O silêncio que hoje impera no Patronato, como era conhecido o antigo educandário para crianças e adolescentes carentes, criado em meados da década de 1960, pelo padre holandês Wilhelmus Johannes Oud – o padre Willi – em Lelivéldia, distrito de Berilo, no Vale do Jequitinhonha, agora está acompanhado da depredação, do esquecimento e do mato que toma conta do lugar.
O prédio principal, de dois andares, que começou a ser construído há pelo menos 15 anos, está inacabado e sendo consumido pela ação do tempo. Ele, duas casas, e uma área de 135 hectares, estão sendo leiloados para pagar uma dívida trabalhista de R$ 203 mil reais.
As ações, movidas por seis ex-funcionários do Patronato, começaram a tramitar na Justiça do Trabalho em Araçuaí, em 2008, após uma tentativa fracassada de acordo, que incluía doação de terras da instituição, para pagar as dívidas.
Desde maio de 2010, estão sendo realizados os leilões dos bens, que não encontram compradores. Já foram três. O próximo está agendado para o dia 16 de dezembro, a partir das 10h30, através da internet. Todo o patrimônio está avaliado em R$ 800 mil.
“Existe, os bens e a esperança de satisfazer uma dívida mas, ninguém tem interesse de arrematar”, informou um advogado que atua na Justiça Trabalhista.
Esquecimento
Inacabado e imponente o prédio principal do Patronato, nada lembra os tempos em que o padre Willi sonhava em transformá-lo no maior educandário do lugar.
São 33 salas espalhadas pelos dois pavimentos. A maioria está apenas no reboco, sem portas, janelas ou pintura. Há muita infiltração e paredes trincadas. O telhado está bastante danificado. A sujeira toma conta de toda a área. No andar de baixo há muitas carteiras quebradas, livros velhos, vasos, mofo, restos de mobiliário e muita quinquilharia.
O professor aposentado, Geraldo Gomes, 56 anos, foi aluno do Patronato e vê com tristeza e revolta a situação atual do lugar.
“Não gosto de vir aqui. Me sinto mal de ver como acabaram com tudo. O ser humano não tem coração. Não respeitaram sequer a memória do padre que lutou tanto para manter isso aqui”, lamenta o professor.
Ele lembra a vida difícil de menino da roça, sem muitas perspectivas de vida.
Geraldo estudou no patronato até a 4ª série. Em meados de 1978, foi enviado pelo padre Willi, juntamente com mais 28 jovens, para concluir o supletivo de 1º grau no Colégio Tiradentes, em Diamantina, a cerca de 230 km de Lelivéldia.
Em 1986, Geraldo completou o 2º grau e cinco anos depois, formou-se em Geografia pela Universidade Católica de MG (PUC).
“O padre era um paizão para todos mas, ele deveria ter preparado alguém para dar continuidade à sua obra. Talvez as coisas não tivessem chegado a esse ponto. Depois da sua morte, a diretoria do patronato ficou perdida”, observa Geraldo.
“Sonhos até que tínhamos, como por exemplo, criar uma Escola Família Agrícola (EFA) e ainda aproveitar o espaço para instalação de cursos profissionalizantes” diz José Nelson Caldeira, presidente da Associação do Patronato Agrícola Industrial de Lelivéldia e que viveu 20 dos seus 46 anos, no educandário.
“É triste ver aquilo tudo abandonado. Estudei ali e tudo que tenho devo ao Patronato, onde recebi todo apoio. Naquela época, tudo era difícil na região. O padre formou cidadãos. As crianças estudavam latim, francês e inglês. Na minha época eram 180 alunos”, lembra José Nelson.
Abandono
Além do prédio principal, existem na área dois outros prédios, distantes pelo menos 1 km um do outro. Em um deles, o padre Willi queria transformar em hospital e o outro, funcionou como alojamento feminino. São dois galpões compridos que eram cobertos com telhas de amianto e pequenas janelas. Tudo foi arrancado.
O Patronato, que fica a 5 km de Lelivéldia, era uma mistura de escola e orfanato e ocupa uma área, com cerca de 2 mil hectares. O lugar era o sonho do religioso que chegou ao Brasil, fugindo dos horrores de Adolf Hitler e da Segunda Guerra Mundial.
O nome de Lelivéldia (Vale dos Lírios, como ele costumava dizer), é uma referência ao seu próprio nome.
Quem era o padre Willi
Padre Willi, era um homem despojado, e dedicado aos pobres do Vale do Jequitinhonha, onde passou boa parte de sua vida, e onde educou bem mais de 400 crianças.
Hoje, todas adultas, algumas com cursos universitários, estão empregadas, casadas e com filhos.
Elas o chamavam de “pai Padre Willi”. Muitos são residentes em Lelivéldia, que cresceu pela venda “simbólica” de lotes que ele mesmo fazia a seus “filhos espirituais”, quando estes iam ficando adultos.
Toda a área, que acabou se tornando distrito de Berilo, o religioso foi adquirindo aos poucos, conforme ia conseguindo dinheiro de doações que vinham principalmente da Holanda.
Primeiro para uso e manutenção de sua obra social “o Patronato” e também para preservação ambiental, uma vez que, como ele alertava, quase toda a região da Chapada de Acauã, onde se localiza o lugar, corria risco de deterioração de seu ecossistema, por causa das grandes plantações de eucalipto que devastaram e destruíram toda a característica do cerrado da Chapada, por conta dos interesses capitalistas de grandes empresas de reflorestamento.
“Padre Willi era um grande idealista e apaixonado pelos pobres e pequeninos, e recebia das mães em desespero, todas as crianças que se encontravam em situação de miséria e risco de morte por desnutrição, o que não faltava na região considerada das mais miseráveis do Brasil.
Ele as acolhia no Patronato, onde lhes dava abrigo, embora em condições precárias, até o ponto de sua obra social ser fechada pelo Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, – diante de denúncias feitas devido a falta de condições mínimas para funcionamento – muito embora as mais de 400 crianças por ele educadas e crescidas nesse local tenham “sobrevivido” e se tornado bons cidadãos, todos muito educados, bem formados e instruídos ,dando-lhes também formação acadêmica, ética, moral e religiosa.”, lembra o Monsenhor Lídio de Miranda Murta, amigo do padre Willi.
“Era um homem de Deus, uma alma pura, um coração de criança, numa mente genial, mas meio utópica, irrealista e adoidada, porém um verdadeiro santo, ” acrescentou Monsenhor Lídio.
“Ele era assim, incapaz de ver alguém sofrendo e não fazer nada por ela”, acrescentou o Monsenhor, hoje residente em Joaíma.
“O Padre da Cara Feia”, como ele se intitulava, foi sepultado em uma cripta ao lado da igreja que ele construiu na principal praça de Lelivéldia.
Foi um pioneiro e um baluarte pelo desenvolvimento de toda a região do médio Jequitinhonha.
Participou da fundação de várias comunidades, hoje já emancipadas, como Angelândia, antes pertencente ao município de Capelinha, Veredinha, que fazia parte do município de Turmalina, José Gonçalves de Minas, antes denominado de Gangorras e que integrava o município de Berilo, assim como Jenipapo de Minas, nas margens do Setúbal, que fazia parte do município de Francisco Badaró, sem se falar nas diversas povoações como Ijicatu, Leme do Prado, Santa Rita e Cruzinha, localidades onde se fazia presente, como padre, mesmo contrariando as determinações da diocese que nenhum interesse demonstrava ter pela evangelização dos moradores desses lugares.
(Fonte: Gazeta de Araçuaí/Sérgio Vasconcelos)