueles que lá vivem, retirando o sustento dessas pessoas.

Já o autor do requerimento para o debate e presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT), ponderou que o caso do Parque da Serra Negra é uma situação que vem se repetindo no Estado em outros locais, como as Serras da Moeda e do Rola Moça e o Sumidouro, entre outros. Segundo ele, o Estado decreta área de proteção ambiente e trata os pequenos proprietários “pior que cachorro”.

Ele também criticou a forma como as desapropriações são feitas, sem antes consultar aqueles que vivem na área. E defendeu que seja feito primeiro o redesenho do parque e posteriormente o reassentamento. “Receber o dinheiro da indenização não é a melhor alternativa”, afirmou.

Fonte: ALMG

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