O Registro Brasileiro de Gêmeos (RBG) é a aposta de pesquisadores para encontrar respostas sobre diversas doenças de forma mais barata do que os estudos com genoma. Pioneira na América Latina, a iniciativa surgiu em 2013 e acaba de dar um passo decisivo com o lançamento, este mês, do fomulário online (www.gemeosbrasil.org) para registro de voluntários. Podem se cadastrar gêmeos monozigóticos ou dizigóticos acima de 18 anos interessados em contribuir com a ciência.
De acordo com o pesquisador Vinícius Cunha Oliveira, um dos coordenadores do RBG, pesquisas com gêmeos em todo o mundo estão buscando respostas que estudos tradicionais ainda não encontraram sobre câncer, diabetes, tabagismo, alcoolismo, etc. “Para entender o funcionamento de muitas doenças, é importante identificar os fatores de risco ambiental e os fatores de risco genético. Isso pode ser feito através do mapeamento do genoma. Mas é um processo complicado e de custo elevado. As pesquisas utilizando gêmeos são mais baratas e podem oferecer muitas dessas respostas”, explica o pesquisador.
Para se cadastrar, o gêmeo precisará fornecer dados como nome, data de nascimento, sexo, filiação, endereço, telefone e e-mail. Os pesquisadores enviarão aos voluntários o link de um novo formulário para preenchimento de informações sobre estilo de vida, condições de saúde, medidas, consumo de medicamentos, entre outros. Tudo é feito através do computador ou de dispositivos móveis, como celulares e tablets. O preenchimento do formulário leva cerca de dois minutos.
Os dados ficam gravados no registro e o voluntário deve fazer uma atualização uma vez por mês, de forma que se possa monitorar ao longo do tempo mudanças físicas, comportamentais e de saúde. “O registro está disponível para pesquisadores interessados. Digamos que amanhã alguém nos procure querendo fazer uma pesquisa sobre diabetes. Nós faremos contato com os gêmeos para saber se eles querem participar. Não é porque eles se inscreveram uma vez que serão obrigados a participar de todas as pesquisas”, acrescenta Olveira.
A gêmea Luana Cristina de Oliveira, 31 anos, está inscrita no RBG e o vê a pesquisa como uma troca, já que também recebe informações sobre si mesma. “É uma excelente iniciativa e uma forma de conhecer o universo complexo dos gêmeos”, diz.
Origem
Criado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), o RBG surgiu a partir de uma parceria com o Registro Australiano de Gêmeos, que existe há mais de 30 anos e é um dos mais avançados do mundo. Os australianos possuem um cadastro com 80 mil gêmeos. Atualmente, há mais de 30 registros semelhantes, a maioria em países desenvolvidos como Alemanha, Estados Unidos, Noruega, Dinamarca, Itália e Japão.
Em 2013, o RBG fez um mapeamento inicial de gêmeos monozigóticos e dizigóticos acima de 18 anos na região metropolitana de Belo Horizonte. Atualmente, o registro possui dados de aproximadamente 300 voluntários da capital mineira e cidades vizinhas.
No ano passado, parcerias com pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da Universidade de São Paulo (USP) e de instituições de Santa Catarina permitiram ampliar o alcance do banco de dados. A meta, segundo Oliveira, é ampliá-lo cada vez mais. “Conforme a literatura científica, temos entre 1 e 2% da população mundial composta por gêmeos. Considerando que o Brasil tem cerca de 200 milhões de habitantes, podemos supor que entre 2 e 4 milhões são gêmeos”, calcula.
Em abril deste ano, a UFMG sediou o 1º Festival de Gêmeos, no qual cerca de 30 voluntários do projeto se reuniram com os pesquisadores para trocar informações e experiências. O RBG também tem integrado o consórcio mundial de registros que organiza encontros a cada ano e meio para discutir pesquisas conjuntas. Os pesquisadores do Japão, por exemplo, já sinalizaram interesse em estudar japoneses gêmeos imigrantes que vivem no Brasil. Os cientistas brasileiros também estão em diálogo avançado com os australianos e os espanhóis.
Dor lombar
O primeiro estudo desenvolvido no âmbito do RBG analisa fatores de risco ambiental da dor lombar, para que futuramente se possa elaborar estratégias de prevenção. “Trata-se de um problema muito prevalente na população e os tratamentos funcionam até certo ponto. Não há uma cura. Fala-se em controlar os episódios e prevenir novos episódios. E para prevenir é preciso entender com mais profundidade os fatores de risco”, explica um dos coordenadores do RBG.
Os gêmeos que integram esta parte da pesquisa são acompanhados por um ano. “Nós podemos monitorar dois gêmeos monozigóticos, que possuem carga genética idêntica, sendo que um tem dor lombar e o outro não. Vamos supor que apenas um deles pratica atividade física. Então podemos verificar se o sedentarismo é um fator de risco”, acrescenta o pesquisador.
Pesquisa semelhante sobre dor lombar foi realizada na Austrália com algumas conclusões que contradizem estudos tradicionais. Segundo o estudo, obesidade e depressão não seriam fatores de risco e sim de prognóstico, ou seja, obesos e depressivos não têm mais chances de desenvolver dor lombar, embora talvez tenham mais dificuldade de obter melhora no quadro.
Por outro lado, os australianos perceberam que a qualidade do sono é um fator de risco, conclusão que não tinha tanta evidência na literatura médica. Diante destes achados, a pesquisa realizada pelo RBG busca também saber se as conclusões australianas têm correspondência no Brasil.
Embora esse estudo da dor lombar busque resultados que ajudem futuramente na prevenção da doença, também é possível desenvolver pesquisas com gêmeos para avaliar medidas terapêuticas.
“Por exemplo, se nós aplicarmos um tipo de tratamento em uma pessoa doente e ela tiver melhoras, quem me garante que a recuperação se deu pela intervenção médica? Ela pode ter melhorado porque isso ia ocorrer de qualquer jeito. Mas se nós usamos gêmeos com genética idêntica que estejam com a mesma doença, temos o que chamamos de grupo controle perfeito. Se um recebe o tratamento e melhora e o outro sem tratamento não melhora, aí podemos tirar conclusões mais profundas”, explica Oliveira.
(Agência Brasil)