“A edificação em apreço lembra ao vivo a fase de desbravamento e povoamento da região por paulistas e bahianos (sic), ainda ao findar do século XVII. Sua ancianidade incontestável – é, sem dúvida alguma, um dos templos mais antigos de Minas – e sua vinculação a esse período da formação nacional conferem-lhe, a nosso ver, evidente interesse histórico, que pode ser extendido (sic) ainda às características arquitetônicas por ela apresentados. Segundo informa o Dr. Salomão de Vasconcellos, é tradição que ao pé do altar-mor se acha sepultado o seu edificador, o sertanista Januário Cardoso.”
O trecho acima é de autoria do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade e integra parecer técnico redigido por ele e favorável ao tombamento da Igreja Matriz da Nossa Senhora da Conceição, no Morro dos Jesuítas, em Matias Cardoso (Norte de Minas). Foi escrito quando ele era chefe da Seção de História do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, hoje conhecido como Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A igreja acabou sendo tombada pelo órgão, em 1954.
Edificação é patrimônio cultural da coletividade, razão pela qual é protegida por lei (TJMG)
As palavras do escritor integram fundamentação da sentença que condenou uma empresa a pagar R$ 65 mil de indenização por danos morais coletivos pela instalação de uma torre de internet nas proximidades da edificação. A sentença foi proferida no programa “Julgar: Rede Ampliada de Justiça”, criado nesta gestão para aumentar a produtividade nos âmbitos cível e criminal nas comarcas de Minas. A força-tarefa é formada por assessores, com o apoio da magistratura. Até março deste ano, o Julgar já havia prolatado quase 25 mil sentenças.
Como a sentença transitou em julgado, o Ministério Público já peticionou, em 8 de maio, para que ocorra o cumprimento da decisão. A movimentação ocorre na semana em que se festeja o aniversário da cidade.
Agressão ao patrimônio
O Ministério Público de Minas ajuizou uma ação civil pública, com pedido de antecipação de tutela, contra a Janaja Serviços Ltda., afirmando que a empresa instalou uma torre com três antenas que agredia o conjunto arquitetônico e a paisagem do patrimônio público, causando impacto elétrico, paisagístico e visual. De acordo com o MP, foi enviada notificação extrajudicial ao Iphan, dirigida à prefeitura, determinando a retirada das antenas. O órgão sustentou ainda que o Morro dos Jesuítas é área de proteção ambiental, sendo necessária autorização do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Codema) para qualquer intervenção na área, e que a prefeitura não havia autorizado a instalação do equipamento no local.
Na ação, pediu tutela antecipada determinando a remoção da torre de internet, bem como a recuperação integral da área degradada e a indenização pelos danos causados ao patrimônio natural, arquitetônico, histórico e paisagístico de Matias Cardoso, no valor de R$ 200 mil, com reversão para o Fundo Estadual de Direitos Difusos ou para o Fundo Municipal de Patrimônio Cultural de Matias Cardoso. A antecipação de tutela foi deferida.
Defesa
Em sua defesa, a empresa alegou que existia um inquérito civil para apurar o impacto causado pelas antenas de telefonia instaladas nas proximidades da igreja. Destacou ser proprietária de uma das antenas e frisou que, em 2012, foi celebrado de termo de ajustamento de conduta na qual reconheceu que o local era inadequado para a instalação do equipamento. Propôs-se a retirá-lo do entorno da igreja matriz, mas por direito apresentou contraproposta.
A empresa afirmou ainda que a antena havia sido instalada de modo regular, sendo que os órgãos competentes pela fiscalização não haviam, em momento algum, se manifestado contra a instalação. Alegou também que não havia prova “plena e concreta” de dano material causado e afirmou não existir dano moral, por falta de individualização da lesão. A retirada da torre de internet foi cumprida.
Lesão ao patrimônio
Na sentença, observou-se que a controvérsia estava em analisar a adequação ou a inadequação de instalação de antena de internet no entorno de patrimônio tombado e em área de proteção ambiental, bem como aferir se a instalação causou dano moral à coletividade. Destacou-se que a igreja foi construída em torno de 1695 e é considerada a primeira igreja edificada de Minas Gerais, possuindo proporções físicas diferenciadas em relação às demais igrejas da época.
Além de lembrar os atos de tombamento da edificação, a sentença ressaltou que não houve permissão do Iphan, do Codema e da prefeitura para a instalação. “A ilicitude da conduta da empresa ré resta demonstrada e comprovada, havendo presença da torre em local proibido, à margem da lei, há anos, sendo incontroversa a existência de danos ambientais, paisagísticos, que, efetivamente, repercutem de modo desfavorável na coletividade”, destacou.
“As cidades devem crescer e seus moradores não devem se ver privados de processos tecnológicos evolutivos, mas tal realidade deve acontecer sem destruir seu passado, e em harmonia com este. A evolução não demanda necessária destruição, sendo essencial a manutenção de conjuntos culturais arquitetônicos, que devem ser administrados de forma inteligente, incorporando os núcleos históricos ao contexto e dinâmica das atuais cidades”, afirma a sentença.
Ainda segundo a decisão, o dano moral coletivo ficou configurado, visto que a descaracterização da paisagem ocasionou lesão na esfera moral de uma comunidade. “A intervenção foi agressiva e descaracterizante, tendo as antenas ali instaladas tirado, completamente, a aura de construção realizada no ano de 1695.”
Valor histórico ímpar
Considerando que o dano moral coletivo era evidente, a decisão julgou parcialmente procedentes os pedidos e condenou a empresa ao pagamento de R$ 65 mil pela lesão a patrimônio tombado. Ao fixar-se o valor da indenização, foi considerado o fato de a antena ter atingido valores e a memória histórica nacional, porém de forma reversível. O montante deverá ser convertido em 30% para o Fundo Estadual de Direitos Difusos e em 70% para o Fundo Municipal do Patrimônio de Matias Cardoso. A sentença confirmou também os efeitos da tutela antecipatória que havia determinado a remoção do equipamento do local.
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(Fonte: TJMG)