Os dois adolescentes que morreram durante ataque com arma de fogo em uma escola particular de Goiânia foram sepultados no fim da manhã de hoje (21/10/2017) em cemitérios da cidade. O crime ocorreu na manhã dessa sexta-feira (20), quando um estudante da mesma turma, que era alvo de bullying por parte de um colega, usou a pistola da mãe, uma sargento da Polícia Militar (o pai do garoto também é oficial da corporação), para matar os colegadas de classe. O autor foi apreendido em flagrante.
O pai de um dos adolescentes mortos conversou rapidamente com a imprensa. Leonardo Calembo disse que a família está consternada e criticou o que chamou de perda de valores na sociedade. “O que tem faltado hoje nas famílias é o ensino do amor ao próximo, que a família e a vida do próximo são importantes. Quero deixar bem claro que meu filho era cristão, obreiro da igreja. Meu filho não foi pivô de nada, não foi o único alvo”, afirmou Calembo. O filho dele foi acusado de praticar bullying contra o jovem autor do ataque.
O diretor da escola participou dos sepultamentos, mas não deu entrevistas. De acordo com Flávio Roberto de Castro, presidente do Sindicado dos Estabelecimentos de Ensino Particular de Goiânia, a outra diretora da escola, identificada como Tia Rose, passou mal ao receber a notícia do incidente na sexta-feira e permaneceu a noite hospitalizada.
O colégio não deve funcionar segunda-feira (23). “Na segunda-feira, vamos nos reunir com a comunidade e a professores e ajudar a escola a montar um plano de volta às aulas. A partir dessa conversa, mediada pelo sindicato e pelo Conselho Estadual de Educação, teremos um calendário”, explicou Castro.
João Pedro Calembo (à esquerda) e João Vitor Gomes morreram após ataque a tiros no Colégio Goyases, em Goiânia (Foto: Reprodução/TV Anhanguera/G1 Goiás)
Vítima de ataque segue em estado grave com pulmões perfurados
Uma das vítimas do ataque a tiros no Colégio Goyases, uma adolescente de 13 anos, segue internada em estado grave na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital de Urgências da cidade. A menina, que foi ferida na mão, no pescoço e no tórax, teve os dois pulmões perfurados. Segundo informações do hospital, ela passou por uma cirurgia e está sedada e intubada para drenagem torácica bilateral.
Duas outras vítimas também tiveram boletim médico divulgado pelo hospital esta manhã. Uma menina que estava na enfermaria com um pulmão perfurado foi transferida para a UTI. Segundo o boletim, ela segue estável, mas era preciso “melhor observação da drenagem torácica e de possíveis sangramentos, o que não aconteceu até o momento”. Um garoto, também de 13 anos, está na enfermaria, consciente e estável, com respiração espontânea.
Colégio Goyases, em Goiânia (Foto: Sílvio Túlio/G1 Goiás)
Coordenadora evitou tragédia maior em Goiânia
O pai do adolescente que abriu fogo contra colegas em uma escola de Goiânia foi ouvido de forma preliminar pelo delegado do caso agora à noite. A coordenadora do colégio também prestou depoimento. Ela foi a responsável por acalmar o adolescente após o ataque que deixou dois mortos e quatro feridos no Colégio Goyazes, no bairro Conjunto Riviera.
Ao sair da sala após efetuar os disparos, o estudante encontrou a coordenadora da escola que começou a acalmá-lo. Ele chegou a apontar a arma contra a própria cabeça, mas a coordenadora conseguir evitar o suicídio e convenceu o estudante a esperar a polícia com ela na biblioteca da escola. O adolescente foi apreendido em flagrante delito e segue sob custódia do estado.
No depoimento que prestou durante a tarde, o autor dos disparos, um adolescente de 14 anos, disse que foi motivado por bullying e que se inspirou nos casos da escola de Columbine (ocorrido em 1999, nos Estados Unidos), e de Realengo (em 2011, no Rio de Janeiro). Há cerca de três meses, ele teria começado a pesquisar informações sobre esses ataques a estudantes na internet. Ele afirmou que começou a planejar a ação há três dias e que teria chegado a desistir.
Os dois policiais militares que foram os primeiros a chegar no local também foram ouvidos. O delegado Luiz Gonzaga, da Delegacia de Apuração de Atos Infracionais da Polícia Civil de Goiás, vai retomar os depoimentos na segunda-feira. Familiares e professores da escola devem ser ouvidos.
O ataque
O ataque ocorreu por volta das 11h30. A arma usada foi uma pistola que pertencia à mãe do adolescente, que é policial militar. O jovem disse que achou a pistola escondida em um móvel da casa. Nem a mãe nem o pai, que também é policial militar, ensinaram o adolescente a atirar.
Ao retirar a arma da mochila para começar o ataque, ele chegou a efetuar um disparo acidental, mas não se feriu. O disparou assustou a todos e, então o adolescente se dirigiu ao colega que ele identificava como seu desafeto e atirou. O estudante tinha 13 anos e morreu no local. No depoimento, o autor dos disparos narrou que tinha intenção de matar apenas o colega que o “amolava”, mas no momento do ataque, diante do desespero das pessoas e também abalado, continuou atirando. A segunda vítima fatal, que faleceu no local, era seu amigo.
Por volta das 11h48, gravações de áudio já circulavam nos grupos de whatsapp de pais de alunos e funcionários do colégio avisando sobre a tragédia e pedindo que ninguém fosse para o colégio. Era o horário de saída do turno da manhã e alguns pais já chegavam ao local para buscar os filhos.
Repercussão e investigação
Durante a tarde, o governo de Goiás decretou luto oficial de três dias “em solidariedade a todos os envolvidos no lamentável acontecimento”, conforme nota. Dirigentes das secretarias de Segurança Pública e de Saúde se reuniram com o governador em exercício de Goiás, José Eliton. Eles afirmaram que deve ser nomeada uma equipe multidisciplinar para acompanhar as famílias das vítimas.
A Polícia Civil periciou o local do ataque durante a tarde e também realizou busca e apreensão na casa do adolescente autor do disparos. O delegado não quis informar o que foi apreendido para preservar a investigação. Os nomes dos jovens envolvidos também não foram divulgados para preservar as famílias.
Vizinhos, ex-alunos e parentes de estudantes fazem uma vigília em frente ao colégio na noite desta sexta-feira. Cerca de 80 pessoas acenderam velas e depositaram flores no local. O colégio funciona no bairro há cerca de 25 anos com turmas do maternal até o nono ano do ensino fundamental.
Especialistas defendem tolerância e respeito às diferenças contra o bullying
O ataque em Goiânia reacendeu o debate em torno dos possíveis impactos do bullying – termo derivado da palavra inglesa que designa uma pessoa brigona e que passou a identificar, mundialmente, a situação em que uma criança ou adolescente se torna alvo de repetidas agressões físicas ou verbais.
Para especialistas ouvidos pela Agência Brasil, a prática é indicativa dos preconceitos e da intolerância às diferenças que permeiam o convívio social e só será superada com o engajamento de toda a sociedade.
Segundo as primeiras informações de policiais civis, o adolescente que pegou a arma da mãe e disparou contra colegas de classe, declarou ser alvo de frequentes gozações de outros alunos.
Internet
De acordo com os investigadores, o garoto pesquisou na internet por cerca de seis meses sobre armas e atentados como os ocorridos em um colégio de Columbine, nos Estados Unidos, em 1999, e em Realengo, no Rio de Janeiro, em 2011. Atingidos pelos tiros, dois estudantes de 13 anos morreram instantaneamente. Outros quatro foram feridos e internados. A ação ocorreu no Dia Mundial de Combate ao Bullying.
Para a presidente da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (Abrapee), Marilene Proença, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), a violência física ou psicológica, intencional e repetitiva, é capaz de fragilizar um jovem a ponto de levá-lo a extremos contra si próprio ou contra terceiros.
“Importante é não culpabilizarmos a criança, a família ou uma escola em particular, mas sim analisarmos o quanto estamos produzindo, socialmente, situações como esta”, defendeu a psicóloga, sugerindo que houve avanços na compreensão do possível impacto e combate ao bullying ao longo da última década, como a aprovação da Lei 13.185 , que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática.
Preconceitos
A lei classifica a intimidação sistemática como verbal, moral, sexual, social, psicológica, física, material e/ou virtual e caracteriza que é bullying toda a forma de violência física ou psicológica sistemática, seja por meio de atos de intimidação, humilhação ou discriminação, por ataques físicos, insultos pessoais, uso de apelidos pejorativos, ameaças por quaisquer meios, grafites depreciativos, expressões preconceituosas, isolamento social consciente e premeditado ou pilhérias.
“O bullyng evidencia, através das crianças, todos os preconceitos existentes em nossa sociedade, como a intolerância às diferenças sociais, sexuais, regionais. Em última análise, é um reflexo dos valores difundidos por amplos setores da sociedade. São valores que acabam sendo interpretados pelas crianças, que os expressam com outras crianças, em ambientes como o escolar”, acrescentou Marilene.
Para a psicóloga, pais, pedagogos, comunicadores e outros profissionais devem estimular uma cultura de paz, na qual se valorize a tolerância e o respeito às diferenças, se quiserem contribuir para que episódios como o de sexta-feira não se repitam. “Nossa sociedade está tão intolerante que a violência passa a ser uma atitude para expressar a falta de diálogo e de acolhimento”, completou Marilene.
Adultos
De acordo com a pedagoga Cleo Fante, consultora em bullying, há muitas outras crianças em todo o país vivenciando a mesma situação que culminou na tragédia de Goiânia, seja sujeitando outras à humilhações, seja como vítimas da intimidação e violência de outros jovens ou grupos.
“Felizmente, um número muito pequeno delas chegará a protagonizar tragédias como esta – o que não minimiza o sofrimento. Daí a importância de enfrentarmos o problema com seriedade. Até quando vamos fechar os olhos para esse problema de convivência? Quantos outros jovens vão ter de perder a vida até a sociedade entender a dimensão do problema?”, questiona Cleo, afirmando que muitos adultos tendem a minimizar a questão, mesmo que também tenham sofrido na infância.
“Mesmo não tendo superado completamente as humilhações que sofreram quando crianças, muitos adultos tendem a dizer que não é nada, não vendo que nem toda pessoa tem a mesma capacidade para lidar com o bullying, que, além de causar grande sofrimento imediato, compromete o desenvolvimento, a aprendizagem e o processo de socialização, podendo acarretar uma série de sintomas psicossomáticos já na infância, como transtornos alimentares ou de sono, entre outros problemas que, se não forem tratados, podem se agravar.”
Pesar
Em nota conjunta, a Fundação Abrinq e o Instituto Sou da Paz manifestaram pesar pelo ocorrido em Goiânia. Para as duas organizações, todos os que “tiveram suas vidas transformadas”, incluindo o adolescente que disparou contra os demais jovens e sua família, merecem cuidados. E, assim como as duas especialistas entrevistadas, destacam o papel das escolas no enfrentamento ao bullying.
“As escolas do país tem sido palco de violência. Em primeiro lugar, é fundamental que toda a comunidade escolar, professores, outros profissionais, famílias e outros serviços passem a ter ferramentas para identificar e lidar com situações de violências nas relações entre alunos e destes com os profissionais da educação antes que estas se agravem”, sustentam as organizações.
“Há inúmeras formas para que a escola trate dessas questões, como formar os profissionais para mediação e manejo de conflitos, desenvolver habilidades socioemocionais, fortalecer o protagonismo juvenil nos encaminhamentos dos dilemas escolares e a apropriação da escola pela comunidade”.
Embora admitam que a presença de uma arma de fogo na casa de uma família de policiais era “inevitável”, a Abrinq e o Instituto Sou da Paz apontam os “riscos inerentes” de facilitar o acesso da população a armas de fogo. “Infelizmente, ao conseguir acesso a uma arma, os resultados produzidos pelo ataque foram muito mais graves do que caso o adolescente não tivesse tido acesso a uma arma de fogo e sim a outros meios de mediação do conflito com seus colegas.”
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(Fonte: Agência Brasil)