Neste momento de crise, o Brasil corre o risco de perder uma população jovem e bem formada para Portugal. Essa migração de pessoas qualificadas é incentivada por dois movimentos. De um lado, as universidades portuguesas se esforçam para facilitar a entrada de estudantes brasileiros – que, além de se adaptarem rapidamente graças ao idioma, pagam pelo menos o dobro da taxa cobrada de um aluno português. De outro, estão os próprios jovens, que estão de olho não só no ensino, mas também na possibilidade de ficar em solo europeu de forma definitiva.
Filha de militar, Brenda Prestes, estudante de engenharia mecânica de 20 anos, nasceu em Manaus, mas se acostumou desde criança a novos começos, pois morou do Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro. Depois de tantas mudanças, pretende fincar raízes em Faro, onde mora há nove meses, para cursar a Universidade do Algarve, uma das instituições portuguesas mais empenhadas em atrair estudantes do Brasil.
Os planos de Brenda, que não tem cidadania portuguesa, já estão traçados: “Vou fazer a graduação, o mestrado e aproveitar o sexto ano para procurar emprego. A partir daí, já posso pedir cidadania”. A estudante, aliás, tem a tarefa de preparar o terreno para o restante da família, que deverá cruzar o Atlântico assim que o pai se aposentar – os servidores públicos de salários mais altos são, aliás, um dos alvos da política de imigração portuguesa. O governo criou um visto específico para aposentados brasileiros.
Brenda, que já tem duas irmãs adultas, acabou de ganhar mais uma agora com 10 meses, que veio como uma surpresa para os pais. Se os planos da família virarem realidade, mesmo com o real cada vez mais fraco em relação ao euro, a caçula será criada em Faro.
A mesma determinação de permanecer em Portugal é relatada pelo gaúcho André Ries, 26 anos, que chegou ao Algarve antes da “onda” de estudantes brasileiros que invadiu a região nos últimos dois anos. Trabalhando durante o dia e estudando à noite vai levar ainda algum tempo para concluir a licenciatura em gestão empresarial. Ele vê sua relação com a Europa como definitiva. “Aqui tem muita coisa de que gosto, faço tudo a pé”, diz ele, que está disposto a se casar – desde que a futura mulher tenha cidadania portuguesa.
Assim como André e Brenda, centenas de brasileiros têm apostado as fichas em Portugal. A Universidade do Algarve contabiliza quase 500 estudantes brasileiros em graduação, mais do que o dobro de dois anos atrás. Hoje, a fatia de estudantes brasileiros se aproxima de 4%, proporção semelhante à da Universidade de Coimbra – que ainda é bem maior em termos absolutos, com cerca de 3 mil alunos de origem brasileira.
Disputa
O reitor da Universidade do Algarve, Paulo Águas, sabe que a maior parte dos estudantes tem a intenção de ficar em Portugal por um período que excede o curso em que se matricularam. Se por um lado isso pode causar uma perda de mão de obra qualificada para o Brasil, ele diz que essa migração poderá solucionar uma questão portuguesa. Como a economia do país passou por uma longa crise antes da bonança atual, jovens portugueses migraram para outras regiões da Europa, em busca de salários mais altos e novas perspectivas de carreira.
Dessa forma, diz Águas, criou-se um espaço a ser ocupado por imigrantes. Para resolver o “buraco” demográfico, agravado pelo fato de cerca de 20% da população ter mais de 60 anos, Portugal precisaria atrair 70 mil pessoas todos os anos. “Sofremos um brain drain e estamos à procura de talentos”, diz o reitor. “Isso afetou o sistema de ensino, que tem folga para receber estudantes.”
As universidades têm ainda uma razão econômica para facilitar a vida dos brasileiros dispostos a estudar em Portugal – Faro e Coimbra, por exemplo, estão na lista das que reconhecem o Enem na hora de selecionar alunos de graduação. Os brasileiros pagam entre ¤ 2 mil e ¤ 3,5 mil por ano, enquanto a instituição recebe no máximo, ¤ 1 mil por aluno português. A briga pelos brasileiros, no que depender de Águas, só vai se intensificar: “Queremos ser a líder em três anos”.
Segunda chance
Fora dos cursos de graduação, entre mestrandos e doutorandos da Universidade do Algarve, é fácil encontrar exemplos de brasileiros que apostaram na mudança para Faro como uma “segunda chance”. É o caso do engenheiro Cláudio Marcelo Luiz, de 58 anos que se desfez de uma pequena construtora em São José do Rio Preto (SP). “Éramos especializados em Minha Casa Minha Vida e, quando vi que a situação não iria melhorar, peguei minha parte do negócio e vim para Portugal”, conta. “Muita gente me questiona, mas eu digo: ‘Eu vim justamente para mudar’.”
Rafaela Paiva de Oliveira, de 33 anos, deixou a vida de estudo e trabalho em Belo Horizonte, onde cursava administração na UFMG. Apesar de admitir ter tido uma adaptação difícil, ela vê o mestrado como um aprendizado que transcende a educação. “Minha vida caiu em termos financeiros. Mas estava em busca de mais tranquilidade, e aprendi a viver com menos.”
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(Fonte: Agência Estado, via Itatiaia)