Pedófilos também precisam de tratamento, diz especialista

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A sexualidade é uma questão cultural e a forma como a criança é apresentada a esse universo vai sempre influenciar a vivência sexual na fase adulta. Foi sobre essas duas questões que o psicanalista Paulo Roberto Ceccarelli falou durante audiência pública que tratou da violência sexual de crianças e adolescentes. Ele foi o principal convidado da reunião realizada na manhã desta quarta-feira (18/5/16) pelas Comissões de Direitos Humanos e de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Membro da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia da 4ª região e doutor em psicopatologia fundamental e psicanálise pela Universidade de Paris, Ceccarelli falou de casos acompanhados por ele para explicar certos pontos. Citou, por exemplo, um caso em que uma mãe espancou uma criança de 3 anos por ele ter tocado seus órgãos sexuais. A criança teria sido enviada ao hospital depois do espancamento. “Isso diz mais sobre a mãe do que sobre o filho”, avaliou e afirmou que essa repressão será determinante para a forma como a criança vai, futuramente, vivenciar sua sexualidade.

“A atividade sexual começa de forma precoce, mas a excitação que ela produz não coincide com a do adulto. Tocar nos órgãos é normal, mas como isso é recebido pelos adultos ao redor?”, questionou. A repressão, o incentivo, a culpa, tudo isso seria reflexo da moral familiar e chegaria de forma pesada à criança. Ele citou, então, o exemplo de uma mãe que teria procurado um centro de atendimento alegando que seu filho seria “tarado”. Mas o filho tinha apenas dois anos de idade. O atendimento teria percebido, então, que a criança foi fruto de um estupro e a mulher projetava na criança o medo dos impulsos sexuais do homem que a violentou.

Daí viriam as constatações de que muitos dos abusadores foram, em algum momento, vítimas da mesma violência no passado – ou de outras distorções sexuais. Assim, ele defende o tratamento dos agressores. “É preciso ressignificar a violência sexual, acabar com a ideia de que o pedófilo é um monstro. O que os agressores relatam, em geral, é um sofrimento enorme, mas uma dificuldade muito grande em lutar contra esses impulsos”, afirmou. Ele diz, então, que é preciso punir o responsável, não se deve retirar dele a culpa, mas que é preciso considerar sua história pregressa e tratá-lo.

O Psicanalista Paulo Roberto Ceccarelli participou de audiência pública que tratou da violência sexual de crianças e adolescentes na ALMG (Foto: Reprodução / Youtube)

Cultura é definidora de comportamentos sexuais

A influência da cultura nas manifestações da sexualidade também foram destacadas por Ceccarelli. Ele disse que realiza alguns trabalhos no Pará e, com frequência, visita tribos indígenas da região. Citou, então, que em algumas tradições a menstruação é compreendida como um sinal de que a natureza está pronta, assim muitas meninas de 12 anos se casam. Isso não poderia, segundo ele, ser considerado pedofilia, mesmo que o marido fosse mais velho, já que se trata de um contexto cultural diferenciado. “A moral em nossa sociedade determina como nossa sexualidade é vivida. Nascemos imersos nisso e aprendemos o que é normal e o que é desvio”, disse.

Por fim, o psicanalista disse que é preciso ter cuidado nas abordagens dos casos, já que há muita coisa envolvida. Citou exemplos em que um dos pais induz as crianças a denúncias e falou de fantasias infantis que podem criar quadros diferentes da realidade. Lembrou de um caso na França em que um juiz prendeu dezenas de pessoas em uma pequena cidade alegando estar desarticulando uma quadrilha internacional de pedofilia. Soube-se depois que aquilo não era verdade e que muitos dos depoimentos teriam sido induzidos pelo próprio juiz. Paulo Ceccarelli afirmou, então, que é essencial ter cautela na apuração dos casos e lembrou que, muitas vezes, submeter uma criança a um exame ginecológico diante de uma junta de médicos que tentam determinar se houve ou não estupro pode ser altamente traumático.

Minas é pioneiro em coleta de DNA dos agressores

Durante o encontro, vários representantes de órgãos públicos que tratam do enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes falaram sobre políticas para combater o problema. A coleta de material genético que eventualmente o agressor tenha deixado na vítima, feito durante atendimento médico em hospitais de referência no assunto, foi salientada pela promotora de Justiça da Promotoria Cível da Infância e Juventude, Maria de Lourdes Santagena. Minas Gerais é, segundo ela, pioneiro no Brasil nesse sentido. O material genético comporia um banco de dados. “Esse foi nosso maior avanço nos últimos anos, conseguimos melhorar nosso protocolo de atendimento às vítimas, já com vários hospitais referência”, afirmou.

Marcel Belarmino de Souza, da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social, lembrou que o Governo de Minas está implantando serviços de acolhimento estaduais nas diversas regiões de Minas Gerais para atendimentos em municípios e locais com pouca estrutura de combate à violência contra crianças e adolescentes. Segundo ele, até 2017, serão implantadas 17 unidades de Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) em todos os territórios regionais.

Também serão implantados, segundo ele, serviços de acolhimento em famílias para retirada provisória de crianças e adolescentes de famílias que ofereçam riscos a elas. “O objetivo é ampliar a cobertura de serviços de proteção para locais sem esses serviços”, disse Marcel de Souza.

Por sua vez, a coordenadora especial de políticas pró-crianças e adolescentes da Secretaria de Direitos Humanos de Minas Gerais, Célia Carvalho Nahas, ressaltou que tem sido feita a formação continuada dos profissionais envolvidos com a questão, especialmente aqueles dos Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos. Teriam sido, só em 2016, cinco cursos oferecidos para cerca de cinco mil conselheiros. Ela lembrou, ainda, da necessidade de trazer à tona a discussão de outros temas, como a questão de crianças e adolescentes com deficiências e das questões LGBT.

O coordenador do Fórum Interinstitucional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, Moisés Ferreira Costa, afirmou que 60% dos casos de estupros em Minas Gerais são praticados contra pessoas com menos de 14 anos. Para falar da crueldade dessas violências, ele citou a história de Araceli Cabrera Crespo, que tinha 8 anos quando foi raptada, drogada, estuprada, morta e carbonizada, no Espírito Santo, em 1973. A violência ocorreu no dia 18 de maio, data que agora é tratada como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

(Fonte: ALMG)

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