Amanhece na plantação como uma tela de arte em movimento. Com os dedos, chega-se à descoberta. Em vermelho, em pontinhos, em memória doce. É setembro, e a safra do morango no Brasil promete mais uma vez aquecer cidades, refrescar agricultores (a maior parte em propriedades familiares) e atrair olhares e paladares para uma fruta que ganhou o gosto nacional.
Entre as formas de celebrar, as principais cidades produtoras do país realizam concorridas festas do morango que vão além de bandejas de fruta, sucos, sorvetes ou qualquer outro alimento. Nesses eventos, comemora-se a força de uma cultura que ajuda a mover a agroindústria brasileira, as novidades tecnológicas, o alavancar dos equipamentos, as inovações científicas e a saúde de quem vive deste sabor. Mesmo com a crise econômica e variações climáticas, nas lavouras no sul de Minas Gerais, na tradicional região de Atibaia (SP), no Sul do país ou no Planalto Central de Brazlândia (DF), a 50 quilômetros de Brasília, cada amanhecer no campo é desenhado por trabalhadores em diferentes fases do cultivo.
Em setembro, diversas cidades promovem a festa do morango (Valter Campanato/Agência Brasil)
A raiz e o fruto
Um dos eventos mais tradicionais de setembro que celebram a colheita do morango ocorre na região administrativa do Distrito Federal, com a participação de 250 agricultores até o dia 10 de setembro. O paulista João Fukushi, hoje aos 65 anos, aprendeu com o pai japonês os segredos da plantação. O cheiro do morango faz parte da história de vida de toda a família, que decidiu se aventurar no Centro-Oeste a produzir a fruta.
“Se não fui o primeiro, posso dizer que fui um dos pioneiros por aqui”. O “aqui” de Fukushi é Brazlândia, cidade a 1.300 metros de altitude, com clima ameno e terra muito mais “em conta” do que em São Paulo. “Com o preço de um hectare em São Paulo ou Minas, consegui comprar 29 hectares por aqui”, recorda. O eldorado ganhou endereço naquele 1974 para o rapaz desbravador, de 23 anos. “Gostei daqui. No ano seguinte, tripliquei a produção”.
Foi assim que o vilarejo foi se transformando. Tanto deu certo que o lugar, quatro décadas depois, já era uma cidade de mais de 50 mil habitantes por causa da agricultura. A “cidade do morango” é também da couve-flor, da cenoura e das flores. Fukushi apostou nos morangos e nas flores.
O paulista João Fukushi aprendeu com o pai os segredos da plantação do morango e se aventurou no Centro-Oeste a produzir a fruta (Valter Campanato/Agência Brasil)
João casou-se com Zélia, sua companheira há 40 anos, na mesma chácara onde escreveram a história junto com os quatro filhos. “Sempre quis que eles seguissem seus próprios caminhos”, diz a mãe, que prefere atuar em uma área estratégica para os negócios da família, o embalar das 2 mil caixas diárias de morango que pesam um quilo e meio. Pesado e saboroso, o morango pincinque, por exemplo, um dos tipos mais populares na região, é de origem italiana e impressiona pelo tamanho. “O que me deixa satisfeito é garantir que não há qualquer agrotóxico por aqui. Isso aqui é saúde”, sorri João.
A família usa insumos naturais e garante que o segredo para evitar as pragas está também no carinho e na experiência. “Estou com 15 mil pés de morango. Eu vou cobrir a plantação na época da chuva para render mais”. Ele não arrisca qual será a produção do ano.
Nas cercanias das terras de Fukushi, outra plantação familiar. Lá, a história também tem cheiro de morango. Edilson Lorena acompanhou o pai, Alberto, na década de 1980. Saíram da interiorana Barro Alto (GO) para trabalhar em propriedades de japoneses em Brazlândia, a 200 quilômetros de distância.
De tanto trabalhar e observar o trato dos orientais com a terra, juntaram dinheiro e adquiriram o próprio terreno. O sonho tem nome e endereço: Chácara Lorena. “Meu pai ia de carroça vender o morango que plantávamos”, explica Edilson, 50 anos. “Estou no morango desde que me entendo por gente”. Também nesse caso, o esforço do pai e do avô chegou à academia.
O engenheiro agrônomo Douglas Lorena, de 28 anos, foi atraído pelo desafio de cuidar melhor do morango, uma fruta tão delicada. “A gente só produzia em uma época do ano. Hoje produzimos o ano inteiro. A tecnologia melhorou muito e temos mais possibilidades de cultivo e manejo. O morango nunca deixou faltar nada em casa”, afirma. A produção dos Lorena deve chegar a 70 toneladas em 2017.
O engenheiro agrônomo Douglas Lorena foi atraído pelo desafio de cuidar melhor do morango, uma fruta tão delicada (Valter Campanato/Agência Brasil)
O caule e a flor
O engenheiro agrônomo Rodrigo Teixeira, gerente do escritório da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater), explica que cresceu ano a ano a participação do morango na cultura da região. “Temos aqui cerca de 230 produtores que chegaram em uma época de imigração na década 1970 (…) Aqui se alcançou um nível tecnológico bastante alto”.
Ele detalha que o morango impacta de diversas formas o cenário econômico e o social do local onde a produção se desenvolve. “O PIB do morango é de cerca de R$ 30 milhões”. Mas o dinheiro não é o único ganho. Teixeira ressalta que a ideia de se ter uma “cidade do morango” impulsiona turismo, responsabilidade ambiental e cadeias produtivas. Ele exemplifica que a produção da cenoura na região também é substancial, mas o “morango atrai mais”. Por isso, os especialistas entendem que há potencial de crescimento para a região, mesmo com as dificuldades econômicas, variações climáticas e limitação do uso de água.
Outro importante produtor de morango que está em festa é Atibaia, a 69 quilômetros de São Paulo. São cultivados na cidade cerca de 3,5 milhões de pés da fruta por temporada. Entre as qualidades enumeradas pelos produtores está a “a alta qualidade do solo” e a expansão do Selo PIMO (Produção Integrada de Morangos). A produção integrada em Atibaia foi articulada pela pesquisa da Embrapa Meio Ambiente. O objetivo é difundir tecnologias de boas práticas agrícolas e possibilitar maior geração de empregos no campo com a fixação do homem nessas cidades.
Em Bom Repouso (MG), um dos principais casos de sucesso do país, há 3 mil produtores – também com predominância de agricultura familiar -, que ocupam uma área plantada de 300 mil hectares. A produção anual é de 20 milhões de caixas, segundo a Embrapa, com aproximadamente 120 mil toneladas destinadas principalmente para o mercado interno.
Os impactos nas cidades produtoras são visíveis por todos os lados. Do campo para o comércio local, na movimentação dos negócios, nos incentivos ao turismo e aos empreendimentos imobiliários. Em Brazlândia ou em Bom Repouso. Até em projetos sociais. A freira Yoshiko Mukai, no DF, organiza um trabalho de apoio à comunidade no Distrito Federal que transforma morango em geleia, licores e outros produtos. O que é arrecadado se transforma em ajuda a pessoas vulneráveis. “A festa do morango é um momento importante também por conta disso. O morango chegou ao auge há 20 anos. Antes eram só japoneses. Agora são os brasileiros que dominam”, diz.
O agricultor Francisco Rabelo, de 64 anos, comemora os bons resultados do ano com a fruta. “Todas as pessoas que eu conheço vivem de alguma forma do morango. Sempre trabalhei na roça e criei meus quatro filhos assim”.
Edilson Lorena acompanhou o pai na década de 1980 e deixou o interior de Goiás para trabalhar em propriedades de japoneses em Brazlândia na produção de morango (Valter Campanato/Agência Brasil)
Serviço
37ª Festa das Flores e Festa do Morango de Atibaia
Quando: De 1º/9 a 24/9. Das 9h às 18h
Onde: Parque Edmundo Zanoni. Na Avenida Horácio Neto, 1030 – Atibaia (SP)
22ª Festa do Morango de Brazlândia
Quando: De 1º/9 a 10/9. Das 9h às 23h30
Onde: Associação Rural Cultural Alexandre de Gusmão (ARCAG). Núcleo Rural Alexandre de Gusmão INCRA 6 – Brazlândia
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(Fonte: Agência Brasil / Repórteres: Fabíola Sinimbú e Luiz Cláudio Ferreira)